Recife – A maior obra de engenharia em andamento no Brasil continua rasgando solo, abrindo a Caatinga, criando reservatórios e pequenas hidrelétricas. A transposição do rio São Francisco conta com o entusiasmo do ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho (PSB), e do seu padrinho político, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). Ambos participam nesta segunda-feira, dia 21, da primeira reunião com os governadores nordestinos que a presidente da República, Dilma Rousseff, realiza em Aracaju (SE). Na pauta, os investimentos na região. A polêmica obra de transposição deve ser destaque na pauta.
Não poderia ser diferente. Trata-se de um empreendimento colossal, com a construção dos canais Norte e Leste, estações elevatórias, aquedutos, túneis, obras de engenharia pesada por 390 municípios em quatro estados, com o objetivo oficial de garantir o abastecimento de água para 12 milhões de brasileiros, em 2025.
A licença de instalação concedida março de 2007, depois da análise do EIA/Rima, levou o Ibama a pedir várias medidas, planos, programas, ações mitigadoras e compensatórias (estão lá no processo 02001.003718/94-). As solicitações do órgão ambiental foram organizadas em 32 Projetos Básicos Ambientais (PBAs). Esses requisitos se tornaram necessários para o andamento das obras seguindo o que determina a legislação ambiental.
Os PBAs estabelecidos na licença de instalação concedida pelo Ibama, estão sendo executados, mas alguns especialistas ouvidos por esta reportagem criticam a timidez dos investimentos.
A relação do Ibama pede desde educação ambiental para as populações que serão afetadas pelos canais, como acompanhamento no reassentamento das populações atingidas, apoio técnico às prefeituras, desenvolvimento das comunidades indígenas, prevenção à desertificação, recuperação de áreas degradadas e conservação de fauna e flora.
Educação ambiental
Os investimentos em educação ambiental tem entre seus objetivos formar agentes multiplicadores através da capacitação de personagens-chaves, como educadores, trabalhadores nos canteiros de obras e agentes de saúde, por exemplo. No entanto, a informação difundida aprofunda o debate sobre o uso dos recursos hídricos e sobre o próprio Rio São Francisco, testemunha um biólogo, que preferiu se afastar do trabalho junto às comunidades diretamente afetadas pela obra.
O sociólogo Rodrigo Tavares, técnico do Centro Cultural Luiz Freire, também critica a pequena capacitação dos agentes multiplicadores. “Prometeu-se uma ação mais efetiva, mas apenas 20% do acertado estão sendo colocado em prática”, calcula Rodrigo Tavares. Ele também critica a falta de diálogo com as comunidades envolvidas, em especial indígenas e quilombolas, povos tradicionais do semiárido nordestino.
Trinta e três povos indígenas, que vivem ao longo do São Francisco, protestam contra mais uma ação no rio-mar. “O rio é pai e mãe das nações indígenas”, declara o cacique Neguinho Truká. O cacice Cícero Tumbalalá reclama da falta de diálogo. “Com conversas, poderíamos buscar soluções melhores fora da transposição”. Diferentes protestos foram liderados pelos indígenas sertanejos.
Nova cultura
Alguns problemas são apontados pelo sociólogo como colaterais. Com grandes empreiteiras em atividade na região, o técnico do Centro Luiz Freire Rodrigo Tavares verificou uma migração do jovem agricultor para o trabalho nas empreiteiras responsáveis pelas obras da transposição e de construção da ferrovia transnordestina. “Logo, ele está se afastando da atividade rural e procurando as novas oportunidades nas cidades”, explica.
O movimento é testemunhado por Pedro Fernando dos Santos, educador e militante quilombola da comunidade de Santana. Ele conta que as frentes de trabalho afastaram homens e mulheres das roças de feijão, coentro e cebola. O traçado do canal no eixo Norte também prejudicou a criação de caprinos. “Antes os animais eram criados soltos, mas os canais tornaram as áreas de pastagens inacessíveis”, explica Pedro Fernando dos Santos.
As críticas avançam em novos campos. O engenheiro agrônomo da Fundação Joaquim Nabuco, João Suassuna, aponta para o nível de expectativa dos agricultores do semiárido paraibano, crédulos de que a solução dos problemas da estiagem está no acesso a água puro e simples. Suassuna lembra que a agricultura no semiárido obedece a princípios que serão alterados. As mudanças precisam vir acompanhadas do trabalho de extensão agrícola, que será obrigatória para o sucesso da integração das bacias. Essa medida está prevista no PBA-16, de fornecimento de água e apoio técnico para pequenas atividades de irrigação ao longo dos canais para as comunidades agrícolas.
Recuperação de área degradadas
Nem tudo são críticas. O professor José Alves de Siqueira, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), soube ler na crise a oportunidade de fazer pesquisa de qualidade. Ao tomar conhecimento que seria executado um trabalho de revitalização do Rio São Francisco antes de se iniciar as obras da transposição, apresentou um projeto e conseguiu montar o Centro de Referência para Recuperação de Áreas Degradadas da Caatinga (Crad).
O trabalho do Crad da Caatinga é pioneiro, conseguiu dados inéditos, um acervo de 3 milhões de sementes e conhecimento sobre o único bioma exclusivamente brasileiro. Ainda assim, mesmo trabalhando em apoio a projetos ligados às obras de integração da bacia do São Francisco com outros rios no Nordeste Setentrional, o professor José Alves vê problemas graves. Por exemplo: a cada ação de desmatamento para abertura de um canal, por exemplo, a empreiteira responsável deve executar um Programa de Restauração da Área Degradadas. Nesses programas, José Alves afirma que raras vezes são plantadas vegetação da caatinga e são comuns as gramíneas ou espécies exóticas.
O Ministério da Integração rebate as críticas por atacado ou de forma identificada. A coordenador geral de programas ambientais, Elianeiva de Queiroz Viana Odísio, está no projeto desde janeiro de 2004, e responde pelos PBAs. Ela detalha que alguns programas são executados com parceiros como a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a própria Univasf, e outros são executados por empresas contratadas. Em uma declaração: “Todos os programas estão sendo executados adequadamente de acordo com o objetivo e o cronograma proposto”.
Aspectos como as mudanças que ocorrerão com a forma de plantar do agricultor são rebatidas. O argumento utilizado são os projetos de infraestrutura propostos na obra e os PBAs em execução. Ou mesmo a mudança do perfil do trabalho, que atraiu os jovens para as grandes obras não são considerados. “As obras aumentaram a oferta de emprego e melhoraram as condições de trabalho no meio rural da região. Sendo assim, não haverá o abandono da atividade rural, muito pelo contrário, haverá o crescimento, principalmente quando os canais do São Francisco estiverem em funcionamento”.
O governo federal não está sozinho. Entre as populações de municípios distantes do Rio São Francisco, que terão seus rios perenizados, muitas expectativas. O advogado e jornalista Fernando Valença é entusiasta de primeira ordem e defende a transposição em qualquer fórum. Seus argumentos, no entanto, são os mesmos divulgados pelo Ministério da Integração Nacional. O padre Djaci Brasileiro, de Monteiro, Paraíba, é outro defensor da obra. Ele utiliza como principal ponto a esperança de que a água altere a realidade do semiário paraibano.
Fotografia
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