O dia amanheceu para nós antes mesmo do sol. Seguimos para o Parque Nacional da Serra da Canastra, na região onde chamamos ‘parte alta’. Na realidade, a área protegida como Unidade de Conservação engloba principalmente uma grande chapada, em formato de ‘baú’- daí o nome ‘Canastra’. Os antigos moradores usavam grandes caixas para transportar mantimentos no lombo dos cavalos, e as chamavam de ‘canastras’.
Segui com Ricardo na caçamba da caminhonete na esperança de encontrar algum lobo caçando no amanhecer. O frio cortante nos trouxe boas lembranças; quantas vezes subimos no parque para monitorar os lobos com os bons e velhos aparelhos receptores de VHF. Com uma pequena antena, os pesquisadores seguiam pelas estradas até pegar um sinal do radio-colar. Media-se o rumo aproximado da posição do lobo e se seguia até encontrar outro ponto em que o sinal apitasse. Repetia-se a operação até achar um terceiro ponto e finalizar o que chamam de triangulação. Desta forma, tinha-se uma posição mais.
Atualmente, com estes colares, Rogerio consegue acompanhar o lobo à distância pelo computador em seu escritório, saber com maior exatidão os caminhos que ele percorre, os ambientes que ocupa preferencialmente e compreender os limites de seu território. Será que está ‘visitando’ as fazendas ou permanece dentro da área protegida? Tem dormido sempre no mesmo lugar? Em qual período tem sido mais ativo? Enfim, perguntas que trazem respostas para tomar as providências necessárias para a sua conservação.
Para provocar nostalgia, perguntei-lhe se não sente falta destes tempos em que íamos atrás dos bichos. “De fato as novas tecnologias estragam um pouco a magia da procura, da percepção espacial. Pensando nisto, realmente perdeu um pouco a graça. Mas a grande quantidade de informações que chegam praticamente ao vivo e que podem ser partilhadas com todos, inclusive com os proprietários, nos deixa deslumbrados também”, diz Rogerio.
Voltando do parque, com olhar saudoso, Rogério decide conferir se estava tudo bem com Luna, a loba capturada em março passado e equipada com uma coleira com dispositivo de comunicação com satélite. Há dias, ele e Jean Pierre, biólogo do projeto, debatem se a loba está ou não com filhotes, por causa dos pontos que recebem diariamente.
Às 14h15h Rogério entrou no software que monitora o rádio-colar em seu computador; verificou que a última localização da loba fora às 14h, na região do Guiné. Os dois biólogos localizaram o ponto no mapa e seguimos em seu encalço. Tivemos que nos apressar; a super coleira, além de posicionar o animal com precisão, fornece temperatura, sua atividade diária, etc. As informações mostram que esta loba se torna ativa normalmente entre 16h30 e 17h.
Chegamos a um ponto mais próximo (em torno de um quilômetro em linha reta). Com as informações de sua posição previamente gravadas num GPS, continuamos a descer uma encosta íngreme de campo de braquiária. Restava saber se ela ainda continuava no mesmo lugar. Rogerio estava nitidamente satisfeito em voltar aos velhos tempos de monitoramento; a única forma de ir atrás dela agora seria por meio dos bips do transmissor de VHF da coleira. “Veja, se não fosse o conhecimento de telemetria convencional, não teríamos como fazer isso. Receio que as novas gerações se apoiem totalmente na alta tecnologia e descartem o básico, que é insubstituível para certos procedimentos como esse”, disse.
Precisávamos, enfim, de um contato visual para saber se o animal estava bem e se tinha filhotes. Continuamos a descer a encosta, cruzando rios, passando por cercas. Às vezes pensava nas centenas de carrapatos que certamente estavam aproveitando de nossas pernas! E o bip emitido pelo receptor cada vez mais forte. Rogério resolve comparar o rumo que o bip apontava com a posição da loba no GPS. A distância diminuindo a cada passo! Quando chegamos a cerca de 300 metros e a ansiedade, adrenalina e cansaço tomando conta de nós, Jean pediu para irmos bem devagar e apontou para uma fenda no chão, na subida de um morro à nossa frente. “Ela está ali, só pode estar”, disse o matuto, como quem sabe das coisas. Quando chegamos a 150 metros, eis que surge no meio do pasto, saindo exatamente da fenda, a loba Luna. Vermelha brilhando ao sol ela vai subindo o morro, parando três vezes rapidamente para nos observar e tentar entender como nós a havíamos achado. Consegui fazer poucas fotos num fim de tarde sem luz, mas já constatamos que a loba estava saudável e forte. Nem pensamos em acompanhar seu ritmo. Já era quase 5h da tarde e seu período de caça começava. Tão logo nos fitou, recuperou sua privacidade ao subir um morro ainda mais íngreme.
Horas depois, de volta à cidade, Rogério observou que ela havia se deslocado pouco mais que 6 quilômetros nos altos e baixos do Guiné, em um período de 3 horas. A conclusão é que uma loba de 8 anos que sobe e desce morros, em ambientes degradados pelo homem, a uma velocidade de 2km/h mostra que uma coleira que pesa 2.5% de seu peso não altera sua vida.
Dia 02 – Rádio-colar, uma ferramenta necessária à conservação
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