Distante 70 km de Brasília, a cidade de Formosa – rodeada por cachoeiras num cenário exuberante – tornou-se um fosso de excluídos. Um flagrante da omissão do poder público. Vítimas crônicas do sonho de fazer a capital, muitos invasores retirados de Brasília vão parar lá e dividem com assentados do MST uma miséria pulsante. Na área periférica, enorme, casas e barracos vivem sob a iminência de ser engolidos pela terra. Os focos de erosão provocados pelo desmatamento produzem as voçorocas – erosões profundas, praticamente incontroláveis, que atingem o lençol freático. Algumas chegam a medir 1,5km de extensão por 100m de largura e 30m de profundidade. A pesca predatória na bacia do encontro do rio Paranã com o Tocantins atinge espécies raras. Os córregos Bandeirinha e Josefa Gomes, além da Lagoa Feia, estão sob ameaça, e a população ameaçada, cumulativamente.
O secretário de Agricultura, Pecuária e Meio Ambiente de Formosa, Telmo Heinen, engenheiro agrônomo, tenta, mas não pode fiscalizar nada. O cargo, como o próprio secretário desabafou em e-mail enviado a O Eco, só existe para “constar”. A Secretaria sequer dispõe de orçamento, quanto mais dinheiro. À disposição, apenas um caminhão cujo apelido é “piauizín véiiii” – daí você calcule – e uma moto CG 125 que é utilizada de manhã pelo gerente do aterro sanitário e à tarde pelo único fiscal do meio ambiente da Secretaria. Só para constar, o fiscal não pode legalmente aplicar multas, apenas advertir. Haja saliva. São 78 mil habitantes que produzem 35 toneladas de lixo por dia sem que a prefeitura desenvolva uma política de gestão adequada dos resíduos sólidos.
O aterro sanitário da cidade foi regularizado, mas apenas porque o prefeito estava sob ameaça de ser colocado no “Cadin” (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal) e só por isso Telmo Heinen teve a chance de elaborar o Plano de Gestão dos Resíduos Sólidos para o município, uma antiga necessidade. O Plano, que vem sendo feito pelo próprio secretário, ainda não está pronto. Telmo tem estudado termos técnicos e um formato ideal para o documento, que precisa passar pelo crivo dos especialistas no assunto para ser aprovado. O prefeito de Formosa não quer gastar dinheiro com uma empresa especializada para elaborar o projeto.
Apesar de o único fiscal da Secretaria ser impedido de aplicar multas, ela pode contar com o apoio oficial de uma patrulha ambiental formada por policiais militares do Estado de Goiás. O problema é que o único carro disponível às vezes não funciona. O jeito então é apelar para os fiscais do Ibama, que só aparecem para socorrer em casos urgentíssimos, porque a patrulha tem uma prioridade: atender a todo o nordeste goiano, especialmente a bacia do São Francisco. O Comitê de Bacias, aliás, pagou o veículo, e precisa muito dele. Nada mais justo. Só para constar, Formosa renovou recentemente a frota de carros da polícia, com 600 novos veículos, que não colaboram com a Secretaria de Meio Ambiente.
As estradas municipais de Formosa passam por áreas de preservação e os lotes da cidade nunca foram licenciados. Mas Telmo não desiste. “Tentei fazer muita coisa, mas até agora o que foi possível foi renovar um convênio com a Agência Ambiental de Goiás, principalmente para atender aos pequenos agricultores com um risco calculado e responsável para o meio ambiente”, ressaltou. Modesto, o Telmo. Ele também conseguiu licenciar desmatamentos de até 10 hectares, como a confecção de represinhas menores do que 1 hectare e o aproveitamento de árvores até 5 hectares, tudo de forma sustentável. E a Prefeitura? Trabalha arduamente nas chamadas sarjetas: esgoto a céu aberto, rebocado e padronizado. “E o povo gosta porque não tem fiscalização nem cobranças”. Sim – o secretário de Meio Ambiente de Formosa também não pode fiscalizar a emissão de esgoto, as chamadas “águas servidas” a céu aberto na cidade. Desta vez foi vetado diretamente pelo prefeito. É o apelo popular.
Diante do caos sócio-ambiental, Telmo ainda luta para exercer o cargo virtual que lhe foi conferido. Ele está elaborando uma legislação para o Sistema Municipal de Inspeção para elevar a qualidade dos alimentos de origem animal e vegetal. As vacas que pastam no perímetro urbano são fonte de leite que é distribuído livremente por carroceiros em botecos e padarias da cidade, sem regulamentação, desmoralizando o cargo do secretário e a Vigilância Sanitária.
E não é só a Secretaria de Meio Ambiente que não existe na prática. A Secretaria da Promoção da Igualdade Social e a Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo – em uma região que tem forte vocação turística – também são só fachada. Curioso é que a Secretaria de Transportes e Vias Públicas e, claro, a de Obras e Urbanismo são puro azeite da máquina. Então façamos um trato: enquanto o prefeito finge que trabalha, a gente finge que não vai insistir na denúncia.
O nome do prefeito não é Gerson, certo? É Sebastião Monteiro Guimarães Filho, popular Tião Caroço, queridinho de Perillo, governador de Goiás. Só para constar.
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