Reportagens

Governo equatoriano acusa ONG indígena de terrorismo

Após ação contra licitação de 13 blocos petrolíferos, Fundação Pachamama foi acusada de atentar contra a segurança interna do Estado.

Giovanny Vera ·
22 de dezembro de 2013 · 11 anos atrás
Mapa dos blocos de petróleo oferecidos na Rodada XI. Crédito: Fundação Pachamama.
Mapa dos blocos de petróleo oferecidos na Rodada XI. Crédito: Fundação Pachamama.

Era meio dia, quase hora do almoço, quando policiais e funcionários do Ministério do Interior do Equador ingressaram no edifício Shyris Century, na zona norte de Quito, e foram diretamente ao 12º andar, onde ficava o escritório da Fundação Pachamama, organização equatoriana defensora dos direitos indígenas e da conservação da Amazônia. A “visita” tinha como objetivo apresentar a ordem do Ministério do Ambiente que declarava a dissolução da Fundação Pachamama “por desvio dos propósitos e objetivos estatutários e por intervenção em políticas públicas, atentando contra a segurança interna do Estado e afetando a paz pública”, diziam os letreiros colocados nas portas da fundação.

Após o aviso oficial, todas as pessoas foram retiradas do escritório, que foi em seguida fechado e lacrado.

Para María Belén Páez, presidente da Fundação Pachamama, o fechamento da instituição “é um ato arbitrário que quer reprimir o nosso legítimo direito de discordar da decisão do governo nacional de entregar em concessão territórios das nações indígenas amazônicas para empresas petroleiras, sem respeitar seus direitos constitucionais, especialmente o da consulta livre, prévia e informada”, afirmou, em conferência de imprensa.

A fundação assessora há 16 anos comunidades indígenas da Amazônia do Equador na defesa de seus territórios.

Começo de um problema

O leilão foi realizado sem a devida consulta prévia aos indígenas. Houve protestos.

Tudo começou no dia 28 de novembro, quando o governo do presidente Rafael Correa realizou a XI Rodada de Petróleo, em Quito, no processo de licitação de 13 blocos petrolíferos na zona Sudeste, na Amazônia do país. O leilão foi realizado sem a devida consulta prévia aos indígenas. Houve protestos.

Nesta rodada, foram oferecidos 13 blocos para exploração de petróleo, apenas 4 blocos receberam ofertas. A empresa chinesa Andes Petroleum apresentou uma oferta para o Bloco 79 e para o 83; Repsol ofertou para o Bloco 29; e a equatoriana Petroamazonas ofertou para o Bloco 28, junto com as petroleiras estatais do Chile e da Bielorrússia.

De acordo com um estudo da Fundação Pachamama, o processo de consulta prévia que o governo diz ter realizado na área afetada pelos blocos de petróleo oferecidos na XI Rodada de Petróleo só chegou a 7% da população da área, e a 39% das comunidades que estão na área de influência.

O clima esquentou quando foram anunciados os vencedores da licitação. Juan Lira,  Embaixador do Chile e Andrey Nikonov, empresário da petroleira Belorusneft, da Bielorússia, foram agredidos por manifestantes.

No sábado seguinte, dia 30 de novembro, o presidente Rafael Correa denunciou as agressões em seu programa de radio e televisão Enlace Cidadão. O presidente acusou diretamente a Fundação Pachamama e o coletivo Yasunidos de serem os responsáveis pelo protesto que culminou na agressão dos dois homens. “É uma grave negligência, grave falha (…) eu quero o relatório de quem é o responsável disso”, sentenciou o presidente.

Na ocasião, José Serrano, ministro do Interior, afirmou que as agressões eram “inadmissíveis” e “intoleráveis”.

Atentado contra a segurança interna do Estado?

A partir dai começou a caça contra os responsáveis. No dia 4 de dezembro foi decretado o ataque contra os supostos agressores. De acordo com a Resolução 125 contra a Fundação Pachamama, nesse dia o vice-ministro de Segurança Interna do Ministério do Interior, Javier Córdova, solicitou ao Ministério do Ambiente que determine a dissolução ‘imediata’ da Fundação Pachamama, por não cumprir o Decreto Executivo 16. Este decreto estabelece a dissolução de organizações sociais que atentarem contra a segurança pública do Estado, por desviar-se dos objetivos pelos quais foi criada, ou por interferir em políticas públicas.

A velocidade para punir quem interfere nas políticas públicas do estado  foi notada a partir do pedido do vice-ministro de Segurança Interna: no mesmo dia que  enviou o relatório ao Ministério do Ambiente, solicitando a dissolução da fundação, o  Ministério do Ambiente emitiu a Resolução 125, fechando a mencionada ONG. Às 11h43 foi entregue à Polícia a ordem para proceder com a dissolução e fechamento de Pachamama. Às 12h50 a notificação de dissolução foi assinada por uma representante da ONG, já no escritório de Pachamama.

Decreto Executivo 16: lei das ONGs

Desde a sua criação, esta lei tem sido tema de oposição, já que a normativa está sendo usada para acabar com organizações.

Usado para justificar a dissolução da Pachamama, o Decreto Executivo 16, assinado em junho deste ano, é a normativa que regula as atividades das organizações sociais não governamentais. Este decreto criou o Sistema Unificado de Informação das Organizações Sociais, com uma série de normas para regulamentar a organização social e a forma de participação delas na sociedade. Desde a sua criação, esta lei tem sido tema de oposição, já que a normativa está sendo usada para acabar com organizações.

De acordo com a Human Rights Watch, o decreto viola os direitos à liberdade de expressão e de associação, sendo que inclusive o direito internacional declara que os governos devem assegurar que seja permitido aos defensores dos direitos humanos realizarem suas atividades sem represálias, ameaças, intimidação, assédio, discriminação ou obstáculos legais desnecessários. “O decreto do presidente Correa que regula a sociedade civil deu ao governo o poder de dissolver organizações de direitos humanos e de outro tipo que se interponham em seu programa de governo”, disse José Miguel Vivanco, diretor executivo para as Américas de Human Rights Watch.

Farith Simon, professor da Universidade San Francisco de Quito, em sua coluna do dia 16 deste mês, no jornal El Comercio do Equador, intitulada “O verdadeiro perigo”, dizia que quando foi elaborada a nova Constituição do país, “várias vozes se levantaram para advertir os riscos de excesso de poder que foi concedido ao Executivo”.

Nessa nova Constituição, o povo seria o protagonista no governo, em uma ‘democracia participativa’, sendo parte do “planejamento, decisão e gestão dos assuntos públicos, no controle social de todos os níveis do governo, e na definição das políticas públicas”, explica Farith. No entanto, a dissolução da Fundação Pachamama mostra um panorama contrário à ‘democracia participativa’ constitucional, afirma o professor, onde o Poder Executivo “considera a participação política das ONGs como um ‘atentado contra a democracia’, visão claramente incompatível com a norma constitucional que reconhece ‘todas as formas de organização da sociedade, como expressão da soberania popular para desenvolver processos de autodeterminação e incidir nas decisões e políticas públicas (…) de todos os níveis do governo’”.

A diretora de Pachamama, em uma carta ao jornal El Telégrafo, “recusa a decisão do governo de dissolver nossa organização sem notificação prévia, sem o devido processo, sem permitir o direito à defesa e baseado em acusações não provadas”.

Segundo a AFP, nos últimos anos o governo equatoriano tem endurecido as normas para as ONGs, de forma que só no ano passado 26 organizações foram fechadas por não cumprir com obrigações e responsabilidades.

No dia 12 deste mês, a Fundação Pachamama apresentou ao Ministério do Ambiente um recurso de apelação e suspensão da Resolução 125 que dissolveu a organização. Agora, o Ministério tem 15 dias para se pronunciar sobre a suspensão da medida e dois meses para responder o recurso de apelação.

Coletiva de imprensa Fundação Pachamama

Começo de uma reação em cadeia?

Como se de uma reação em cadeia se tratasse, na sexta-feira, 20 de dezembro, o ministro da Presidência da Bolívia, Juan Ramón Quintana, anunciou a expulsão da ONG Ibis, de origem dinamarquesa, por intromissão política no país.

Em conferência de imprensa, o ministro afirmou que Ibis é uma organização que se dedicou a dividir as organizações sociais e a “interpretar de forma errada seu papel, sua responsabilidade e seu mandato para trabalhar em Bolívia”. “Estamos cansados de tolerar a intromissão política de Ibis na Bolívia e que promova conflitos internos nas próprias organizações”, disse Juan Ramón, referindo-se à Confederação Indígena do Oriente Boliviano (CIDOB) e o Conselho Nacional de Qollasuyo (CONAMAQ), duas organizações indígenas hoje opositoras do governo de Evo Morales.

A organização Ibis diz em seu site que seu papel fundamental “é acompanhar e fortalecer as capacidades dos povos indígenas e suas organizações legitimando seus direitos coletivos e individuais, contribuindo na construção de sociedades interculturais e Estados plurinacionais”.

 

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Saiba Mais
Resolução 125 contra a Fundação Pachamama

 

  • Giovanny Vera

    Giovanny Vera é apaixonado pela área socioambiental. Especializado em geojornalismo e jornalismo de dados, relata sobre a Pan-Amazônia.

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