Rio de Janeiro – “Estamos sofrendo uma crise hídrica como nunca antes foi visto no Sudeste. Temos um problema de estresse no sistema e é preciso implantar soluções inteligentes”. É com esta afirmação que o presidente da Companhia Estadual de Águas e Esgoto (CEDAE) do Rio de Janeiro, Jorge Briard, define a situação de estiagem a um público em sua maioria formado por jornalistas estrangeiros preocupados por entender o panorama que vivem as grandes capitais brasileiras.
Um gabinete de emergência foi criado nesta última segunda-feira, 9 de fevereiro, para discutir ações de enfrentamento à crise hídrica no estado. Um dos objetivos é o de buscar medidas que racionalizem o uso da água por indústrias que captam diretamente do rio Paraíba do Sul. Toda semana, o grupo de trabalho – formado pela Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) e representantes das quatro principais empresas do Distrito Industrial de Santa Cruz (Gerdau, CSA, FCC e Furnas) – irá se reunir para monitorar a situação. A primeira intervenção anunciada será a construção de um enrocamento (dique de pedras) no rio Guandu, que recebe águas do Paraíba do Sul. O dique irá reduzir a entrada da água do mar no curso do rio.
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que esteve reunida também nesta segunda com o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, e o secretário estadual do Ambiente, André Corrêa, anunciou a redução na vazão do Paraíba do Sul em Barra do Piraí, onde existe uma elevatória (a de Santa Cecília) que transpõe água para o rio Guandu. A redução passou de 140 m³ para 110 m³ por segundo.
“A discussão não é que está faltando água no Rio, mas tem que administrar com racionalidade porque estamos usando o volume morto da energia elétrica”, afirmou a ministra.
Briard informou que existem planos de contingência elaborados, mas no momento sua aplicação não é iminente. A concessionária responsável pelo abastecimento de água para 12 milhões de pessoas que vivem na região metropolitana do Rio já faz o alerta para a necessidade de poupar.
“O ano de 2014 teve um decréscimo de chuvas e os reservatórios não tiveram uma quantidade de aporte de água suficiente para equilibrar a demanda. No verão, o consumo aumenta em 30%. Esse foi o desequilíbrio que aconteceu. É um assunto complexo e as informações sobre escassez hídrica e altas temperaturas no Sudeste são dadas sem precisão técnica”, explicou Briard.
Entre as soluções inteligentes que devem ser adotadas estão o uso consciente da água. Dados da própria concessionária informam que 20% de toda a distribuição se perde em vazamentos, ligações clandestinas e uso comercial não autorizado.
O Rio de Janeiro é o estado com o maior consumo por habitante de água do país, mais de duas vezes o indicado pelas Nações Unidas, que recomenda o consumo de 110 litros de água por dia por pessoa. O diretor de produção da CEDAE, Edes de Oliveira, afirma que a concessionária tem trabalhado com a média de 300 litros por dia. Contudo, “é possível usar de forma racional a água sem perder o conforto”, pondera.
O último Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos de 2013 feito pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) indica que o consumo médio per capita de água no estado do Rio é “sempre elevado” se comparado às outras unidades da federação. Naquele ano, o SNIS apontou para 253,1 litros/habitante por dia. O consumo médio per capita de água é definido no SNIS como a média diária, por indivíduo, dos volumes utilizados para satisfazer os consumos domésticos, comercial, público e industrial.
O estado do Rio apresenta valor 24,1% acima da média da região Sudeste e 52,2% acima da média do país. “Cabe destacar que o valor do estado é fortemente influenciado pelo consumo médio per capita da CEDAE, igual a 273,6 litros/habitante dia”, informou o relatório.
No Brasil, o índice de consumo de água em primeiro lugar é da agricultura. A irrigação, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), é em disparado a maior usuária, com 72% numa área irrigável de 29,6 milhões de hectares. Já a indústria nacional consome 22% da água, quase o triplo dos 6% de uso exclusivamente humano. No Rio, a CEDAE prioriza o abastecimento humano e fornece 82% da água tratada para uso doméstico, 2% para indústria, 12% para comércio e 4% para órgãos públicos.
Entenda o sistema de abastecimento no Rio
A Região Metropolitana do Rio de Janeiro tem quatro sistemas de abastecimento: o sistema Guandu, o maior de todos responsável por fornecer para 9 milhões de pessoas; o sistema de Ribeirão das Lajes, o sistema Acari e um conjunto de mananciais locais – que são pequenas represas localizadas em pontos altos em Jacarepaguá, no Mendanha, Mangaratiba, Alto da Boa Vista e Paineiras. Nesta malha de distribuição de água, 85% do município do Rio é abastecido pelo Guandu, 14% provém de Ribeirão das Lajes e o restante 1%.
Existem ainda reservatórios espalhados em vários pontos para acumular água tratada e garantir abastecimento nos períodos de maior consumo do dia. Edes de Oliveira explicou que 19 novos reservatórios estão sendo construídos para os próximos três anos, além de outros sete que passam por reformas. A maioria está localizada na zona oeste da capital fluminense e algumas destas imensas caixas d’água chegam a armazenar 20 milhões de litros. Os investimentos, tanto para a reforma destas grandes caixas d’água, como para construção de elevatórias a fim de bombear água, adutoras e rede de distribuição, é da ordem de R$ 3,6 bilhões, informou.
“Esses investimentos já estavam no nosso planejamento antes mesmo da crise hídrica para dar conta do crescimento populacional vertiginoso da demanda na região, tanto na zona oeste como na Baixada Fluminense”, detalhou o diretor da CEDAE.
As águas captadas pelo sistema do Guandu provêm de quatro reservatórios que fornecem para o rio Paraíba do Sul que, por sua vez, são transpostas ao longo de 4 km de dutos até o Guandu. Dos quatro reservatórios que abastecem a bacia do Paraíba do Sul, três deles estão no estado de São Paulo – Paraibuna (operado pela Cesp), o maior de todos, Santa Branca (operado pela Light) e Jaguari –, já o Funil (Furnas) situa-se no Rio.
O que é volume morto
Estes quatro reservatórios que regulam a vazão no Paraíba do Sul são utilizados para gerar energia elétrica e, na época de estiagem, podem sofrer baixa dos níveis. Para monitorar a capacidade destes reservatórios, o setor elétrico utiliza duas categorias: o chamado volume útil que é o volume de água capaz de gerar energia hidrelétrica; e o volume morto ou reserva técnica, a quantidade de água dentro dos reservatórios mas que não têm energia suficiente para gerar eletricidade. A média dos níveis destes reservatórios dá o que se chama de percentual de água equivalente.
As autoridades olham com muita cautela a redução dos níveis nos reservatórios. Na última crise hídrica que o Brasil sofreu, em 2003, a média equivalente do volume dos quatro reservatórios que abastecem o Paraíba do Sul foi de 14,2%. Agora, essa média é pouco mais de 1% e, em dois destes reservatórios, já se chegou ao volume morto. Quando o volume útil deixa de existir para gerar energia, passa-se a ter um valor negativo. “Nunca haviamos atingido o volume morto nesses reservatórios”, afirmou Edes de Oliveira.
Depois da última chuva de domingo, dia 8 de fevereiro, o volume útil do Paraibuna elevou para 0,08%. Três dias antes, seu nível estava em -0,19% abaixo do volume útil. Este reservatório que é o maior dos quatro, já estava no volume morto desde 21 de janeiro. Nesta mesma data a hidrelétrica que opera neste reservatório foi desligada.
Já as outras três represas também registram níveis críticos. Enquanto a Santa Branca está no volume morto, em -3,87%; o Funil está em 13,05%; e o Jaguari, com 3,19%.
Só o sistema do Guandu capta entre 45 mil e 48 mil litros por segundo do rio por onde correm as águas oriundas destes reservatórios. Perguntado se seria possível que a vazão do rio diminua e atrapalhe a captação de água, caso a estiagem nos reservatórios se prolongar por mais tempo, o presidente da CEDAE foi enfático: “Possível tudo é. Mas não trabalhamos com esta possibilidade mesmo com a tendência de queda no comportamento das chuvas. Se isso acontecesse, já teria paralisado o parque industrial, a agricultura e a geração elétrica. Seria a catástrofe total, é uma inferência muito distante e um cenário que não cogitamos”, declarou.
Estação de tratamento do Guandu
“Hoje temos uma crise hidrológica, não de abastecimento no Rio. Mas se não tivermos cuidado, pode se tornar uma crise de abastecimento”, advertiu o diretor de produção Edes de Oliveira.
O rio Guandu nasce originalmente em Piraí, as nascentes estão situadas na Serra do Mar e tem aumentado a sua vazão após a transposição do rio Paraíba do Sul em Barra do Piraí pela estação elevatória de Santa Cecília. Também recebe aportes de águas dos poluídos rios de Queimados e córregos de Seropédica desembocando na baía de Sepetiba.
Com um aspecto barrento, a água do Guandu é captada para abastecer siderúrgicas como a CSN e a Gerdau, além de fornecer para centros urbanos e parques industriais ao longo do seu curso e ser utilizada na irrigação.
Por isso a qualidade da água não é das melhores. Segundo a Resolução CONAMA N.º 20 de 18 de junho de 1986 e a definição da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei N. 9.433/97) que classifica os corpos hídricos, o Guandu apresenta uma água da Classe 2. Este tipo de água pode ser destinado ao abastecimento doméstico apenas após passar por um tratamento convencional.
A CEDAE construiu na década de 50 a estação de tratamento de água ETA do Guandu, no município de Nova Iguaçu. Em 2007, foi certificada pelo Guinness Book como a maior estação de tratamento de água potável do mundo com produção contínua, pois tem capacidade para captar ininterruptamente entre 45 a 48 mil litros por segundo da vazão do rio Guandu.
O sistema convencional inclui etapas específicas de tratamento como a coagulação, a floculação, a sedimentação, a filtração, desinfecção e a correção de PH. O processo todo leva de três a quatro horas.
No km 19,5 da antiga estrada Rio-São Paulo no distrito pobre de Prados Verdes, em Nova Iguaçu, 320 funcionários dão conta dos 240 mil metros quadrados da estação de tratamento do Guandu. Ela sozinha produz 3,7 bilhões litros de água potável por dia, suficientes para abastecer 9 milhões de pessoas em oito municípios.
Só em instalações, existem 132 filtros com dimensões de 10 metros x 17 m e espessura de 1 metro com camadas de rochas, carvão e areia. Para garantir que a água tenha todos os parâmetros de qualidade e potabilidade, são feitos por dia mil análises da água, contabilizando 30 mil por mês.
Edes de Oliveira assegura que a água que sai da estação de Guandu é potável para beber. “São feitas muitas análises em laboratório. O problema muitas vezes é a falta de limpeza nas cisternas dos edifícios e caixas d’água. Ao contrário do que se pensa, a água do Guandu é relativamente fácil de limpar e de retirar os contaminantes. Com este processo convencional, garantimos que temos água para beber”, afirmou.
A depender do regime de chuvas, é possível que a vazão do rio Paraíba do Sul para o Guandu seja ainda mais reduzida e, por isso, o alerta para a economia de água já acendeu o sinal vermelho.
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Tenho vergonha de morar neste estado, o descaso com população é um absurdo.
agua potável deveria ser o mínimo mais o que vemos é totalmente ao contrário…
A iniciativa de criar um gabinete de emergência para enfrentar a crise hídrica no Rio de Janeiro é louvável, mas a ação tardia e a dependência de soluções de curto prazo, como a construção de um dique, evidenciam uma falta de planejamento estratégico e sustentável. A alta taxa de perda de água na distribuição e o consumo excessivo per capita são sintomas de uma gestão hídrica deficiente. É crucial que as autoridades ampliem o foco para incluir reformas de longo prazo, investindo em infraestrutura para redução de perdas, promoção de uso eficiente da água e integração da população nas políticas de conservação.
O Rio de Janeiro e uma verdadeira vergonha com a falta de agua em alguns bairros
A falta de agua esta uma vergonha em alguns bairros do Rio de Janeiro