Recife – Desencontro de informações, suspeitas e ruídos na apresentação à sociedade de um projeto de destinação de lixo estão tirando o brilho de uma proposta da Prefeitura do Recife. Militantes do meio ambiente e promotores do Ministério Público colocam-se contra a substituição de aterros sanitários por uma usina de incineração de lixo. O projeto pretende dar destino final a 1.350toneladas/dia de lixo e com isso gerar gás natural, fertilizantes, estímulo à reciclagem e produção de um composto para ser queimado em uma usina de cogeração de energia e vapor.
Trata-se de um empreendimento de R$ 308 milhões, com concessão municipal por 20 anos para receber a maior parte ou todo o lixo doméstico da capital pernambucana. O consórcio Recife Energia vai processar o lixo orgânico em biodigestores suíços, transformá-lo em adubo sólido, líquido e gás natural, possibilitar a separação dos recicláveis, retirada dos elementos tóxicos (como baterias e canos de PVC por exemplo) e criar o composto derivado de resíduo. Esse material, que é a parte inorgância, não tóxica e não reciclável será o combustível da uma usina de cogeração de energia e vapor localizada na segunda planta do projeto, no distrito industrial do município do Cabo, no entorno do Porto de Suape.
A grita começa a partir da localização da primeira da Central de Tratamento e Destinação de Resíduo na Área de Proteção Permanente (APP) Mata do Engenho Uchôa. Embora o EIA/Rima afirme que é o projeto está no limite da APP, mais de uma ONG se levantou contra o endereço.
O Movimento em Defesa do Engenho Uchôa é o mais atuante. Arlindo Lima é diretor do movimento pró Engenho Uchôa. Ele critica o projeto da Recife Energia a partir da localização da planta, da qualidade do EIA/Rima e das primeiras informações que chegaram. “Não se pode construir uma unidade para selecionar o lixo em uma reserva de Mata Atlântica”, protesta. Ele também garante que os técnicos que fizeram a análise do impacto ambiental não foram ao Engenho Uchôa e protesta contra a perda de atividade para os catadores.
A Mata do Engenho Uchôa faz parte do último cinturão de Mata Atlântica que, no limite oeste do município, cerca o Recife. Ele se encontra com o Jardim do Botânico, com a mata do Comando Militar do Nordeste, dos Brennand, com o Parque de Dois Irmãos e as reservas naturais de cidades vizinhas.
Promotores não concordam
Os protetores da Mata do Engenho Uchôa militam com estratégia definida. Marcaram presença na última reunião plenária temática de meio ambiente do Orçamento Participativo e defenderam a construção política municipal dos resíduos sólidos como prioridade. Na nova audiência pública para tratar do consórcio Recife Energia, eles preparam mais ações.
Promotores do Ministério Público também veem com reservas a unidade de seleção dos resíduos (lixo) e a usina que queimará CDR, o composto derivado do resíduo. O promotor André Silvani adiantou os pontos pelos quais o órgão franze a testa. “Em nenhum lugar do mundo, que utiliza essa tecnologia, são feitas duas plantas, duas unidades em locais diferentes”. Silvani também afirma que uma indústria com este tipo de impacto ambiental não poderia estar em uma APP.
O promotor disse que o Ministério Público poderá questionar o projeto na Justiça tanto do ponto de vista ambiental como por improbidade administrativa, pois considera suspeito o contrato em que a prefeitura paga para fornecer a matéria prima de um empreendimento privado. “As coisas em torno dos resíduos sólidos costumam ser misteriosas”, comenta.
O promotor Paulo César do Nascimento, que analisa a unidade que funcionará no Cabo, recebeu denúncias da sociedade organizada, abriu processo de investigação, mas, até o momento, não obteve um dado técnico de que a usina poderá poluir além dos limites da lei. “Não vejo nenhum bicho papão”, resume. Ele aguarda informações técnica da agência de meio ambiente do estado, a CPRH.
Argumentos da prefeitura e empresa
O diretor de Limpeza Urbana da Empresa de Manutenção da Prefeitura do Recife, Paulo Padilha, defende o projeto com números. O lixo coletado no Recife pesa 2.200t diariamente. Deste volume, 1.350t serão destinados à Recife Energia. Atualmente, os resíduos do Recife são depositados Central de Tratamento de Resíduos (CTR) Candeias, em Jaboatão dos Guararapes, a 10,3km do limite do Recife, e na de CTR de Igarassu, a 25km do limite do Recife. “Cada quilômetro que esses caminhões fazem, além do Recife, custa R$ 0,80. Como cada caminhão leva cerca de 20t, o custo diário para 110 viagens de caminhões compactadores levarem 2.200t ao aterro particular é de R$ 2.600. Ao mês, R$ 79 mil. Além disso paga-se R$ 30 por tonelada que ao dono do aterro, para o trabalho sanitário necessário. A Recife Energia apresenta-se como a solução dos problemas de lixo doméstico da cidade, oferecendo menor distância e custo de R$ 28,90 por tonelada. O gerente de engenharia da empresa, Paulo Pontual, mostra projetos, plantas, processos, maquetes e argumentos em favor da planta e contra os aterros sanitários. Com relação à localização, garante (e utiliza o EIA/Rima de apoio) que a área está totalmente degradada, era utilizada para retirada de areia e argila, além de não possuir vegetação. “Mas se o problema for essa proximidade, nós reformulamos nossa planta oferecendo mais espaço à área de proteção permanente e tratamos de reflorestá-la com mudas de espécies nativas”, oferece. Em sua proposta, esclarece que nem toda área da primeira unidade é passível de questionamento.
Ao Ministério Público, que não compreende a necessidade de duas unidades, argumenta que o edital de concessão da Prefeitura do Recife exigia a unidade de recebimento na cidade (até mesmo para não pagar pelo deslocamento, argumentou Paulo Padilha, da limpeza urbana). A segunda unidade está no município do Cabo, justifica o gerente da Recife Energia, pela proximidade com as indústrias químicas que deverão comprar o vapor quente, também produzido pela usina.
Quanto à tese da improbidade administrativa, levantada pelo promotor André Silvani, o gerente da Recife Energia conta que a Prefeitura do Recife busca apenas um novo destino final do lixo doméstico, que atualmente é o aterro privado. “Hoje a prefeitura paga mais de R$ 30 por tonelada depositada em aterro. Com a Recife Energia em atividade, pagará R$ 28,90, e não produziremos nem chorume, nem haverá dispersão de gás metano (como os aterros)”.
Para operar, o projeto das usinas de incineração precisam obter a licença da CPRH, que espera a segunda audiência pública, no Cabo. É quando a militância defensora da Mata do Engenho Uchôa se prepara para agir. A segunda audiência está marcada para após as eleições. É tempo suficiente também para o Ministério Público se pronunciar. Em seguida, a CPRH aguardará um prazo para emitir a licença ou declarar as razões pelas quais não licenciou o projeto. Em caso de licença, a Recife Energia só iniciará as operações dois anos depois. A licitação iniciada em 2007 não tem chance de sair do papel antes de 2012.
Como funciona
A planta um da Recife Energia prevê o descarregamento dos caminhões de lixo em um depósito todo fechado, sem saídas de ar. Nesse grande depósito, apenas uma pessoa vai operar uma garra que rasgará os sacos para o lixo ter sua parte orgânica automaticamente separada. Líquidos, restos de alimentos, pó de café, cascas seguem para os biodifestores suíços da Kompogas, uma empresa modelo na transformação de lixo orgânico em fertilizantes e gás natural. “Nossa produção de gás vai gerar energia para toda a unidade no Recife e será o combustível de parte de nossa frota”, conta o engenheiro Paulo Pontual. Separada a parte orgânica, o resto do lixo segue em uma esteira para uma sala onde estarão os catadores de lixo cooperativados – outra exigência do edital da licitação. Os catadores separarão plástico duro, garrafas PET, latas e outros produtos recicláveis que possuem mercado. Os 240 cooperativados terão equipamentos de proteção individual, refeitório, sanitários oferecidos pela Recife Energia. O que não for aproveitado passará por dois processos, um eletromagnético e outro eletrostático, que excluirão ferro, aço, alumínio, antimônio e outros metais. Em seguida, a separação balística retirará pedras, blocos pesados, cerâmicas e material de construção. O que sobrar será triturado em pedaços de 5cm. Esse é o CDR, que será transportado em carretas fechadas para a usina de geração de energia e vapor, no Cabo. Ao ser descarregado, o CDR vai para a caldeira por esteira e é queimado em temperatura superior aos 1.000°C. A partir da água que passa por tubos, dentro da caldeira, é produzido vapor superaquecido que movimentará as turbinas para produção de 27 MW. “O suficiente para alimentar um município de 300 mil habitantes”, exemplifica Paulo Pontual. A eletricidade será vendida em leilões e parte desse vapor, em temperatura menor, será vendido para indústrias químicas. A saída da fumaça produto da queima do CDR e a cinza gerada também são alvo do EIA/Rima e previstos no projeto de instalação. A fumaça seguirá para dois reatores. O primeiro, por turbilhonamento, vai retirar as partículas aéreas. “Vamos poluir menos que um caminhão, será coisa de 200 mil partes por metros cúbicos”, afirma o engenheiro do consórcio. O segundo reator, com pó de carvão ativado, terá como função capturar as dioxinas e furanos, elementos tóxicos persistentes, perigosos e comuns em processos de combustão industrial. Depois dos dois reatores, a saída para a atmosfera por uma chaminé com 30m de altura. Na base do duto, um controle em tempo real que estará fazendo a análise química de tudo que por ela passar. “Se houver uma quantidade excessiva de algum elemento químico tóxico, um alarme dispara e todo sistema para”, explica Paulo Pontual. O passo seguinte, numa situação dessas, é encontrar a razão da concentração de algum elemento e corrigir o processo e impedir a repetição do erro. “Os parâmetros do nosso sistema na saída do exaustor consideram como limite 80% do previsto na resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Se ultrapassar 80% do previsto pelo Conama, o sistema dispara”, reforça Paulo Pontual. A cinza somará perto de 70t ao dia. Ainda não há um destino comercial estabelecido, esclarece Paulo Pontual, que enxerga mercado na produção de blocos cerâmicos, como elemento para a indústria do cimento ou parte do asfalto. Outra hipótese, afirma o gerente, é vender as cinzas para um aterro sanitário, que precisa criar camadas capazes de isolarem o lixo aterrado. |
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Vocês tem o contato dessa empresa que realizaria o projeto para que eu possa pegar informações? Obrigada