Não faz muito tempo, nos anos 80, os jacarés do Pantanal Matogrossense eram dizimados aos milhares por contrabandistas de couro. O Brasil tinha à época dois órgãos ambientais: a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe), que defendia a fauna na água, e o Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal (IBDF), encarregado da defesa da fauna nacional em terra. Enquanto IBDF e Sudepe discutiam a quem caberia defender o jacaré – que ficava com a cabeça na terra e o rabo dentro dágua – a matança prosseguia.
Guardadas as devidas proporções, é o que ocorre agora com a Lei de Biossegurança, em tramitação no Senado. Executivo e Legislativo não chegam a um acordo, o que poderá fazer com que uma questão ambiental importante, o plantio de sementes transgênicas nos campos brasileiros, continue sem qualquer tipo de regulamentação. Tudo indica que o impasse obrigará o governo, mais uma vez, a editar uma medida provisória para tentar disciplinar ao menos temporariamente a questão. No ano passado, quando o governo Lula foi obrigado a recorrer a uma MP para resolver nossa incompetência legislativa sobre o assunto, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tinha jurado que ela seria a última. A situação agrada, e muito, a bancada ruralista no Congresso.
O senador Aloisio Mercadante (PT-SP), líder do PT no Senado, conseguiu essa semana um acordo de lideranças pelo qual o Projeto de Lei da Biossegurança terá que passar pelas comissões de Constituição e Justiça (CCJ), Assuntos Sociais (CAS) e Assuntos Econômicos (CAE), sepultando por hora o substitutivo apresentado pelo relator do Projeto de Lei, senador Osmar Dias (PDT-PR), que excluía a necessidade de licenciamento ambiental e e avaliação do Ministério da Saúde para o plantio de transgênicos. O senador Ney Suassuna (PMDB-PB) será o relator do Projeto de Lei nas comissões de Assuntos Econômicos e Constituição e Justiça, enquanto a senadora Lucia Vânia (PFL-GO) relatará o projeto na Comissão de Assuntos Sociais.
A proposta de Osmar Dias, apoiada pelos ruralistas, confere ainda caráter deliberativo aos pareceres da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), órgão vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia que deveria desempenhar importante papel técnico na questão, mas não teria poder para liberar o plantio de transgênicos. A razão é que entre suas atribuições não está a de realizar análises ou estudos sobre a interação dos transgênicos com o meio ambiente e a saúde da população, competência dos órgãos de controle e fiscalização dos ministérios.
“Retirar a competência de avaliação do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Saúde seria de extrema irresponsabilidade e ameaçaria ainda mais a biodiversidade e a agricultura do país”, afirma a pesquisadora Mariana Paoli, coordenadora da campanha de engenharia genética da organização não-governamental Greenpeace. “A contaminação genética causada pelos transgênicos representa um risco imprevisível. Os estudos de impacto ambiental serviriam para minimizar este tipo de problema”, diz. Sem os estudos, os patrimônios agrícola e ambiental brasileiros poderiam sofrer mutações irreversíveis com a ação dos transgênicos.
O ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, saiu a campo na sexta-feira, 27, tentando colocar ordem na casa. “O governo não vai editar uma nova medida provisória dos transgênicos para permitir que os produtores que plantaram produtos geneticamente modificados legalizem sua safra”, antecipou. Rebelo também anunciou que pretende reunir as lideranças do governo e de oposição, além da bancada gaúcha no Senado, para tentar viabilizar a aprovação da MP que já tramita no Congresso.
“O governo não está disposto a editar uma nova MP dos transgênicos porque tomou as medidas necessárias para assegurar uma legislação permanente sobre os organismos geneticamente modificados, enviando um projeto ao Congresso”, disse o ministro, ressaltando que em fevereiro a proposta foi aprovada na Câmara e, em seguida, encaminhada para o Senado. Para Rebelo, cabe ao Senado votar a matéria – que é tão importante para a sociedade – dentro de um processo de negociação. De acordo com Aldo Rebelo, o governo sinalizou, por meio de sua base, a disposição de realizar todos os acordos possíveis para aprovação do projeto e anunciou que vai convidar os três senadores do Rio Grande do Sul, e os líderes do governo e da oposição, para que se tenha condições de votar a matéria o quanto antes.
As ONGs, lideradas pelo Greenpeace, anunciam um grande esforço de mobilização da sociedade civil. Foram publicados anúncios em jornais e páginas na Internet e mensagens estão sendo enviadas aos senadores por cidadãos de todas as partes do país. “O Senado tem a chance de agir com um mínimo de responsabilidade e manter o texto original do PL de Biossegurança. A expectativa da população brasileira é que sejam mantidas as obrigações de licenciamento ambiental e avaliação do Ministério da Saúde”, concluiu Mariana Paoli.
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