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‘A Suzano está acima do governo federal, estadual e municipais da Bahia?’

Quilombolas denunciam novamente obras irregulares em seu território. MPF exige suspensão das licenças emitidas pelo Inema e Prefeitura de Nova Viçosa e respeito à OIT 169

Fernanda Couzemenco ·
18 de abril de 2024

As irregularidades cometidas pela Suzano Papel e Celulose no extremo-sul da Bahia não param, com aval dos órgãos ambientais estadual e municipais. É o que se constata a partir dos relatos das comunidades quilombolas da região e das seguidas ações impetradas pelo Ministério Público Federal (MPF/BA). A mais recente a ser divulgada pelo órgão e as comunidades refere-se à insistência dos danos socioambientais provocados pela abertura de estradas dentro do território quilombola de sete comunidades localizadas nos municípios de Caravelas e Nova Viçosa.

Na Ação Civil Pública nº 1002223-53.2024.4.01.3313, integrante do Inquérito Civil n° 1.14.013.000006/2023-91, o procurador da República Marco André Carneiro Silva pede a suspensão da licença ambiental expedida pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), bem como as licenças emitidas pela Prefeitura de Nova Viçosa, para as reforma de ponte, construção de túnel e abertura de estradas para tráfego de hexatrens.

As obras geram impactos negativos às comunidades tradicionais de Volta Miúda, Helvécia, Rio do Sul, Cândido Mariano, Vila Juazeiro, Naiá e Mutum, afirma o MPF, citando a morte de um ciclista, esmagado por toras de eucalipto caídas de uma carreta da Suzano dentro do território quilombola, como um exemplo recente da gravidade da situação.

Entre os pedidos, está a paralisação do tráfego de hexatrens e caminhões pesados nas estradas de uso dos quilombolas, bem como das obras de abertura, reforma e alargamento das estradas. Pede também que a empresa não realize novas obras de infraestrutura sem que haja a consulta prévia, livre e informada das comunidades, nos moldes da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). À Justiça Federal, o MPF pede que declare nulos a licença e o pedido de renovação feito pela Suzano e, ao Inema e ao Município de Nova Viçosa, que não emitam novas licenças ambientais sem o consentimento dos quilombolas.

Há ainda o pedido de uma indenização no valor de R$ 10 milhões em favor das comunidades quilombolas de Helvécia, Rio do Sul, Cândido Mariano, Volta Miúda, Naiá, Mutum e Vila Juazeiro, como forma de reparação por danos morais coletivos, a ser paga pela Suzano, o Inema e o Município de Nova Viçosa, com multa no mesmo valor em caso de não pagamento.

Acima da lei?

O caso também foi denunciado em live realizada no início de abril pela ONG Global Justice Ecology Project, onde o presidente da Associação Quilombola de Volta Miúda Caravelas (APRVM) e da Cooperativa Quilombola do Extremo Sul da Bahia (Coopqes), Célio Leocádio, expõe o histórico de violações que a multinacional impõe às comunidades.

“Será que essa empresa Suzano Papel e Celulose está acima do governo federal, do governo estadual, dos governos municipais da nossa região?”, questionou. “A minha comunidade tem mais de 1,2 mil páginas de denúncias dentro da procuradoria federal do MPF em Salvador, desde 2017, e nunca aconteceu nada positivo para as nossas comunidades”. A estrada denunciada na última ACP, informa, também já é de conhecimento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

As violações, afirma, vêm desde 1976, e não pararam mesmo após os direitos constitucionais estabelecidos. “O que está na nossa Constituição Federal não está sendo cumprido no nosso país. Existem nossos processos de demarcação que estão se arrastando há anos”.

Célio invoca a cosmovisão quilombola para dizer que “esse nosso território é sagrado” e lamenta o sofrimento as pessoas, a fauna, a flora e as águas vêm sofrendo há mais de meio século. “Nosso território todo coberto de eucaliptos. Várias nascentes estão secas por causa disso. A monocultura do eucalipto não é floresta e nunca vai ser. Nós somos povos de floresta e povos de floresta não vivem com árvores modificadas, que não sejam árvores da nossa flora natural, que nós sempre vivemos desde a ancestralidade. Os animais domésticos e silvestres morrem. Os que restam, na verdade, porque é veneno o tempo todo. Não tem vivente na terra que sobrevive a isso aqui. O que nós vamos fazer com essas lagoas secas, sendo que pode levar vinte a trinta anos para voltarem. Eu conheci essas lagoas todas cheias. Hoje não tem mais quase nada, estão todas mortas pela monocultura”.

Os eucaliptais, afirma, continuam avançando sobre as comunidades. “Tem placas proibindo a gente de passar a 30 metros das casas. As comunidades estão ilhadas pelo eucalipto”. E a situação pode piorar. “Hoje já corta eucalipto com seis, sete anos. Já imaginou trazer o transgênico? O primeiro município que aderiu ao teste do eucalipto transgênico foi o meu município, Caravelas”, denuncia.

O avanço dos monocultivos é acompanhado pelo esvaziamento das comunidades. “Êxodo rural. A quantidade de jovens que não ficam mais dentro do seu território e buscam a periferia, porque não temos condições de buscar os grandes centros. Os nossos jovens, que são o nosso futuro, infelizmente têm que buscar refúgio nas periferias das cidades para sobreviver”.

Mas nada disso parece fazer frente ao marketing institucional da multinacional. “Essa empresa tem uma propaganda muito grande lá fora dizendo que está tudo normal, nos conformes, mas não está. A empresa usa o nosso território e não tem custo de nada. Nossa comunidade é pulverizada na parte terrestre e no ar. A gente não tem sossego, a gente não tem paz. Por que nós temos que aceitar isso tudo?”.

As denúncias feitas à ONG canadense ele espera que cheguem aos ouvidos do mercado financeiro. “O BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] investe milhões e bilhões nessa empresa e fecha os olhos, nos ignora. E outros bancos que fazem esse tipo de investimento sem ter um pouco de sensibilidade do que nós vivemos aqui”.

E, acreditando numa titulação do território que sonham deva acontecer em breve, pergunta: “Os investidores, os acionistas, os compradores da Suzano, por favor me deem uma resposta. O que vocês têm hoje para fazer para que, quando o nosso território for entregue para a comunidade, seja de uma forma que a gente consiga recuperar a naturalidade do que nós vivemos no passado?”

Outro lado

Procurada, a assessoria de imprensa da Suzano afirmou que “tão logo seja citada na ação judicial e tenha conhecimento do que nela foi efetivamente abordado, apresentará sua defesa”. Veja nota da assessoria:

“A Suzano informa que, tão logo seja citada na ação judicial e tenha conhecimento do que nela foi efetivamente abordado, apresentará sua defesa.

A empresa reafirma seu respeito pelas comunidades tradicionais, rurais e urbanas, assim como pelos demais públicos com os quais se relaciona, inclusive com políticas que definem diretrizes e princípios gerais de interação e relacionamento aplicadas às suas operações.

Reforça, ainda, que dispõe de todas as licenças ambientais necessárias para a sua operação.

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