Reportagens

Éden agrícola

Com custos baixos de produção, projeto baseado no desenho da Mandalla reduz a pressão sobre o meio ambiente e resgata a agricultura familiar no sertão.

Carolina Mourão ·
1 de setembro de 2004 · 20 anos atrás

Uma estrutura piramidal. Nove círculos que se auxiliam mutuamente. Cada um com uma função produtiva integrada de alimentos. Essa Mandalla não é balela natureba. Seu desenho é a base de um projeto que em seis anos pretende gerar 4,5 milhões de empregos. É a agricultura familiar turbinada e seu inventor, Willy Pessoa Rodrigues, inspirou-se no Éden do Genesis para criá-la. Fundou até uma espécie de fábrica, que tem página na Internet e já implantou o sistema em 12 estados brasileiros, a maioria no Nordeste. Breve, pode estar chegando à região do Planalto Central.

A Mandalla funciona de forma que todo o sistema produtivo elimine os desperdícios, otimize a energia e obtenha eficiência na produção com eficácia operacional, num sistema de círculos interligados. Cada sistema permite ao produtor explorar até 54 culturas vegetais e dez criações de animais. Em dois hectares podem ser gerados no mínimo seis empregos diretos. Os círculos concêntricos formam culturas irrigadas, por onde circulam animais executores de várias funções que favorecem o sistema.

Tudo convive numa área de 2.500 m2. Cabras, galinhas, codornas, ervas, legumes, verduras e frutas. As necessidades de um são supridas pela produção do outro. A galinha, por exemplo, produz esterco e aração para sementes, e se alimenta de ervas daninhas. No centro da mandalla, um círculo de água, com 6 metros de diâmetro e profundidade central de 1,85 m. Ele armazena 30 mil litros organicamente enriquecidos pela criação de patos, marrecos e peixes. Deste círculo central parte o sistema de irrigação da estrutura. Ao redor dele, três círculos cultivam hortaliças e plantas medicinais, em consórcio com bananeiras, batatas e macaxeira. Minhocas vermelhas da Califórnia também produzem húmus. Esses elementos servem à subsistência da família. Outros cinco círculos ficam ao redor desses três, e servem para o cultivo de culturas complementares, como milho, feijão verde, abóbora e frutíferas. O último círculo envolve toda a Mandalla. Ali são colocados cercas vivas e quebra-ventos como forma de melhorar a produtividade e prover parte da alimentação animal. Os nutrientes deste círculo também recuperam o solo. Os produtores costumam usar a palma forrageira, o sisal, a mamona, o gergelim e a leucena.

Resgate de dívida – A unidade de produção familiar é a base do processo. Um só produtor pode ter uma mandalla. Mas para uma comunidade tornar-se sustentável, o primeiro passo para instalar o sistema é identificar o potencial produtivo da região. Depois, os grupos ou famílias, de no mínimo seis pessoas, reúnem-se e trocam alimentos. Quando o grupo chegar a 96 unidades de produção, forma-se a célula associativa. Está pronto o tecido sustentável integrado, que pode ser expandido para outros municípios.

O Sebrae financia as mandallas. Os custos são inferiores a R$ 4.500 e retornam em seis meses de produção. Mas a dívida pode ser amortizada em 20 meses. Na ponta do lápis a conta é a seguinte: uma família de seis pessoas vai gastar R$ 1.200 com instalações físicas e R$ 1.800 com sementes e animais. Os R$ 1.500 restantes são destinados a uma bolsa de capacitação no valor de R$ 250 mensais, porque a família precisa se dedicar totalmente à Mandalla nos primeiros seis meses. À medida que a família resgata a dívida, outras Mandallas podem ser instaladas no terreno, com o dinheiro da venda de 50 frangos por mês – desenvolvidos pela Mandalla anterior – durante 24 meses.

Depois de um ano de funcionamento do sistema, o produtor pode obter uma receita bruta em torno de R$ 1.700 por mês. Com o projeto em pleno funcionamento, produtor pode chegar a ter uma renda de R$ 5.500. Significa dizer que o sítio terá quatro Mandallas ocupando um hectare de terra, e a área restante, também de um hectare, estará sendo usada para reflorestamento. As 114 famílias do assentamento de Acauã, no município paraibano de Santo André, instalaram setenta Mandallas nos fundos de quintais. Apesar da fuga dos jovens – que ainda sonham com as cidades – a comunidade vive muito bem. É auto-suficiente em peixes, ovos, codornas, frutas e hortaliças para alimentação humana e animal. A geração de renda com a venda de excedentes acabou com a sensação de pobreza localizada. Agora, as famílias de Acauã pensam em evoluir para um sistema de agroindustrialização.

Em oito estados nordestinos as Mandallas também estão sendo instaladas. Como os custos da produção pelo sistema são baixos, os preços finais dos produtos orgânicos caem e eleva-se o poder aquisitivo das comunidades beneficiadas com a qualidade e a venda desses produtos.

A meta primária do uso da Mandalla é a sustentabilidade alimentar na unidade de produção familiar rural. A meta final, projetada para um período de seis anos, é gerar 4,5 milhões de postos de trabalho no Brasil. A mandalla chama a atenção não só pelo potencial produtivo. É um sistema também conceitual. Ela representa a síntese das tradições locais. Reforça conhecimentos antigos de produtividade e método. É uma reunião de elementos da realidade local, da participação da comunidade, do resgate da integração social ao meio ambiente associada a tecnologia. É a volta psicológica para o campo. Já vimos isso com a captação da água da chuva. Note que, em nenhum momento, falei em governo, que é sempre bem-vindo. Mas a sociedade cansou de esperar. Ela está reinventando a própria governabilidade.

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