O Sumário Executivo do Relatório apresenta uma avaliação sobre os aspectos científicos, tecnológicos, ambientais, econômicos e sociais da contribuição que as fontes de energias renováveis têm na mitigação das alterações do clima. “O relatório destaca que as fontes renováveis são as que têm maior potencial e melhor custo para lidar com as mudanças climáticas. Isso porque não há limitações técnicas ou escassez de potencial no mundo, mas apenas uma série de barreiras políticas e econômicas que precisam ser modificadas para que se invista mais nas energias limpas”, declara Roberto Schaeffer, coordenador do capítulo sobre Potencial de Mitigação e Custos do relatório do IPCC e professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Dentre as principais características que relacionam as energias renováveis e o clima está o potencial de redução da emissão de dióxido de carbono (CO2) que as fontes limpas podem proporcionar: é possível reduzir entre 220 Gt (gigatoneladas) e 560 Gt, entre 2010 e 2050, utilizando essas energias. Ou seja, o crescimento da participação das renováveis no mundo podem levar a uma estabilização das emissões de gases de efeito estufa na faixa de 450 ppm (partes por milhão), limite previsto pelos cientistas como seguro, além do qual as mudanças do clima se tornam catastróficas e irreversíveis.
Panorama mundial
Mesmo com as barreiras políticas e econômicas ainda existentes, o quadro mundial das energias renováveis e sua possibilidade de expansão são vistos com otimismo pelos pesquisadores. Conforme Schaeffer, a tendência é de grande crescimento das renováveis, à medida em que se vão reduzindo as barreiras e obtendo conhecimento, pesquisa e desenvolvimento de tecnologia na área. “Se atualmente, com poucos incentivos, já contamos com quase 13% de energias renováveis no suprimento de energia primária do mundo, é possível projetar que esse número venha a crescer nos próximos anos”, afirma. [Ver Gráfico 1]
No cenário mais otimista, analisado pelo IPCC, as renováveis aparecem como fornecedoras de 77% das necessidades globais de energias primárias, ou seja contribuindo com 314 dos 407 exajoules consumidos. Embora a produção mundial de energia ainda esteja longe de alcançar esse número, um aumento da participação das fontes limpas já é percebido: dados do relatório mostram que, entre 2008 e 2009, dos 300 gigawatts (GW) de novas fontes de geração de energia disponíveis no mundo, 140 GW provinham de renováveis, como a eólica e solar.
“Além da questão da preocupação ambiental, o aumento da demanda por energia tem incentivado o crescimento das renováveis no mundo, isso tudo aliado a questão da segurança energética, pois ninguém quer ficar refém de um tipo de energia que não é segura. Assim, percebe-se um movimento mundial muito significativo de investimento na área, como por exemplo na China e nos Estados Unidos”, explica Suzana Ribeiro, uma das vice-presidentes do Grupo de Trabalho do IPCC que produziu o relatório e professora do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ.
Nesse cenário de crescimento, entretanto, não aparece a predominância de uma renovável sobre a outra, apenas um quadro de tendências. Das seis fontes analisadas (eólica, solar, biomassa, geotérmica, energias dos oceanos e hidrelétrica), estima-se que até 2050, as três primeiras sejam as que mais aumentem a sua contribuição global. Schaeffer justifica a estimativa explicando que “a biomassa, através dos biocombustíveis, a energia eólica e a solar são as que terão as maiores taxas de penetração mundial, pelas reduções de custos e ganhos de escala que já se observam” [Ver Gráfico 2]. Além disso, acrescenta, “a geotérmica tem um nicho de mercado particular, que no Brasil não é propício; as hidrelétricas têm limitações de espaços para crescer, já saturado em alguns lugares, e a energia dos oceanos ainda está no estágio mais embrionário, é uma tecnologia muito nova para chegar a se tornar mais importante em 40 anos”.
Panorama brasileiro
É possível observar uma tendência de crescimento, no mesmo sentido, quando se avalia o cenário brasileiro. Dados do relatório Revolução Energética do Greenpeace, também considerados pelo estudo do IPCC, indicam o aumento das mesmas três fontes renováveis no país até 2050. “A eólica, a solar e a biomassa, nessa ordem, são as que mais tendem a se desenvolver aqui, principalmente pelo caráter descentralizado dessas fontes, com capacidade de geração de energia em várias partes do Brasil”, declara o coordenador da Campanha de Energias Renováveis do Greenpeace, Ricardo Baitelo.
Mesmo com o aumento dessas outras fontes, Baitelo afirma que a hidrelétrica continuaria sendo a mais significativa na matriz energética brasileira, mas não pelo seu crescimento, e sim pela quantidade de usinas que já existem e as possibilidades de aumentar os seus potenciais.
Entre as limitações do desenvolvimento mais significativo de renováveis no país, conforme Schaeffer, está “o modelo de expansão da energia em forma de leilão. Assim, leva o dinheiro aquele empresário que oferecer a melhor tarifa, é uma lógica de mercado. Aí não se pensa tanto no meio ambiente, só no valor econômico. Se pensarmos a questão dos impactos ambientais em primeiro lugar, as renováveis que menos agridem, como a eólica e a solar, já seriam mais importantes e bastante incentivadas”.
Em relação ao panorama ainda limitado das energias dos oceanos, Segen Estefen, coordenador do capítulo que tratou desse tema no estudo do IPCC e diretor de Inovação da Coppe/UFRJ, garante que um dos problemas é o fato de haver uma cultura nacional de só utilizar determinada tecnologia quando ela ja está implantada no exterior. “O Brasil ainda parece ficar inibido na área tecnológica, ainda não valoriza o que é inovador. Mas tenho esperança no desenvolvimento que teremos com relação às tecnologias para aproveitamento da energia dos oceanos, já que todos os outros países ainda estão numa fase pré-comercial também”, avisa.
Estefen lembra, ainda, que quando se fala em energias dos oceanos se trata de diversas fontes limpas, que vão desde a energia das ondas, das marés, das correntes marítimas, até os gradientes de temperatura e de salinidade. Nesse aspecto, o Brasil estaria na frente de muitos outros países, já que tem um potencial para explorar qualquer uma dessas fontes.
“Se pensarmos em termos de ondas e de marés no país, temos aproximadamente uma potência de 15 GW, ou seja, uma capacidade maior que a da Usina Hidrelétrica de Itaupu. As energias dos oceanos mostram-se como uma oportunidade excepcional para o Brasil, pois além da potencialidade, já temos uma cultura de exploração econômica do mar, que vem das pesquisas na área do petróleo e gás”, enfatiza Estefen. Para o pesquisador, essas tecnologias existentes podem ser facilmente usadas para implementar as novas tecnologias de exploração de energias do mar. “Esse é o diferencial do país para atuar com sucesso na área. É preciso que nós possamos agir agora de forma estruturada para ter liderança no setor, antes que fique comercial e não consigamos mais nos estabelecer. É o grande desafio brasileiro”, conclui.
Outro desafio a ser enfrentado pelo país está relacionado à biomassa, mais precisamente à questão do etanol. Embora o biocomsbutível tenha aparecido como um grande exemplo em todas as análises do relatório, a produção brasileira não será suficiente para criar um mercado internacional efetivo. “Precisamos da participação de outros países na produção, pois o mundo não deverá apostar num biocombustível que é produzido em poucos lugares”, afirma Suzana.
Além disso, há problemas com a falta de fiscalização e controle do Governo Federal e seus órgãos no que diz respeito às usinas canavieiras. Pelo seu caráter de monocultura, a plantação de cana-de-açúcar tende a ocupar grandes áreas agrícolas – incentivando o desmatamento e contribuindo para degradação da Amazônia e Cerrado – bem como a utilizar mão-de-obra barata, praticamente escrava. Com intuito de melhor regular essas questões o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento lançou, em 2009, o Zoneamento Agroecológico da Cana-de-Açúcar.
Contudo, Suzana afirma que o Relatório Especial só levou em conta o uso sustentável da biomassa, ou seja, aquele que aproveita resíduos agrícolas e urbanos e culturas dedicadas à produção de bioenergia e biocombustíveis, cujas práticas não desgastem o solo nem promovam o desmatamento. “Nesse panorama analisado, a biomassa tem capacidade de se destacar perante as outras, pois ela serve para gerar eletricidade, mas também para biocombustível, produção de bioplásticos etc. Soma-se a isso o fato de ela não ter o risco de ser intermitente, como as outras, por isso é muito promissora”, finaliza.[Ver Gráfico 3]
Perspectivas no Cone Sul
Além do Brasil, outros países do Cone Sul estão correndo para ampliar a participação de renováveis na sua matriz energética. Um bom exemplo é o Uruguai, cuja política energética foi apresentada no ERACS – Fórum e Exposição Energias Renováveis e Alternativas no Cone Sul, que aconteceu entre os dias 11 e 13 de maio em Porto Alegre/RS. Na ocasião Ramón Méndez, da Secretaria de Energia, apresentou algumas metas do país vizinho. A intenção deles é chegar a 50% da matriz energética proviniente de fontes renováveis até 2015, principalmente investindo em energia eólica e diminuindo a sua dependência da importação de petróleo. O desafio é partir de 0 MW (megawatts) de energia do vento, ou seja, nenhuma produção em 2007, para 500 MW em 2015. “Nossa meta é alta, mas baseada em estudos e medições. Percebemos que o Uruguai tem muito mais potencial de produção de energia do que precisa”, afirma Méndez. |
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