Diz-se que não é nada fácil chegar ao Paraíso. Para quem já tentou ir aos parques estaduais Carlos Botelho e do Alto Ribeira (PETAR), que preservam um pequeno éden de Mata Atlântica no interior de São Paulo, o dito popular era a mais pura verdade. A SP-139, que corta o Carlos Botelho, e a SP-165, único acesso ao Alto Ribeira, tinham condições para lá de sofríveis. Na primeira, levava-se em média 4 horas para se cobrir um trecho de apenas 33 quilômetros. Na outra, em dia de chuva, nem cavalo passava. Os usuários pediam providências. O governo estadual até se dispunha a consertá-las. Mas tinha pela frente um problema para engenheiro nenhum botar defeito.
As duas estradas cortam parques, o que de cara descartava o método tradicional para por rodovias em condições de trânsito adequadas: asfaltá-las. A lei proíbe que isso seja feito em vias que atravessam áreas de preservação. A solução foi tentar achar uma tecnologia que desse ao motorista que freqüenta a SP-139 e a SP-169 a sensação que ele estivesse passando sobre asfalto, só que com as rodas em terra. Quem resolveu o problema, empregando apenas matéria-prima natural, foi o pessoal da Companhia de Desenvolvimento Agrícola do Estado de São Paulo. Em 7 anos, essa turma recuperou quase 5 mil quilômetros de estradas rurais em São Paulo. Em nenhuma usou asfalto.
O primeiro passo foi nivelar a pista, cuja buraqueira impedia que os carros mantivessem suas quatro rodas no mesmo nível. Não foi fácil. Por ser área de Mata Atlântica, portanto floresta tropical, o índice pluviométrico na região é muito alto. E a chuva é o inimigo número um de qualquer estrada de terra. A água abre sulcos profundos, lava o leito e provoca deslizamentos. Nessa região há ainda dois agravantes: as minas e as nascentes. O Alto Ribeira possui a maior concentração de cavernas calcárias do mundo e o Parque Carlos Botelho abriga nascentes que abastecem as bacias do Paranapanema e do Rio Ribeira de Iguape. Essa formação geológica contribui para que as paredes da Serra estejam sempre úmidas, pingando água ininterruptamente.
Para neutralizar os estragos provocados pela água, empregou-se uma série de macetes. De cara, assim que a pista foi nivelada, os engenheiros deram a ela um formato convexo para forçar a água para as laterais. Depois foram construídos sistemas de drenagem nas margens que a encaminham para dentro de caixas de alvenaria. Delas, a água segue para tubulações subterrâneas que cruzam a pista e desemboca em uma escadaria, pela qual vai até os riachos vizinhos. Esse curso artificial é todo feito com madeira e pedras colhidas na região.
Madeira foi um dos materiais mais utilizados na recuperação das rodovias SP-139 e SP-165, principalmente nas encostas. Toras retiradas de áreas reflorestadas foram cravadas embaixo da estrada para dar sustentação ao terreno. A mesma técnica foi utilizada para a recuperação de voçorocas, que são crateras imensas provocadas por erosão. Apesar de ser uma reserva ambiental, o fluxo constante de água corrói as encostas e provoca deslizamentos de terra. A falta de manutenção levou as voçorocas a carcomerem vários trechos da pista. Para conter o solo, os técnicos também recorreram ao plantio de espécies nativas e ao uso de pedras próprias do local.
Todos os recursos naturais dos parques foram levados em consideração na revitalização das estradas, se não como matéria-prima, pelo menos como motivo de preocupação. Cascalhos retirados de jazidas a 60 km dali foram usados para fazer uma espécie de “asfalto” rudimentar, ecologicamente correto. Jogados sobre a pista, foram comprimidos contra a terra batida, aumentando sua aderência e permitindo que ela agüentasse melhor o fluxo de veículos. Na SP-139, por exemplo, circulam cerca de 100 veículos por dia além de uma linha de ônibus. Nos feriados, o número sobe para 300. Nos trechos mais íngremes, misturou-se cimento ao solo para dar mais segurança aos motoristas. Mesmo assim, a interferência na paisagem foi muito pequena.
Na hora do acabamento, os técnicos responsáveis pela obra também tiveram o cuidado de incluir lombadas feitas de argila e pedra para impedir que os carros andassem em alta velocidade. Essa decisão foi tomada pensando mais nos animais do parque, que ás vezes atravessam a pista, do que nos viajantes. O desafio imposto por lei de se construir uma estrada decente dentro de uma reserva ambiental sem usar asfalto levou à execução de um projeto criativo e bonito. Ainda ajudou a incentivar o ecoturismo na região e a animar os pesquisadores a fazerem estudos neste rico recanto de Mata Atlântica.
Só no Parque Estadual Carlos Botelho existem atualmente 100 projetos de pesquisa científica em andamento. A maioria foi estimulada pela facilidade de acesso à reserva. O parque abriga uma das maiores concentrações de biodiversidade do país. Lá moram onças-pintadas, muriquis e mono-carvoeiros – os maiores primatas das Américas. O Alto Ribeira também é um paraíso para os cientistas por possuir sítios arqueológicos, paleontológicos e 250 cavernas cadastradas. A “estrada-parque”, como o projeto foi apelidado, acabou também se tornando uma mão na roda para a população dos quatro municípios interligados pelas rodovias (São Miguel Arcanjo, Sete Barras, Iporanga e Apiaí). Agora, ela rola mais macio, sem prejudicar seu meio ambiente.
Leia também
Soluções baseadas em nossa natureza
Não adianta fazer yoga e não se importar com o mundo que está queimando →
COP da Desertificação avança em financiamento, mas não consegue mecanismo contra secas
Reunião não teve acordo por arcabouço global e vinculante de medidas contra secas; participação de indígenas e financiamento bilionário a 80 países vulneráveis a secas foram aprovados →
Refinaria da Petrobras funciona há 40 dias sem licença para operação comercial
Inea diz que usina de processamento de gás natural (UPGN) no antigo Comperj ainda se encontra na fase de pré-operação, diferentemente do que anunciou a empresa →