Por muito tempo, os mangues foram considerados uma lama sem valor que ocupava partes nobres do litoral brasileiro. Hoje sabe-se que eles são vitais para a saúde dos rios e mares, mas ainda assim continuam ameaçados. O I Encontro Interamericano de Educação Ambiental em Áreas de Manguezal, realizado no fim de outubro em São Francisco do Sul, Santa Catarina, concentrou-se na falta de conhecimento a respeito do ecossistema e na discussão de estratégias para conservá-lo.
Especialistas presentes ao encontro afirmaram que os mangues estão sendo engolidos por interesses econômicos. “A produção de camarões é responsável por 25% da destruição dos manguezais ao longo dos últimos 20 anos”, explicou Pablo Mascareñas, ativista do Greenpeace. A especulação imobiliária nas regiões costeiras também contribui para a destruição do ecossistema. O engenheiro agrônomo Gert Roland Fischer liderou em Joinville várias lutas contra as construtoras. “Nossa atuação foi muito importante, mas não tivemos força nem voluntários para fazer pressão junto ao poder econômico e político. As empresas têm consciência de que as áreas precisam ser preservada, mas também sabem que, com a ajuda do poder político, podem vender os terrenos ganhando muito dinheiro”, relata.
Na mesa-redonda Desastres ecológicos e legislação, o biólogo Mário Moscatelli, que luta pela preservação dos mangues da Lagoa Rodriogo de Freitas, no Rio de Janeiro, também apontou a omissão e a conivência do estado como o “maior desastre” para os manguezais.
Para a doutora em ciências Yara Schaeffer Novelli, a deficiência da educação ambiental explica em parte a falta de mobilização em torno do tema. “Se olharmos os livros didáticos do Brasil e pensarmos que temos manguezal da pontinha norte do Amapá até Laguna, em Santa Catarina, muito pouco está escrito sobre o tema. É impossível que haja consciência se não há sensibilização” afirmou.
Pouco se sabe, por exemplo, da importância dos mangues como proteção contra fenômenos climáticos. Em 1997, a tempestade tropical El Nino atingiu fortemente o Equador, e as áreas de mangue foram as mais preservadas. Foi o que relatou Josep Garip, do FAO (Fundo das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura). Segundo ele, as árvores dos mangues ajudaram a conter a erosão provocada pela violência do mar, das chuvas e do vento. “As áreas que tinham perdido a vegetação foram muito afetadas”, afirmou.
A flora dos mangues não é muito rica, mas é resistente e as raízes servem de abrigo para diversos animais. O manguezal funciona como um berçário para espécies de água doce e salgada, como o caranguejo e o marisco. O ambiente serve como um refúgio para os animais jovens e uma fonte de alimento para espécies que vivem no mar e visitam o mangue na maré alta. Há também casos como o de cobras que habitam a restinga, ou até Mata Atlântica, mas vão aos manguezais à procura de comida.
Em Maragogipe, na Bahia, existe há cinco anos uma ONG chamada Centromangue, cujo objetivo é preservar o ecossistema e educar a população local. Foi lá que surgiu o grupo Cantarolando. Um dos integrantes, o professor Carlos Antonio Santos de Oliveira, ressalta que a beleza do mangue está nos olhos de quem vê. É este sentimento que pretendem despertar, através da música. “Não é a força bruta nem a fiscalização que podem mudar a consciência de um homem. A fiscalização é importante, mas o instrumento de mudanças virá da educação ambiental”. Apaixonar-se pelo mangue não é difícil. Para a marisqueira Rosalina Souza Almeida, o ecossistema foi motivo de inspiração: “Sou feliz porque nunca enxerguei a lama fedida, mas vi, na lama, uma geração de vida, para sustentar outras vidas, inclusive a minha”.
Valorizar a cultura popular em torno dos manguezais é considerada uma estratégia essencial para a sua preservação. “Nós ficamos preocupados com a extinção dos animais, das plantas. Hoje existe até clonagem, mas você não pode clonar a cultura”, comparou a professora doutora Clarice Panitz, presidente do Encontro.
Um dos personagens do folclore dos manguezais é a “Vovó do Mangue”, uma velhinha que castiga quem não preserva o ecossistema. Carinhosamente associada à figura lendária, a doutora Marta Vanucci (foto) foi homenageada durante o encontro. Ela veio da Itália, onde é vice-presidente da International Society for Mangrove Ecosystems (ISME), e recebeu o título de Vovó do Mangue por sua defesa intransigente deste ecossistema: “Um dos maiores desastres da humanidade é o mosquito da malária. Faço questão de dizer que não há malária nos manguezais. Depois do desmatamento, de serem danificados, é que a malária aparece”. Na opinião de Marta, encontros como o realizado na cidade catarinense aproximam a comunidade científica e a sociedade civil, e são um dos caminhos para transformar a teoria em prática. “Ficou evidente que o ponto-chave no processo de recuperação dos manguezais é o elemento humano”. E deu como exemplo algo que todo ser humano entende: “Seria possível amar os mangues com seus mosquitos ou atoleiros? Claro que sim! Pois amar implica em descobrir os valores do ser amado”.
O I Encontro Interamericano foi realizado junto com o VII Encontro Brasileiro de Educação Ambiental em Áreas de Mangue, e reuniu cerca de 400 pessoas. A versão nacional do evento foi planejada para acontecer a cada dois anos, mas sua última edição aconteceu em 2000, no Pará. Os organizadores atribuíram à falta de recursos o lapso de quatro anos entre o último encontro e este.
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