Ninguém quer falar sobre o assunto. Melhor: o prefeito da candidatíssima Itacuruba, Romero Magalhães (PSB), é um dos poucos que se arrisca a tecer comentários, cautelosos ao extremo. “Esse assunto está acima do nosso conhecimento e, principalmente, precisamos saber se o governo vai querer instalar usinas no Nordeste”, argumenta o prefeito.
Ele, a 1446 quilômetros de distância de Brasília, não ouviu o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, presidente da Eletronuclear, reafirmar que o programa nuclear brasileiro está mantido e o plano é construir até oito usinas até 2030, as primeiras em municípios próximos ao Rio São Francisco.
Acompanhado do presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), Odair Dias Gonçalves, do presidente das Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), Alfredo Trajano Filho, Pinheiro participou nesta quarta-feira (dia 23 de março) de audiência pública da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados que debateu o destino da energia nuclear depois (e durante) o desastre japonês. Cada um, ao seu momento, repetiu que o Brasil não pode descartar a energia nuclear. Segundo o presidente da Eletronuclear ”não existe razão para pensarmos em interromper o programa, ele será robustecido pelas informações novas que temos”. Com relação às novas informações ele referia-se à Fukushima.
Condições diferentes
O presidente da Cnen, Odair Gonçalves, criticou medidas tomadas à luz da precaução que ocorreram em países com tradição nuclear, como a Alemanha, que anunciou planos para desligar sete usinas. Ele classificou a atitude de jogo político. “É possível que o acidente cause consequências, mas é importante termos mais informações”, disse Gonçalves, que considerou inconsistentes os dados disponíveis até agora. “As nossas condições são diferentes das do Japão”.
O coordenador da campanha de energias renováveis do Greenpeace Brasil, Ricardo Baitelo, concorda que são realidades diferentes, mas disse que em alguns pontos o Brasil tem mais problemas, como de transparência e de fiscalização. “Não temos uma estrutura capaz de regulamentar e fiscalizar o setor. Temos problemas de segurança, com relação à rota de evacuação e o plano de emergência. Enfim, há uma série de problemas que fariam com que nosso risco fosse pelo menos igual ou até mesmo maior do que o do Japão”.
Na reunião foram apresentados os planos para o futuro. A construção de Angra 3 está mantida e a prioridade são duas usinas previstas para serem instaladas no Nordeste. Além disso, o planejamento energético até 2030 (curto prazo, para o setor) prevê a construção de quatro a oito usinas, a depender do crescimento econômico do país.
Uma central com várias usinas será construída no Nordeste, adiantou Othon Pinheiro. Ele também disse que outra central será implantada na região Sudeste. No Nordeste, há inclusive vários locais que estão sendo estudados, dentro de critérios rígidos em termos de localização. “Está sendo finalizado um atlas dos locais recomendáveis para construção de centrais nucleares no país”, explicou.
O trabalho será entregue ao Ministério de Minas e Energia. De acordo com Othon Pinheiro, os locais foram selecionados depois da análise de diferentes critérios de eliminação, como a distância de falhas geológicas. O estudo foi realizado em parceria com a pós-graduação e pesquisa em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e com consultores internacionais, como a empresa norte-americana Paul Rizzo Associates.
As opções no Nordeste
São várias as opções adequadas no Nordeste, do ponto de vista da segurança, de acordo com o almirante da Eletronuclear. “Essa decisão é do governo e depois necessitará da aprovação do Congresso, prevista na Constituição”, disse Othon Pinheiro. Ele acredita que o ministério irá decidir pela construção das duas primeiras usinas no Nordeste.
Ao se juntar as declarações do líder da Eletronuclear com uma apresentação, assinada pelo responsável pelo escritório da Eletronuclear no Recife, Carlos Henrique Mariz, Itacuruba, no sertão pernambucano, é destaque.
Na apresentação, alguns critérios necessários são citados, como abundância de água, população, preservação ambiental, movimentos vibratórios, linhas de transmissão e outros, como a motivação política e econômica.
Itacuruba preenche todos os itens: às margens do Rio São Francisco e do Lago da Hidrelétrica de Itaparica, ao lado das linhas de transmissão da Chesf, com uma população de 4 mil habitantes e um prefeito tão PSB quanto o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, presidente nacional do partido e aliado do governo federal com alto cacife político.
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A apresentação só mostra alguns critérios para escolha do melhor endereço para uma instalação nuclear, são mais de 70, explicou Carlos Henrique Mariz. No arquivo, há indicação georeferenciada de dois sítios (um principal e um alternativo), além de uma maquete digital de uma central com seis reatores nucleares. Em seguida, apresenta vários exemplos no mundo de instalações nucleares com quatro ou mais reatores. Entre elas, a de Fukushima.
De toda forma, a cidade ainda não foi escolhida e ainda faltam mais critérios técnicos e a determinante decisão política. Então, o páreo está livre para outros municípios na Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco, em especial os próximos de Itacuruba e de Traipu, em Alagoas. Difícil é encontrar um prefeito que queira falar no calor dos acontecimentos, quentes como os núcleos de um reator.
Romero Magalhães, de Itacuruba, utiliza termos ponderados, e não esconde seu interesse em ter no município um empreendimento de bilhões de reais capaz de atrair desenvolvimento econômico. Ao se abordar outros meios para produção de energia elétrica, o prefeito lembra os 100 quilômetros quadrados de território perdidos para inundação do lago da Usina Hidrelétrica de Itaparica.
Na cidade vizinha, Floresta, a prefeita Rosângela Ferraz (PSB) garante que seu coração fica apertado só em pensar em energia nuclear por perto, mas não advoga contra. “Nem a favor”. Rosângela acredita que os problemas observados no Japão podem servir para aumentar a segurança na construção das novas usinas, mas repete que não quer falar sobre o assunto. “O momento é de paciência”.
A estratégia é a mesma adotada pelo governador Eduardo Campos, que antes do acidente de Fukushima era um franco defensor dos benefícios tecnológicos que o uso da energia nuclear pode significar. Depois dos eventos no Japão, inclui o tema nos discursos em tom tranqüilizador: “Só existem estudos, não há nenhuma previsão orçamentária”. Também procura mudar a direção do debate: “O programa nuclear é muito maior do que a produção de energia, serve para medicina, propicia a cura de doenças como o câncer e até combate pragas da lavoura”.
Em Alagoas, o prefeito de Pão de Açúcar, Jasson Gonçalves (PSDB), considera inútil oferecer sua opinião sobre a instalação de uma usina nuclear no município. Às margens do São Francisco e a 50 quilômetros da Usina Hidrelétrica de Xingó, Pão de Açúcar enquadra-se nos critérios de seleção do estudo feito para a Eletronuclear. Cético quanto à possibilidade de uma usina ser construída na sua cidade, o prefeito prefere mudar de conversa. “Traipu tem mais chances”, fala. O município vizinho também é apontado como candidato a possuir uma usina dentro dos critérios utilizados pelo estudo da melhor região a ter uma central nuclear no Brasil.
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