Depois do Parque Estadual do Xingu, chegou a vez do Parque Estadual Serra de Ricardo Franco ceder espaço para a agricultura. O governo do Mato Grosso quer transformar 100 mil dos 158 mil hectares do Parque em área cultivável. O motivo seria a falta de recursos para indenizar os proprietários rurais cujas terras estão dentro da área original.
A explicação foi dada pelo diretor de Unidades de Conservação da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fema), Júlio César Barbedo. Ele diz que reduzir os Parques foi a solução encontrada pelo governo para administrá-los sem criar conflitos com os proprietários. “O Parque do Xingu foi uma coisa bem tranqüila. Nós agrupamos o parque em limites naturais, ficou perfeito para a administração. Com o Ricardo Franco também estamos propondo uma área administrável”.
Para Miguel Milano, um dos conservacionistas mais respeitados do Brasil, que atualmente dirige a Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, a proposta do governador Blairo Maggi é injustificável. “Mato Grosso tem uma área do tamanho da Bolívia e uma população de 2,5 milhões de pessoas. Isso indica que existem terras suficientes para a produção agrícola”, afirma. “O governo estadual evidencia uma posição política desconectada da realidade ambiental, fechando os olhos a todas as tendências de conservação”, completa. Milano lembra ainda que o Brasil tem menos áreas protegidas do que o mínimo necessário para garantir amostras de sua biodiversidade.
Fátima Sonoda, gerente executiva da Fundação Ecotrópica e ex-coordenadora de Unidades de Conservação da Fema, encara como perigosa a redução de parques pelo critério econômico. “O critério puramente econômico pode causar uma supressão de áreas importantes que justificaram a criação da unidade de conservação. Se esse for o critério, em breve poderá não haver mais áreas protegidas no Brasil”, alerta. Mesmo reconhecendo que o estado não tem verba para criar unidades de conservação, Fátima considera inaceitável a redução dos Parques, principalmente em áreas visadas por produtores rurais. “É dever do estado promover a desapropriação com os mecanismos legais existentes, como as compensações de empreendimentos, compensações de reservas legais e garantir no orçamento recursos para a desapropriação, estabelecendo critérios e prioridades”. Ela afirma que se a expansão da soja prosseguir no ritmo atual, ficará complicada a situação das unidades de conservação nas fronteiras agrícolas.
Para compensar a redução do Parque Serra de Ricardo Franco, a Fema propôs a criação de uma Área de Preservação Ambiental (APA), com aproximadamente 70 mil hectares, dentro da área a ser excluída do limite original. Antes do projeto ser encaminhado à Assembléia Legislativa, uma comissão formada por proprietários rurais e moradores de Vila Bela estudará a proposta. “Nós vamos fazer um acerto nas áreas abertas antes da criação do parque, levando os limites até o pé da serra”, afirma Júlio César Barbedo.
Armando Barriguela Filho, presidente do Grupo de Amigos Unidos pela Natureza (Graúna), que integra o Conselho do Parque Serra de Ricardo Franco, afirma que a diminuição da unidade de conservação será um desastre. “O parque foi criado para ser um corredor ecológico, um elo de ligação com o Parque Noel Kempf, na Bolívia. Com a redução da área, este corredor ficará inviável”, argumenta. “Nós propusemos a criação da comissão para avaliar a proposta da Fema antes de ser encaminhada à Assembléia Legislativa porque queremos fazer uma contraproposta para assegurar uma proteção maior”, explica.
O município de Vila Bela foi a primeira capital do Mato Grosso, concentra o segundo maior rebanho de gado bovino do estado e agora está abrindo espaço para a soja. O prefeito Joel Pereira (PPS) confirma a tendência. “A soja está entrando em nosso município. Somente este ano nós plantamos entre 8 mil e 10 mil hectares de soja. Já é um começo. As terras de Vila Bela estão entre as melhores do estado. Então queremos que nessas áreas livres entre a agricultura”, afirma. Para o prefeito, o parque pode existir desde que não crie conflito com as atividades rurais. “Nós somos favoráveis ao parque, mas somos contrários que ele ocupe áreas produtivas”, diz.
O Parque Estadual Serra de Ricardo Franco foi criado por decreto em 1997 com 158.620 hectares de extensão. Cerca de 1 milhão de reais foram investidos na região, em estudos ecológicos e convênios com a prefeitura para ajudar na fiscalização. Mesmo assim, desde sempre a unidade sofre invasões e retiradas ilegais de madeira. No ano passado, o deputado estadual José Riva (PP) tentou, sem sucesso, reduzir o parque com o projeto de lei nº 158, alegando que 50 proprietários rurais desenvolvem atividades econômicas no local.
O Parque Ricardo Franco localiza-se nas terras altas da Amazônia Ocidental, no chamado Vale do Guaporé, entre os estados de Mato Grosso e Rondônia. A região possui um dos mais ricos ecossistemas do estado, com áreas de transição entre a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal. Essa mistura provoca um alto grau de diversidade biológica e sua conservação é apontada há anos como prioritária. “A primeira e segunda etapas do Plano Nacional de Unidades de Conservação, de 1979 e 1982, já apontava a região de Ricardo Franco como prioritária para a conservação”, revela Miguel Milano.
Será um triste destino receber a mesma sentença do Parque Estadual do Xingu, localizado no município de Santa Cruz do Xingu, que no ano passado perdeu 39 mil hectares de Cerrado por decisão da Assembléia Legislativa de Mato Grosso. O principal argumento era de que seus limites não eram adequados para uma gestão eficiente. A amputação foi decretada dois anos depois de sua criação. Dos 134.463 hectares originais, o Parque do Xingu sobrevive agora com apenas 95.025 hectares. Das 38 unidades de conservação de Mato Grosso, 35 são estaduais e apenas três federais.
O Ibama do Mato Grosso diz não ter conhecimento suficiente da situação para se pronunciar. Alega também que o assunto não lhe compete, uma vez que a gestão dos Parques cabe ao governo estadual.
* André Luís Alves é jornalista ambiental em Cuiabá (MT), com especialização em Antropologia. É um dos moderadores da Rede Brasileira de Jornalistas Ambientais (RBJA).
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