Transportar material radioativo com segurança requer um grande aparato de proteção para a população, para a carga, o meio ambiente e as estradas. É uma operação complexa e requer planejamento em detalhes. Nem sempre tudo dá certo. Doze contêineres com 178 toneladas de urânio concentrado viajaram por quase 700 quilômetros de estradas baianas e, por fim, tiveram de voltar pelo mesmo caminho.
No dia 12 de julho, as INB (Indústrias Nucleares do Brasil) carregaram a carga em Caetité, Bahia, onde existe uma mina de urânio. As carretas seguiram em direção ao Porto de Salvador para embarque no navio MV Sea Bird. O carregamento seguiria para Hamburgo e o destino final era a usina de Malvési, na França, de acordo com informações da assessoria de comunicação da dona da mina.
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No meio do caminho, foi descoberto que não havia sido cumprido um prazo para a autorização da carga. O Ministério da Ecologia e do Desenvolvimento Sustentável e da Energia da França proibiu o embarque, por não ter sido avisado com antecedência de 15 dias, como determina a legislação. Carretas e contêineres estavam na estrada e seguiram para o quartel da Polícia Militar em Feira de Santana. Como apenas no dia 20 de julho haveria autorização para a carga embarcar para a França, a INB decidiu dar meia volta e as carretas retornaram para a mina, em Caetité.
O transporte de carga radioativa no Brasil ocorre com alguma rotina. A mina em Caetité tem mais de dez anos de atividade. Atualmente extrai cerca de 400 toneladas por ano. Esse urânio é concentrado e segue para ser enriquecido em uma parceria que o país possui com a França. O material enriquecido retorna e segue para Resende, Rio de Janeiro, para depois ser utilizado pelas usinas de Angra 1 e 2 como combustível nuclear para geração de energia elétrica.
Por que desta vez a carga de urânio não foi embarcada para a França? A resposta da INB é que a empresa de transporte contratada, a RSB Logistic, não informou às autoridades francesas 15 dias antes do embarque em Salvador, conforme determina a lei francesa. A INB disse que a transportadora interpretou o prazo de forma diferente do texto legal. A direção das Indústrias Nucleares do Brasil também estuda se penalizará a transportadora. A RSB é uma gigante canadense do setor, com experiência em transporte de material radioativo desde 1985.
Além das 178 toneladas de urânio, está de volta a Caetité o clima de desconfiança com relação às Indústrias Nucleares do Brasil. Sindicato, comissão pastoral de meio ambiente e população têm um histórico de atritos a administração da mina, que hoje tem capacidade para extração de 400 toneladas ao ano. Há planos para duplicá-la.
Entre os alertas que já ocorrem em Caitité, em 2008 o Greenpeace denunciou a contaminação radioativa em amostras de água usada para consumo humano, coletadas em área de influência direta da mineração. Em 2011, a Plataforma Dhesca, que reúne estudiosos de violações dos direitos humanos e é mantida pela ONU, denunciou violação ao meio ambiente saudável e criticou o uso do carimbo “segurança nacional” para manter sob sigilo informações desta operação, de acordo com os pesquisadores que assinaram o relatório.
Em 2011, cerca de 2 mil moradores de Caetité saíram às ruas tarde da noite para impedir que carretas carregadas com 90 toneladas de material radioativo entrassem nas instalações das Indústrias Nucleares do Brasil. A manifestação foi causada por desconfiança de que lixo radioativo seria guardado nas instalações da mina. Descobriu-se, depois, que o material era urânio concentrado cedido pela Marinha para as INB.
A caixa preta da energia nuclear no Brasil
Ibama multa INB por reembalagem de carga radioativa
População em Caetité reclama de urânio
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