No evento “De Chernobyl a Fukushima, a energia nuclear não tem futuro”, realizado na UFRJ, a ex-candidata à presidência da República, Marina Silva, afirmou que o Brasil, diferente de países que admitiram rever seus planos nucleares, como Alemanha, Suíça e Polônia, silenciou-se e minimizou os impactos da catástrofe japonesa.
“O único país que não teve uma atitude de humildade diante do que ocorreu no Japão foi o Brasil. O governo silenciou-se e teve uma atitude arrogante a ponto de algumas autoridades dizerem que houve um incidente no Japão e não um acidente. E por que essa postura? Porque temos alguns dogmas que não podem ser questionados aqui em relação à energia nuclear”, ressaltou Marina, acrescentando que “existe falta de transparência, não há acesso as informações e não temos conhecimento dos riscos que estamos correndo”.
Contaminação na Bahia?
“Descobrimos que poços de água usados pela população local estavam contaminados por radiação. E quando não há contaminação, há escassez devido ao uso intensivo de água para as atividades da mina, que inviabiliza a atividade agrícola, principal fonte de renda da população local”, revela Marijane, autora do relatório sobre Caetité, que será concluído no fim de maio e entregue às autoridades públicas. Segundo ela, a situação na Bahia é “calamitosa” em relação ao acesso à informação. “A população ouve boatos, escuta explosões, mas nunca tem acesso a informação, pois as autoridades sempre afirmam que nada ocorreu”. (O relatório sobre Caetité poderá ser acessado publicamente pelo site www.dhescbrasil.org.br)
Na região não há hospitais e nenhuma unidade especializada em oncologia. Existem relatos médicos de aumento de casos de câncer em jovens, principalmente de estômago e intestino, mas como nunca houve a preocupação com tais pesquisas, há dificuldade em comparar e comprovar historicamente os efeitos nocivos da atividade da mina de urânio na região. As pessoas que adoecem são tratadas fora e muitas vezes falecem sem comprovação da causa.
Essa falta de transparência que vem desde a extração do combustível nuclear, o urânio, origina-se no governo militar e permanece até os dias de hoje, como apontam os especialistas. Assim como em países não democráticos, como o Irã e o Paquistão, o mesmo órgão que opera e fomenta a energia nuclear é o responsável pela fiscalização das atividades do setor. Isto é, a Comissão Nacional de Energia Nuclear, subordinada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, acumula funções de fiscalização e operação e é proprietária de 99,7% das Indústrias Nucleares do Brasil. Esse fato demonstra que o Estado brasileiro descumpre a Convenção Internacional de Segurança Nuclear, do qual é signatário, que exige a total separação entre as funções de regulação e operação das atividades nucleares.
“Essa incompatibilidade de atribuições já soma 35 anos. A primeira crítica a esse fato se deu na Sociedade Brasileira de Física em 1977 que já pedia um órgão fiscalizador independente, mas até hoje a situação permanece a mesma”, recorda Rogério Gomes, presidente da Associação dos Fiscais de Radioproteção e Segurança Nuclear.
Plebiscito
Contraditoriamente, o Brasil, país com maior potencial mundial para geração de energia a partir de fontes renováveis, insiste em investir na geração nuclear, que vem sendo repensada mesmo por países mais dependentes dessa fonte, como a Alemanha. Após Fukushima, a primeira ministra alemã, Angela Merkel, que defendia a ampliação da utilização da energia nuclear, determinou o fechamento das sete usinas nucleares mais antigas e a moratória à lei de prolongamento da vida útil das usinas atuais. Ela declarou que a catástrofe do Japão tem “medidas apocalípticas” e cujas conseqüências são imprevisíveis.
“No Brasil nós temos recursos energéticos provenientes das energias de fluxo (do sol, da água e do vento) capaz de garantir o dobro do consumo per capita de energia do país. Hoje consumimos em média 2.500 kw/hora por ano per capita no país. Na Itália e na Espanha, por exemplo esse número chega a 5.000 kw/h. Se nós apropriássemos grande parte do potencial hidráulico e eólico, chegaríamos a algo como 8.000 kw/h per capita no Brasil”, informa Ildo Sauer, professor do Instituto de Eletrotécnica da USP e ex-diretor executivo da Petrobras.
Sauer, que é mestre em energia nuclear, defende inclusive a paralisação das obras de Angra 3, enfatizando que o montante ainda a ser investido na construção, equivale ao dobro do necessário caso os recursos fossem destinados a geração de energia a partir de outras fontes renováveis. “Sem falar que outras fontes não exigem o risco de operar um reator nuclear e não deixam a herança de mil toneladas de elementos combustíveis irradiados ao longo de sua vida, que é o previsto para Angra 3”, critica, acrescentando que em lugar nenhum do mundo o problema dos rejeitos radioativos foi solucionado.“A escolha brasileira pela energia nuclear não se explica por política energética, por política científica ou tecnológica. Talvez a única explicação possa ser dada pelo lobinho, pelo lobby e pelo lobão”, ironizou.
Nos próximos anos, mais reatores serão desativados do que construídos em todo o mundo, segundo Dawid Bertelt, diretor da Fundação Heinrich Boll (do Partido Verde alemão) no Brasil, que defende o fim do programa nuclear brasileiro. “Energia nuclear é a forma de energia mais política existente e a que interessa mais ao complexo industrial militar. Hoje é cada vez mais cara a construção de usinas nucleares e é praticamente impossível construir uma usina sem subsídios públicos. Mas, é totalmente possível substituir a energia nuclear por fontes mais seguras e baratas, sobretudo no Brasil”, afirmou Dawid.
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