Reportagens

A Árvores Vivas quer reconectar a pauliceia com seu verde

Organização promove a reconexão com a vegetação urbana.  Leia entrevista com sua fundadora, Juliana Gatti Pereira, apaixonada por árvores.

Karina Miotto ·
21 de setembro de 2012 · 12 anos atrás
Juliana Gatti Pereira, fundadora do Árvores Vivas. Foto: Coleção pessoal
Juliana Gatti Pereira, fundadora do Árvores Vivas. Foto: Coleção pessoal

Em uma megalópole como São Paulo, onde a correria do dia a dia parece dominar a vida de uma maioria esmagadora, sobra pouco tempo para apreciar a vegetação urbana. Na contramão deste movimento cada vez mais cinza e acelerado nasceu a organização Árvores Vivas que, desde 2006, dedica-se a promover a reconexão de quem vive na cidade com a natureza que é parte dela. Mais de 8 mil pessoas já participaram de atividades como vivências de sensibilização e vegetação urbana, observação de aves, visitas a regiões de nascentes com direito a seguir o curso dos rios, oficinas artísticas, piquenique de troca de sementes e mudas das estações.

A ideia do Árvores Vivas veio de Juliana Gatti Pereira, uma jovem paulistana que abriu mão do emprego promissor para literalmente viver à serviço desta tão necessária reconexão entre o bicho homem e a natureza que o cerca.

“O Árvores Vivas atua em mais de 12 cidades do Estado de São Paulo, além da capital. Por meio de uma parceria com a Rede SESC SP, mais de 150 espécies já foram mapeadas e identificadas para a realização de roteiros urbanos”, conta Juliana. Além disso, desenvolve exposições itinerantes de fotografia e até organiza eventos, como o Festival Cultivar que, neste ano, está em sua terceira edição com atividades até o dia 23.  Para se manter, a organização presta consultoria sobre plantios, vende sementes e mudas e realiza os chamados “Passeios Verdes”, em parceria com empresas e instituições.
 
Acompanhe a conversa que ((o))eco teve com a idealizadora desta pequena (porém gigante) revolução urbana.
 
((o))eco – Como nasceu o Árvores Vivas?

Juliana Gatti Pereira – Em 2006 aceitei uma oportunidade para trabalhar no IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológias, da USP). Um dia, caminhando após o almoço pelo bosque, comecei a notar as árvores de uma maneira diferente, elas não eram mais um tronco marrom com copa verde. Ganharam desenhos diversos de folhas, tons de verde infinitos, texturas de cascas, frutos, sementes, flores e folhas no chão. Uma lente foi trocada no meu olhar e no meu sentir.
 
Eu estava a um passo de uma vida financeira estável, mas a vontade de começar a atuar junto às árvores foi tão forte que deixei o trabalho. Resolvi sair do IPT em janeiro de 2007 para me dedicar ao nascimento do Árvores Vivas.
 

Crianças urbanas também gostam de árvores. Foto: Divulgação
Crianças urbanas também gostam de árvores. Foto: Divulgação

Por que você se dedica a aproximar as pessoas das árvores?

Quando comecei a perceber a alegria e impacto na minha vida ao reconhecer as árvores da cidade, apreciá-las e poder ter um dia a dia mais belo, senti a necessidade de compartilhar com todos. Quanto mais pessoas puderem vivenciar essas coisas, mais perto estaremos de uma mudança efetiva nas relações com as árvores do centro urbano e também das florestas mais distantes e, finalmente, entre as próprias pessoas.
 
Por que precisamos de árvores nas cidades?

A presença das árvores e da vegetação no planeta antecede a nossa. Por isso, encontramos as condições climáticas adequadas para nossa existência. Em uma cidade, as árvores cumprem funções importantíssimas como retenção de água das chuvas nas copas, fazendo com que leve mais tempo para atingir o solo, minimização do ruído e da poluição sonora. Também mantêm a umidade e a qualidade do ar que respiramos, suportam a avifauna, nos dão sombreamento natural e fornecem frutos e subprodutos.
 
Como escolhê-las?

Hoje, sabe-se que é mais adequado promover a arborização das cidades com as árvores nativas dos biomas originais de cada lugar. Verificar a disponibilidade de permeabilidade do solo, existência ou não de fiação aérea e redes de serviços subterrâneas ajudam a definir as espécies com raízes e altura mais adequadas. Pequenas atitudes permitem que árvores cresçam até a fase adulta sem ter que passar por podas drásticas de copa e raiz.
 

No Passeio Verde, paulistanos abrem os olhos para curtir a natureza da megalópole. Foto: Divulgação
No Passeio Verde, paulistanos abrem os olhos para curtir a natureza da megalópole. Foto: Divulgação

As pessoas querem mais ou menos árvores?

Sinto que nossa população passa por um despertar, as pessoas sentem que precisam de mais árvores. Porém, há os que não compreendem as árvores e plantas como seres vivos e as tratam como postes nas calçadas. Falta a percepção de que elas cumprem funções fisiológicas similares às nossas. Precisam de água, alimento, de respirar e reproduzir. Não somos tão diferentes assim.
 
Como levar as pessoas a cuidarem melhor de árvores?

Uma árvore não precisa de muitos cuidados. O momento de maior atenção são os 3 primeiros anos após o transplante para o local definitivo da muda. Nesta etapa é necessário aguar nas épocas de seca, adubar cerca de 3 vezes ao ano e conduzir o desenvolvimento da copa para manter o fluxo do pedestre livre nas calçadas. É necessário garantir uma área de ao menos 1m² de permeabilidade de solo para que a árvore receba água e nutrientes e, assim, possa desenvolver suas raízes de maneira equilibrada e saudável.
 
Quais são as queixas que as pessoas fazem da arborização urbana?

Os obstáculos passam desde a deficiência de calçadas planejadas, inexistência de políticas públicas que beneficiem e estimulem o plantio, até a preferência por ter uma calçada livre de árvores, para evitar burocracias num possível pedido futuro de remoção, caso o dono opte por fazer uma garagem no local.
 

Um largo e empolgado abraço. Foto: Renata Albuquerque
Um largo e empolgado abraço. Foto: Renata Albuquerque

Qual é o impacto do Árvore Viva?

Após a vivência em nossas atividades muitos relatam ter mudado intensamente a forma de olhar as árvores, vegetação e natureza nas cidades. Antes dessa experiência, passava despercebida a riqueza disponível nos caminhos do dia a dia. Depois de um passeio verde, as pessoas amenizam suas aflições com a vegetação como quando “sujam” as ruas, raízes estouram as calçadas e folhas e flores entopem calhas. 
 
O que você sente pelas árvores?

Minha relação com as árvores vem da infância. Sinto empatia, sofro quando são podadas, depredadas, suprimidas, sufocadas com o concreto, tratadas como poste. Do outro lado, sei que elas portam uma sabedoria superior à nossa. Elas sabem que não sabemos o que estamos fazendo. Continuam plenas em seu ser, em sua doação, em seu serviço e tempo. Sabem como e quando devem se desenvolver de maneira mais equilibrada e sustentada. São plenas em si, sem julgar ou comparar. Buscam soluções e caminhos dentro de sua própria essência e existência.
 
Poderia compartilhar conosco um  momento especial?

Gosto muito de abrir frutos. É como acessar as sementes, os descendentes da espécie. É reconectar-se com a essência. Percebo que quando entro em sintonia com uma árvore, passo a percebê-la e encontrá-la em diversos momentos e locais. Certa vez, estava mais do que apaixonada pelo ipê-verde-do-cerrado e, de repente, encontro ele em ao menos três lugares de São Paulo. Quando viajo para o interior sou presenteada espontaneamente com seus frutos e muda. É algo inexplicável e mágico.

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