“Foi a caça indiscriminada que provocou a quase extinção de diversas populações de baleias no mundo todo, inclusive no Brasil. As baleias francas, por exemplo, foram praticamente extintas da costa brasileira pela caça realizada ao longo de quatro séculos, não só na costa brasileira como em suas áreas de alimentação na Antártida. Por sorte a ameaça de extinção ficou no “quase”, explicou a bióloga Karina Groch, diretora de pesquisa do Projeto Baleia Franca.
Os desentendimentos marcaram o tom do encontro realizado entre os dias 21 e 25 de junho, no Marrocos. Tanta confusão colocou em cheque a CIB. As nações pró-caça defendem um posicionamento regulador de recursos da comissão, já os conservacionistas esperavam cuidado dos delegados na preservação dos animais que representam. “Tudo mundo já chegou a conclusão que a proposta que estava na mesa para discussão é a favor da caça. Mas a decisão sobre o futuro da CIB vai ficar para 2011”, revelou Márcia Engel, presidente do Instituto Baleia Jubarte, que acompanhou as discussões do 62º Encontro da CIB.
Baleias pagam a conta
A conta, porém, quem vai pagar são as baleias, e com suas próprias vidas. Isso tudo porque existe uma brecha Artigo VIII no acordo que regula a moratória imposta em 1986. Ela permite a caça para fins científicos. Depois das discussões em Agadir, a moratória continua. O seu cumprimento fica da mesma forma. Japão, Noruega e Islândia não pretendem cumprir a sanção. Segundo Márcia Engel, o país asiático quer a regularização da caça para poder modernizar e viabilizar o crescimento de sua indústria baleeira. E uma suposta liberação já abriu os olhos de países como a Coréia do Sul. Os sul coreanos sinalizaram que querem a caçar baleias também, caso fosse relaxada a sanção de 1986.
Uma semana antes de começarem as discussões na CIB, seu Comitê Científico se reuniu para propor assuntos a serem discutidos entre os delegados. Karina Groch, do Projeto Baleia Franca, integra o comitê e contou que já entre os cientistas a previsão era de que os dias seguintes em Agadir seriam penosos. “O clima de algumas sessões da reunião do Comitê estava tenso desde o início. Diversas reuniões preliminares de negociação foram realizadas com representantes do governo de alguns países antes das plenárias da comissão, e a proposta de consenso apresentada pelo presidente da CIB cerca de dois meses antes da reunião não era satisfatória do ponto de vista técnico”.
E se a América Latina é destaque na Copa do Mundo, no encontro de Marrocos não foi diferente. O grupo Buenos Aires, do qual faz parte o Brasil e outros 12 países “hermanos”, se mostrou firme no posicionamento em defesa da permanência da moratória e mais rigor na fiscalização dos países caçadores. O junto com a União Européia eles defendiam a suspensão da pesca nos mares da Antártida dentro de um prazo de tempo determinado. “Os latino-americanos estão com uma posição destacada. Não aceitaram a caça, a captura e nem o fim da moratória no santuário Antártico”, apontou Márcia Engel, do Insituto Baleia Jubarte.
Virando a casaca?
Até as ONG’s WWF, Greenpeace e Pew Environmental Group foram acusadas de tornarem-se a favor da moratória, mas logo se defenderam. O Greenpeace publicou em seu site uma nota oficial em que acusa a imprensa de manipular seu posicionamento. E se disse expressamente contra a indústria baleeira. Junto com a WWF e Pew Environmental Group, eles produziram um documento com seis pontos principais e entregue a CIB que defendiam, entre outras coisas, o fim total da caça às baleias no Santuário de Baleias dos Oceanos do Sul, o fim do comércio internacional de produtos baleeiros e a não utilização do Artigo VIII, aquele que permite a pesca científica. “Achamos uma farsa o que ocorre hoje. Existe a moratória e ela não impede que a caça continue. Propusemos o fim da sanção para que fossem definidas regras claras e rigorosas nesta atividade junto aos países que se beneficiam do Artigo VIII”, ressaltou Carlos Alberto de Mattos, biólogo e superintendente de conservação da WWF Brasil.
Carlos Alberto acredita que os mecanismos de negociação precisam ser revistos. Para ele as questões geopolíticas falam mais alto em detrimento dos interesses ambientais. “O medo de aceitar uma restrição a um artigo marítimo para um país envolto pelo mar, como o Japão, falou mais alto. Depois deste encontro é preciso pensar numa reforma da estrutura da Comissão Internacional da Baleia para que as discussões cheguem a algum lugar, antes de pensar no seu futuro”, aponta ele. O Santuário de Baleias da Antártida era a maior preocupação das ONG’s. E tinham sua razão de ser. São dos mares gelados do sul que as baleias rumam para as costas de Brasil, Argentina e outros para prepararem sua reprodução. E o Japão vai até lá para realizar sua pesca “científica”.
Desde 1999, Márcia Engel participa das reuniões da CIB. E é de longa data que existe esse embate entre os pró-caça e os conservacionista. Mas a bióloga lembra que nos últimos anos discussões ligadas as mudanças climáticas, o aumento da temperatura dos oceanos e a poluição das águas entraram em pauta. Só que em 2010, o foco continua ser o dilema da caça. Depois de cinco dias de embate na CIB quem vai continuar sofrendo são as baleias.
*Thiago Camara é jornalista no Rio de Janeiro
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