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Geoengenharia projeta soluções arriscadas para clima

A ideia é neutralizar o aquecimento global através de mecanismos artificiais de controle da incidência de radiação solar sobre a superfície terrestre e de sequestro do CO2.

Mateus Marcel Netzel ·
10 de junho de 2011 · 14 anos atrás
Fracassos nas negociações do acordo de redução das emissões de gases estufa nas duas últimas Conferências das Partes – COP 15 e 16 – levaram ao desenvolvimento de uma série de estudos financiados pela iniciativa privada sobre os impactos da aplicação de técnicas de geoengenharia.

Uma das formas pensadas para a injeção de aerossóis na estratosfera, o que ajudaria a refletir a radiação solar.
Uma das formas pensadas para a injeção de aerossóis na estratosfera, o que ajudaria a refletir a radiação solar.
“A proposta dessas técnicas é evitar um aquecimento de 5 a 6 graus centígrados na temperatura média global, que destruiria a maior parte dos ecossistemas terrestres e teria implicações refletidas nos próximos 10 mil anos”, explica Paulo Artaxo, membro do IPCC – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – órgão estabelecido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente para fornecer informações científicas e técnicas relevantes para entender as mudanças climáticas globais.

A ideia da geoengenharia é neutralizar o aquecimento global através de mecanismos artificiais de controle da incidência de radiação solar sobre a superfície terrestre e de sequestro do CO2 atmosférico, retido por plantas, terrestres e aquáticas, e em formações geológicas profundas. Porém cada um dos mecanismos possui pontos fracos bastante relevantes: bloquear a luz solar seria eficiente para resfriar o planeta, mas não resolveria os problemas colaterais da alta concentração de gases estufa na atmosfera, como a acidificação dos oceanos. Já a retenção do carbono esbarra na inviabilidade econômica, no caso dos reservatórios geológicos, e no atentado à biodiversidade provocado por algumas das técnicas propostas, como a fertilização dos oceanos.

Projetos de embarcações que injetariam vapor d’água na estratosfera.
Projetos de embarcações que injetariam vapor d’água na estratosfera.
Os impactos são extensos, atuando principalmente sobre o ciclo hidrológico, no balanço de radiação e no índice de absorção de carbono pelas grandes florestas. No entanto, a ciência ainda não é capaz de prever com exatidão o tamanho dos efeitos da aplicação dessas técnicas. O sistema climático global é composto por um quadro muito grande de fatores conectados entre si e, segundo Artaxo, a ciência conhece muito pouco de cada um desses processos para poder compreender o clima global como um todo. Justamente por essa interdependência de fatores, as técnicas de geoengenharia podem provocar uma série de eventos catastróficos à natureza. “Cada uma dessas estratégias tem efeitos colaterais extremamente graves e importantes. Em algumas, o remédio é mais perigoso que a própria doença”, explica o pesquisador.

Tecnologia Vantagens Desvantagens
Injeção de aerossóis na estratosfera Aumento da absorção de radiação solar antes da superfície terrestre Aumento da concentração de gases estufa
Espelhos refletores na órbita terrestre Diminuição da incidência da radiação solar sobre a superfície terrestre Alto custo e não interfere na quantidade de gases estufa
Injeção de vapor d’água na estratosfera Aumento da quantidade de nuvens e diminuição da incidência de radiação solar sobre a superfície terrestre Desequilíbrio do ciclo hidrológio global
Retenção de CO2 em reservas geológicas profundas Diminuição da concentração de gases estufa na atmosfera Alto custo e tecnologia em desenvolvimento
Fertilização dos oceanos Aumento do número de algas e da absorção de carbono Destruição da biodiversidade e dos ecossistemas marinhos
Reflorestamento de grandes áreas Aumento na absorção do carbono atmosférico Ocupação de terras agricultáveis

O Brasil nesse cenário seria um dos países mais afetados. Um estudo realizado no Laboratório Nacional Lawrence Livermore (EUA), conduzido pelo cientista especializado em mudanças climáticas Govindasamy Bala, indicou que a diminuição na incidência de raios solares resultaria num ciclo hidrológico menos intenso. Essa mudança afetaria diretamente zonas tropicais, como a Amazônia e o cerrado, provocando secas que destruiriam boa parte da biodiversidade local.

Paulo Artaxo em conferência para o Projeto Repórter do Futuro.
Paulo Artaxo em conferência para o Projeto Repórter do Futuro.
Além de ser incapaz de precisar o impacto da sua aplicação, a geoengenharia é bastante questionada por seu caráter global. Uma vez que seus efeitos não podem ser restringidos a locais específicos, a decisão de implantação das técnicas precisaria decorrer de um consenso mundial e certamente provocaria conflitos entre as grandes nações do mundo. Outro aspecto que causa o temor dos especialistas é a necessidade de manutenção ininterrupta dos mecanismos adotados, já que qualquer paralisação provocaria um aumento abrupto de temperatura, muito mais desastroso para os ecossistemas do que o aquecimento gradual.

Vários estudos estão sendo desenvolvidos no intuito de esclarecer as consequências de uma mudança climática artificial de âmbito global. Entretanto, os especialistas concordam em afirmar que ainda é muito cedo para assegurar a eficácia dos métodos de geoengenharia e garantir que seus efeitos sejam controlados e não provoquem desastres ambientais. “Por enquanto, nós não temos outra alternativa senão reduzir fortemente as emissões de gases estufa”, conclui Paulo Artaxo.

*Mateus Marcel Netzel é estudante de jornalismo e participa do projeto Repórter do Futuro, do Instituto Oboré.

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