A Soja Plus é apresentada como uma evolução das discussões da moratória. Mas ambientalistas discutem esta afirmação, que está no documento de lançamento da certificação. Segundo eles, a certificação é uma iniciativa unilateral dos produtores, que não tem nada a ver com as negociações da moratória. “A Soja Plus é uma iniciativa do complexo da soja para oferecer garantia aos compradores, afirma o secretário executivo do Imaflora, Luiz Fernando Guedes Pinto. “Uma iniciativa deles para oferecer garantia a eles mesmos”, afirma.
O secretário executivo do Imaflora considera a certificação dos produtores um avanço, mas também faz críticas. “Ela exclui os dois temas mais importantes da discussão social que é o Desmatamento Zero – pois segue o Código Florestal, e portanto aceita o desmatamento – e aceita os transgênicos. Tira estes dois temas polêmicos. Portanto não contempla contribuições para o sistema da soja”, afirma.
Segundo as críticas feitas pelos ambientalistas, a Soja Plus se limita a exigir dos produtores o respeito à Legislação Ambiental, o que é pouco quando o objetivo é acabar com o desmatamento provocado pela produção de grãos. Neste ponto, as organizações não-governamentais insistem que, por enquanto, o melhor caminho é a moratória, negociada pelo setor produtivo e ongs desde 2006, e negociações internacionais realizadas na mesa redonda que discute uma certificação internacional para a soja.
Além da legislação brasileira
Carlos Alberto Scaramuzza, do WWF, acredita que a Soja Plus não resolve o problema do desmatamento e defende a Round Table on Responsable Soy (RTRS) . “Ela me parece uma tentativa de atender às leis brasileiras, já a mesa redonda vai além da lei e leva em conta diferentes visões do que seria a produção de soja sustentável”, afirma. “A mesa redonda não procura resolver o problema só na propriedade, mas também evitar que a soja avance para áreas prioritárias para a preservação, como é o caso do cerrado”, completa.
O Greenpeace também enxerga problemas em apenas seguir a legislação. “Na Soja Plus, os critérios são basicamente o atendimento à legalidade. O conceito do desmatamento zero não é contemplado. Não que a lei seja ruim, mas é que ela não é aplicada”, afirma Raquel Carvalho, campainer da Ong. “Na moratória, o fundamento é o desmatamento zero, e o desmatamento zero vai além da legalidade. A moratória é a única coisa que temos para garantir o desmatamento zero”, completa. E com a possibilidade de revisão do Código Florestal, seguir a lei pode se tornar ainda mais frágil para evitar a destruição da Floresta Amazônica. Segundo Raquel, o problema da soja na Amazônia hoje é falta de governança. Para ela, a moratória deve durar até que as propriedades da Amazônia sejam regularizadas e cadastradas pelas secretarias estaduais, um trabalho que ainda está em andamento e, quando pronto, poderá contribuir para uma melhor fiscalização do desmatamento.
“A partir do momento em que você tem um cadastro com os limites da propriedade, com acesso público, você pode ver onde está o desmatamento”, defende a ambientalista. “O Cadastro inclui a declaração de APP, plano de recuperação e indica como recuperar a reserva legal”, completa.
Sem critérios
Outra crítica é a falta de discussão sobre os critérios de certificação com a sociedade civil e pesquisadores. Para as organizações, a certificação precisa ser independente. “É muito fácil vender algo como solução para o desmatamento provocado pela soja, quando se sabe aqui que não funciona”, critica Raquel Carvalho. “A gente entende que não tem a segurança necessária de que isto vai funcionar. Isto tem de ser construído de maneira coletiva, com participação de outros setores. Está focado na visão do setor produtivo e da indústria.”
“O sistema de certificação que trata de questões socioambientais, e a soja plus trata da questões socioambientais, mas desconsidera um um protocolo de sistemas de certificação social”, destaca Luis Fernando Guedes Pinto. “A principal premissa é um diálogo com todas as partes interessadas. A indústria optou por criar a própria norma. Desconsiderou parâmetros que garantem a credibilidade e a legitimidade. Desconsidera o que a sociedade civil, os trabalhadores e pesquisadores pensam”, completa.
O secretário executivo do Imaflora levanta ainda questões sobre a implementação deste certificado ‘verde’. De acordo com ele, auditorias e relatórios do processo precisam ser transparentes pois se trata de uma questão de interesse público. Além disto, é preciso haver contribuição de outros setores envolvidos para garantir o aprimoramento da certificação. “Todo processo de certificação é um processo de melhoria contínua. Prevê critérios mínimos que vão avançando”, explica.
A Conservação Internacional, que também participa das negociações da moratória, é signatária da carta de críticas à Soja Plus. O diretor de Política Ambiental da CI-Brasil, Paulo Gustavo Prado, acredita que um processo de certificação pode ser positivo e não atrapalha outras iniciativas como a moratória ou a Round Table (negociações internacionais para a certificação ambiental da soja em todo o mundo), “desde que garanta o não desmatamento e boas pricas na conservação de recursos naturais e biodiversidade e dos serviços ambientais na propriedade”.
Paulo Prado concorda que a certificação deva ser independente e por uma instituição com credibilidade internacional e defende também a necessidade de um sistema de licenciamento ambiental. “Qualquer iniciativa que não agregue ao compromisso metas de desmatamento do governo e lavradas em lei poderá desmoralizar o compromisso brasileiro de conter emissões por desmatamentos”, afirma Paulo Gustavo Prado.
Informativo
O informativo disponível no site da Abiove afirma que a Soja Plus não pretende substituir a Moratória da Soja e rebate críticas feitas em relação à falta de transparência. “O Soja Plus é uma iniciativa multiparticipativa e contará com os sojicultores e cooperativas, organizações da sociedade civil, associações, empresas, universidades e instituições de pesquisa e de extensão rural”, consta no informativo.
Segundo o texto, ongs e empresas estão sendo convidadas a participar do sistema e há espaço também para interessados em se associar. O programa, continua o informativo, será submetico a consultas públicas ou associados ou não poderão opinar.
Um programa piloto de três testes de campo foi desenvolvido, segundo a Abiove, e acompanhado por uma empresa verificadora internacional. Quinze 15 testes de campo serão realizados para identificar dificuldades enfrentadas pelos sojicultores caso fossem submetidos a qualquer processo de certificação. Para superar estas dificuldades, os produtores devem receber assistência técnica e treinamento.
“O programa está perfeitamente conforme com o objetivo da Moratória da Soja de sensibilizar os sojicultores a atenderem a legislação ambiental e social brasileira, e de realizarem o cadastramento e licenciamento ambiental das propriedades rurais; condição obrigatória para aderir ao mesmo. Logo, colaborará para o aprimoramento da governança”, afirma o boletim.
*Vandré Fonseca é repórter em Manaus
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