Reportagens

Olhar que conserva

Quinto Encontro Brasileiro de Observação de Aves, o Avistar, mostra que cada vez mais segmentos da sociedade se interessam pela prática, uma ótima notícia para a conservação.

Cristiane Prizibisczki ·
19 de maio de 2010 · 14 anos atrás

Encontro no Parque Villa Lobos reuniu veteranos e novatos da prática de observação de aves (foto: Cristiane Prizibiszcki)
Encontro no Parque Villa Lobos reuniu veteranos e novatos da prática de observação de aves (foto: Cristiane Prizibiszcki)

Eles são jovens, têm situação financeira razoável, ainda estudam ou são pesquisadores e preferem viajar sozinhos. Estas são algumas das características do observador de aves no Brasil. O birdwatching ainda é uma atividade que engatinha no país, mas que também ganha, a cada ano, a atenção de novos segmentos da sociedade. No último final de semana, a capital paulista recebeu, mais uma vez, o Encontro Brasileiro de Observação de Aves, Avistar, local onde estes segmentos – sociedade civil, academia e iniciativa privada – se reúnem. Esta é a quinta edição do evento, que, este ano, entrou para o calendário oficial do Parque Villa-Lobos, onde é realizado.

Mais maduro e consolidado, o Avistar 2010 teve forte participação do setor do turismo de observação e de natureza, que parece ter despertado para o potencial do nicho. O Brasil é um dos primeiros em biodiversidade de aves – com cerca de 1800 espécies -, espalhadas pelos seis grandes biomas, cada qual com suas particularidades e atrativos específicos. Atualmente, existem 40 destinos já adaptados ou em fase de adaptação para este turista específico. O número ainda é pequeno, diante do potencial para a atividade, mas ele só tende a crescer.

Segundo Guto Carvalho, organizador do Avistar, o número de expositores – a maioria de destinos turísticos – aumentou 40% em relação ao ano passado. Eles estão de olho nos 4 mil visitantes estrangeiros que o Brasil recebe por ano para observar aves e no bom momento da economia, que tem despertado no turista brasileiro o interesse por viagens diferenciadas. Os novos birdwatchers, alguns deles que entraram em contato com a prática no próprio Avistar, também são muito bem-vindos.

Múltiplos benefícios

Luiz Avelino Ribeiro, de palmiteiro no Vale do Ribeira a guia de observação de aves (foto: Cristiane Prizibizcki)
Luiz Avelino Ribeiro, de palmiteiro no Vale do Ribeira a guia de observação de aves (foto: Cristiane Prizibizcki)

O ponto de vista econômico, a observação é um grande negócio. Segundo o relatório Birdwatching no Algarve (Portugal), publicado em dezembro passado pela Sociedade de Proteção e Estudo de Aves, a prática gera 82 milhões de dólares todos os anos nos Estados Unidos – país com maior número de observadores do mundo – e é responsável por 670 mil postos de trabalho. Já no Reino Unido, o birdwatching movimenta 11,7 milhões de libras por ano, algo em torno de R$ 30 milhões.

Mas não é na economia que está o maior benefício. Os observadores são grandes defensores da natureza. Estimular que novos empreendimentos se adaptem às suas exigências é garantir que mais áreas serão preservadas ou regeneradas. “O aumento da procura pelo turismo de observação faz com que a avifauna local seja valorizada e aumenta a pressão para proteção de espécies ameaçadas”, diz a pesquisadora Tietta Pivatto, que focou seu mestrado no turismo de observação como alternativa de uso sustentável no Pantanal e Planalto da Bodoquena. Os dados sobre o perfil do birdwatcher, descritos no início da matéria, foram retirados de seu trabalho, apresentado durante o Avistar.

A mudança no modo como entendia e usufruía da natureza foi um dos benefícios diretos do incentivo na prática da observação para o guia Luiz Avelino Ribeiro. Morador da cidade de Ribeirão Grande (Sul de São Paulo), Ribeiro trabalha há 33 anos no Parque Estadual Intervales. Até 1987, ele tirou seu sustento abrindo trilhas na mata para palmiteiros. Hoje, é guia de birdwatchers. “Eu me interessei [pelas aves], achei bonito. Sou mais feliz agora, que posso ver o patrimônio preservado”, diz Avelino, com a simplicidade de quem veio do mato.

No meio dos tipos sui generes do Avistar – com suas roupas camufladas, chapéus, botas e binóculos -, se destacava Ubiratã Rocha Ferreira. De terno e gravata, o empresário veio até o Avistar porque queria aprender um pouco mais da prática. O objetivo é adaptar seu empreendimento hoteleiro, que fica próximo do Parque Estadual Carlos Botelho, para observadores de aves. “Pode me trazer um bom retorno econômico, aliado à preservação”, disse. O engajamento da iniciativa privada nas questões ambientais, aliás, já é hoje um dos caminhos principais para a garantia da preservação da natureza.

Modelo consolidado

O empresário Ubiratã Rocha Ferreira foi ao Avistar para saber mais e poder adaptar seu empreendimento hoteleiro (foto Cristiane Prizibiscki)
O empresário Ubiratã Rocha Ferreira foi ao Avistar para saber mais e poder adaptar seu empreendimento hoteleiro (foto Cristiane Prizibiscki)

Além da grande presença do setor de turismo, Guto Carvalho destaca o crescimento na procura pelos painéis, que aconteciam entre as palestras principais e serviam de espaço para que pesquisadores mostrassem seus trabalhos. “[Os painéis] atenderam à necessidade de comunicação dos pesquisadores e marcaram um novo modelo de contribuição”, disse.

Segundo ele, o desafio é sempre conciliar o interesse do público específico com o do público em geral, mas um novo molde de ‘co-autoria’ está se delineando no encontro, devido à participação mais ativa dos diversos parceiros. O modelo parece estar dando certo. Empresários argentinos interessados em criar uma Feira de Observação de Aves em seu país, que tem a pretensão de ser a maior da América Latina, estavam lá no Avistar, para tentar aprender como é que se faz.

Veja também o vídeo

Um dia de Bird Watcher

Fotografia

As melhores fotos de aves do Avistar 2010

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

Leia também

Análises
10 de outubro de 2024

Três COPs e uma solução: povos tradicionais precisam estar no centro do debate

É crucial buscar um olhar integrado que considere e valorize a gestão, governança e conservação de forma holística, especialmente dos territórios coletivos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais

Salada Verde
10 de outubro de 2024

Supremo barra a emissão automática de licenças para empreendimentos de médio porte na Bahia

Liberadas eletronicamente, as permissões foram criadas em governos estaduais e apoiadas por empresariado e agronegócio

Colunas
10 de outubro de 2024

Justiça ambiental: A luta pela vida na América Latina

Quando esvaziamos o debate ambiental e o reduzimos à "crise climática", corremos o risco de nos distanciar do ponto central: o uso indiscriminado da natureza como recurso

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.