Fazia muito frio no último sábado às margens do rio Vermelho, na cidade de Goiás, durante o show do músico Manu Chao e sua banda, que embalou quase 30 mil pessoas. A apresentação foi parte da programação cultural do XIII Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental – FICA. Enquanto as pessoas curtiam as músicas que falavam, entre outras coisas, de temas relacionados às mudanças climáticas, um pequeno batalhão de catadores de material reciclável se preparava para entrar em cena logo depois da dispersão do público.
Esse grupo faz parte do projeto FICA Limpo, uma iniciativa que começou a ser colocada em prática este ano e que integra uma série de ações que pretendem tornar um dos mais importantes festivais de cinema ambiental do mundo em um evento mais verde.
O FICA é o único festival de cinema ambiental que assumiu em suas premissas desenvolver um projeto sustentável. São três os princípios básicos do FICA a partir de agora: capacitar a comunidade com base em anseios locais relacionados às questões ambientais; discutir e sugerir políticas públicas e reduzir seus impactos. É neste último item que se encaixa a ação do Fica Limpo.
A organização do evento fez uma parceria com a Associação de Reciclagem UNI-PET, que emprega catadores locais em uma ação de coleta, separação e comercialização dos resíduos. Nas ruas da cidade de Goiás, via-se pouco lixo. Havia lixeiras e a expectativa de que a população as usasse massivamente. Para isso, o consultor Emiliano Godoi, responsável pela vertente ambiental do festival, teve de vencer a timidez e falar para o público do show da cantora Maria Rita, na sexta-feira, que colaborasse com a limpeza.
Comunidade
Doutor em Conservação de Recursos Naturais e professor da Universidade Estadual de Goiás, Godoi está empenhado em tornar o FICA um evento sustentável. “Queremos reduzir a produção dos resíduos sólidos, o consumo de energia e selecionar prestadores de serviço a partir de critérios de sustentabilidade”, avisa. As intenções incluem também o envolvimento cada vez maior da comunidade nos assuntos ambientais.
Este ano, o FICA já usou geradores mais econômicos para reduzir a pegada climática do festival. A impressão de material de divulgação foi mais econômica. A prioridade foi a divulgação eletrônica. Os cartazes com a programação substituíram os flyers. Com isso, o festival economizou quase 30 por cento de papel e tinta em relação ao ano passado, gerando menos lixo.
Dos 1200 inscritos nas oficinas gratuitas do evento, 173 eram assentados da reforma agrária que participaram de cursos como o de recuperação de nascentes ou o de aproveitamento de frutos do Cerrado e gestão de resíduos em pequenas comunidades, todos sugeridos pela comunidade.
Um Fórum Ambiental iniciado este ano no festival trouxe à tona algumas demandas importantes para o município. Localizada em uma Área de Proteção Permanente (APP), a cidade de Goiás já foi vítima de duas grandes inundações. A maior delas, em 2001, pôs abaixo boa parte do patrimônio histórico – um dos mais bem preservados do país – e reconhecido pela Unesco como um bem da humanidade.
“O município precisa pensar em como se adaptar no caso de chuvas mais fortes se tornarem frequentes, ameaçando a segurança da população”, alerta Godoi. O Fórum realizado durante o FICA também discutiu a conservação dos recursos hídricos da bacia amazônica – onde se insere a região. As conclusões do Fórum serão encaminhadas ao governo.
Demorou
Pode até ser que tenha demorado muito para que a organização do festival colocasse os pés no chão no que diz respeito à temática de que trata o evento. O FICA já existe há 13 anos e só agora dá os primeiros passos rumo à sustentabilidade. Mas se continuar nessa toada, pode representar um ganho muito importante para o município. O prefeito de Goiás, Marcos Caiado, admite que o maior nó na gestão ambiental do município é o problema do lixo. “O aterro local serve a outros municípios e precisa ser adaptado ambientalmente para o aumento de capacidade”, disse ele. Poderia ter aproveitado a presença do governador do estado Marconi Perillo na festa de premiação do FICA para fazer seu lobby, mas cochilou.
De qualquer forma, se o FICA continuar a chamar a atenção pelo menos para as questões ambientais locais poderá gerar impactos muito positivos para a região. A começar do bom exemplo. Como diz o lema do professor Emiliano Godoi, repetido várias vezes durante este festival: É agir localmente e pensar globalmente.
Júri do XIII FICA premia Bicicletas de Nhanderu, sobre os índios Guarani. Público prefere Lixo Extraordinário
Foi o público quem quis. O melhor filme segundo o júri popular do XIII Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Goiás – FICA foi Lixo Extraordinário, de Lucy Walker. O filme mostra o trabalho do artista plástico Vik Muniz com um grupo de catadores no maior aterro sanitário do mundo, localizado no Jardim Gramacho, Rio de Janeiro. A partir de fotografias de um grupo de catadores selecionados previamente, Muniz dá um zoom no cotidiano de quem faz do lixo seu jeito de ganhar a vida. O filme mostra a evolução do trabalho do artista e do modo como os catadores vão mudando suas percepções sobre si mesmos e a realidade que os envolve. É um filme profundo e multifacetado. Pode estar em mostras de cinema sobre arte, a sociedade, cultura, meio ambiente. A empatia com o público foi total. É impossível não se emocionar com esse trabalho.
O júri oficial, porém, sagrou como o grande vencedor do XIII Fica um documentário em vídeo Bicicletas de Nhanderu, de Ariel Ortega e Patrícia Ferreira. O roteiro foi do Coletivo Mbyá- Guarani de Cinema e traz o olhar dos próprios índios sobre seu cotidiano na aldeia Koenju, em São Miguel das Missões (RS). Fala da espiritualidade do povo Guarani. Ou do que restou de suas tradições religiosas.
Ganhou prêmio também “Os Guerreiros do Arco-iris da Ilha de Waiheke”, de Suzanne Raes, uma produção holandesa que conta a saga do Rainbow Warrior – o lendário barco usado nos primórdios do movimento do Greenpeace – e os primeiros líderes da organização, hoje aposentados.
O melhor média-metragem foi “O Desejo da Vila de Changhu”, de Xia Chenan, um documentário chinês .produção chinesa. O melhor curta metragem foi o filme Pólis, de Marcos Pimentel, de Minas Gerais.
Duas produções goianas também foram escolhidas pelo júri: “Tamanduá bandeira”, de Ricardo de Podestá e Teia do Cerrado, de Uliana Duarte. Ambos com temas focados no Cerrado.
A melhor Série Ambiental para TV foi Consciente Coletivo, de Lúcia Araújo e Pedro Ivá. Os jornalistas credenciados no FICA escolheram como melhor filme desta edição, “pela qualidade dramatúrgica e amplitude da visão da questão ambiental”, o media-metragem A Terra da Lua Partida, de Marcos Negrão e André Rangel, do Rio de Janeiro, sobre uma tribo nômade dos Himalaias que sobre os efeitos das mudanças climáticas em seu modo de vida.
A Associação Brasileira de Documentaristas – Seção Goiás distribui ainda prêmios em 12 categorias. Entre os premiados: Diga 33, de Ângelo Lima recebeu o prêmio de melhor documentário; “Verde Maduro”, de Simone Caetano foi escolhido melhor ficção e “O Ogro”, de Marcio Jr. e Márcia Deretti levou o prêmio ABD na categoria melhor direção. |
* Enviado especial ao XIII FICA
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