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Peru: Vazamento de óleo mata toneladas de peixe e afeta saúde de indígenas

Problema ocorreu em tubulação de óleo cru no norte do país e afetou afluentes do rio Marañon, por sua vez, um importante tributário do rio Amazonas.

Barbara Fraser ·
29 de julho de 2014 · 10 anos atrás

Peixes mortos misturados com os galhos cobertos de óleo, recolhidos por moradores locais. Foto: Barbara Fraser
Peixes mortos misturados com os galhos cobertos de óleo, recolhidos por moradores locais. Foto: Barbara Fraser

 

*Publicado originalmente no site Environmental Health News, onde podem ser encontradas versões em inglês e espanhol.

 

CUNINICO, Peru – No último dia de junho, Roger Mangia Vega observou uma mancha de óleo e uma massa de peixes mortos passar flutuando por Kukama, uma pequena comunidade indígena, até desaguar no rio Marañón, um importante afluente do Amazonas.

Os líderes comunitários ligaram para o número de emergência da Petroperu, a operadora estatal do gasoduto de 845 quilômetros que bombeia petróleo cru da Amazônia pela Cordilheira dos Andes até um porto na costa norte do Peru.

No final da tarde, Mangia e um punhado de seus vizinhos – contratados pela empresa e vestindo apenas roupas comuns – afundaram até o pescoço em água oleosa, em busca do vazamento na tubulação. Os moradores dependem dos peixes para subsistência e renda. Eles estimaram ter visto entre 2 e 7 toneladas de peixes mortos flutuando em lagoas e poluindo a região.

“Foi a coisa mais horrível que eu já vi na minha vida – a quantidade de óleo, o enorme número de peixes mortos e meus irmãos Kukama trabalhando sem a proteção necessária”, disse Ander Ordóñez Mozombite, um monitor ambiental de um grupo comunitário indígena chamado Acodecospat, que visitou o local dias depois.

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Esta ruptura do oleoduto de 39 anos de idade, ao norte do Peru, aterrorizou os moradores dos vilarejos Kukama ao longo do rio Marañón. As pessoas se queixam de náusea e erupções cutâneas, agravadas pelo nervosismo sobre a qualidade do peixe, as preocupações com a renda perdida e temores de que o petróleo vai se espalhar por toda a floresta tropical e seus lagos, quando a inundação sazonal começar em novembro. Cuninico, uma vila de casas de palafitas de madeira e teto de sapê, é o lar de cerca de 130 famílias, mas várias centenas de famílias de outras comunidades próximas também pescam nas proximidades.

Três semanas depois de descobrirem o vazamento, os moradores ainda têm mais perguntas do que respostas sobre os impactos.

“Parece um colapso ambiental para as pessoas e para o ecossistema”, disse David Abramson, vice-diretor do Centro Nacional de Prevenção de Desastres, do Earth Institute (Instituto da Terra), que fica na Universidade de Columbia, em Nova York.

“Há necessidade de vigilância ambiental e saúde pública em no mínimo quatro níveis: água, peixes, vegetação e população”, disse Abramson.

Representantes da empresa Petroperu não retornaram as ligações telefônicas e e-mails pedindo comentários.

Funcionários do governo não anunciaram oficialmente quanto petróleo bruto foi derramado. No entanto, em uma entrevista de rádio, Eleodoro Mayorga, ministro de Minas e Energia, falou em dois mil barris, equivalentes a 84 mil litros.

Após os reparos, o gasoduto recomeçou a funcionar de novo em 12 de julho, mas líderes indígenas lembraram que ele tem um histórico de vazamentos.

Controvérsia

Líderes comunitários Kukama caminham ao longo do gasoduto através de uma área pantanosa. Foto: Barbara Fraser
Líderes comunitários Kukama caminham ao longo do gasoduto através de uma área pantanosa. Foto: Barbara Fraser

“Mesmo os peixes que escaparam da pior parte do vazamento podem ter sido envenenados.”

Líderes de pelo menos quatro comunidades vizinhas disseram que massas de peixes mortos apareceram em lagoas e córregos na semana anterior ao relato do vazamento de óleo. Isso indica que ele poderia ter começado dias antes de ser descoberto.

Segundo especialistas, mesmo os peixes que escaparam da pior parte do vazamento podem ter sido envenenados. Pescadores viajaram uma ou duas horas até o Rio Urituyacu, um afluente do Marañón, em busca de peixes não afetados pelo vazamento, mas voltaram com peixes que eles disseram ter gosto de óleo.

Há peixes amazônicos que migram longas distâncias, e o monitoramento contínuo será importante para determinar como a pesca vai se recuperar, disse Diana Papoulias, bióloga especialista em peixes da E-Tech International, uma empresa de engenharia com sede no Novo México (EUA), que assessora comunidades indígenas peruanas sobre questões relacionadas ao petróleo.

As principais preocupações incluem hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHs, da sigla em inglês), que são classificados como prováveis cancerígenos humanos e podem causar problemas de pele, fígado e sistema imunológico, de acordo com os Centros dos EUA para Controle e Prevenção de Doenças. A exposição a PAHs no útero tem sido associada a efeitos sobre o desenvolvimento do cérebro de crianças, incluindo aprendizagem e mudanças de comportamento.

Para as mulheres grávidas, os peixes tornam-se uma faca de dois gumes, disse Abramson. “Elas precisam dessa fonte de proteína para melhorar o desenvolvimento neurológico do feto, mas, ao mesmo tempo, você não quer que elas ingiram coisas que têm impactos desconhecidos”.

As mães disseram que as crianças e adultos em suas famílias estão sofrendo de dores de estômago, náuseas, vômitos e tonturas, e as crianças pequenas têm erupções na pele após o banho nos rios.

Nesta parte do vale do Marañón, o centro de saúde mais próximo fica a mais de uma hora de distância de barco e não tem um médico.

De acordo com Delia Morales, diretora-assistente da agência do governo de Avaliação e Fiscalização Ambiental (Organismo de Evaluación y Fiscalización Ambiental, OEFA), o órgão não colheu amostras de tecidos de peixes para testes.

Grande parte do petróleo ficará preso em piscinas ao longo do gasoduto na época das cheias, o que cria uma sopa viscosa povoada de peixes moribundos. Autoridades do governo disseram que o dano ficou limitado a um trecho de 700 metros ao longo do gasoduto. O solo e troncos de árvores na floresta em ambos os lados do gasoduto também estavam manchados de óleo, ao longo de uma faixa que os moradores estimaram em até 300 metros de largura. Quando essa área começar a inundar novamente em novembro, os moradores temem que a contaminação possa se espalhar.

A Petroperu contratou homens da aldeia de Cuninico para encontrar o vazamento e levantar o pipeline para fora do canal a fim de repará-lo. Vários dos homens disseram que entraram até o pescoço em água oleosa, trabalhando vestidos com camisetas e calças ou apenas com roupas de baixo. Eles disseram que receberam equipamentos de proteção apenas quando uma equipe de TV peruana chegou mais de duas semanas depois. Em 20 de julho, o noticiário fez a liderança da Petroperu se mexer.

Enquanto isso, as esposas dos trabalhadores lavam suas roupas no rio Marañón, de cócoras, em balsas ancoradas ao longo da margem. Além de ser a única rota de transporte na região, o rio é a fonte de água para beber, cozinhar, tomar banho e lavar roupa.

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Prejuízos e riscos

“a saúde mental dos moradores pode ser prejudicada pela má alimentação, perda de renda e conflitos entre os membros da comunidade”

Uma semana após o derrame, o mercado de peixe local tinha parado. As mulheres que normalmente vendiam de 10 a 20 quilos de peixe por dia, disseram que seus compradores habituais as evitaram.

Crianças em Cuninico disseram a um repórter da Rádio Ucamara, uma estação de rádio local, que o peixe havia desaparecido da mesa da família e que estavam comendo principalmente arroz e mandioca, uma raiz.

Abramson disse que a saúde mental dos moradores pode ser prejudicada pela má alimentação, perda de renda e conflitos entre os membros da comunidade.
O gasoduto foi reparado e o óleo está fluindo novamente para o porto, mas os impactos de longo prazo do vazamento são incertos.

Luz e bactérias ajudam a limpar o óleo naturalmente, disse Edward Overton, professor de química da Louisiana State University, do Departamento de Estudos Ambientais, que estudou o derramamento de petróleo Deepwater Horizon, no Golfo do México. Substâncias voláteis do petróleo, que se dissolvem facilmente em água, podem ter causado a morte dos peixes, se o gasoduto já estava vazando antes do problema ter sido relatado”, disse ele.

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“A regra de bolso é que, durante o derrame é uma confusão horrível, e dois ou três anos mais tarde é difícil encontrar provas”, disse Overton.

Mas isso pode não ser o caso em áreas úmidas da Amazônia, onde o solo de argila e as cheias limitam o oxigênio disponível para os micróbios que se alimentam do petróleo, disse Ricardo Segovia, um hidrogeólogo da E-Tech International.

A agência ambiental do governo deverá apresentar o seu relatório sobre o vazamento até o final deste mês e poderá cobrar multas, disse Morales.

Os moradores estão esperando para ver se o governo vai punir sua própria operação de gasodutos e pagar uma indenização.

“Parece que o Estado está em uma posição frágil”, disse Abramson. “Ele [o governo do Peru] tem de acompanhar e assegurar a saúde e o bem-estar da população, mas pode ser um dos agentes responsáveis [pelo vazamento]. Eles têm que fiscalizar a si mesmos e decidir o que é justo e equitativo”.

 

 

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