Reportagens

Elas estão voltando

As baleias jubarte, habitués da costa baiana, estão redescobrindo o resto do litoral nordestino. Uma expedição de dois meses registrou esse ressurgimento.

Carolina Elia ·
26 de novembro de 2004 · 20 anos atrás

No litoral nordestino, está ficando comum, além dos turistas, a presença de baleias – principalmente jubartes. É uma novidade. Até bem pouco, os cetáceos que freqüentavam a região se restringiam à costa baiana. Intrigados com o fenômeno, pesquisadores do Projeto Baleia Jubarte montaram a expedição Cetáceos do Nordeste e navegaram 1.500 milhas náuticas à procura das ilustres visitantes.

As jubartes avistadas pelo caminho só faltaram acenar para os integrantes da equipe. Aliás, acenaram. Elas têm o costume de exibir as longas nadadeiras peitorais quando estão perto da superfície e o gesto foi observado várias vezes. Em 55 dias, entre setembro e novembro, os biólogos registraram 31 grupos de baleias jubarte e 40 de outros tipos de baleias e golfinhos entre Sergipe e o Rio Grande do Norte. Ao todo, foram encontradas 59 baleias jubartes, sendo 19% filhotes.

Parece que as jubarte curtem fazer turismo familiar no nordeste. Em todos os estados onde foi localizado esse tipo de baleia, havia também filhotes. A freqüência surpreendeu os pesquisadores, que passaram a suspeitar que as áreas do norte da Bahia funcionam como berçários. As baleias acasalam na região e onze meses depois voltam para ter filhotes sergipanos, pernambucanos e paraibanos. “O Rio Grande do Norte foi o único estado onde não vimos baleias jubarte, mas pesquisadores locais nos mandaram fotos de algumas observadas por lá”, conta Clarêncio Baracho, biólogo do Projeto Baleia Jubarte e participante da expedição.

As baleias jubarte são divertidas e fáceis de serem observadas. Se locomovem no máximo a 27 km/h, são dóceis e acrobáticas: saltam para fora d’água, expõem a cabeça, o dorso e as nadadeiras. Além do mais, cantam. Na temporada reprodutiva, os machos ganham as fêmeas no gogó. Eles emitem sons complexos para atrair as parceiras e afastar os rivais. A cantada varia. Segundo o Projeto Jubarte, que grava os cantos desde 1995, a “canção” do começo da temporada de acasalamento é diferente da emitida no fim do mesmo período. Em cinco anos o som muda radicalmente.

As jubarte fazem parte da Lista Oficial de Espécies Ameaçadas de Extinção do IBAMA. Calcula-se que 95% da população dessa espécie tenha sido dizimada durante o período em que a caça às baleias era permitida. A prática só foi banida mundialmente em 1986 e atualmente devem existir apenas 25 mil baleias jubarte nos oceanos. Na Paraíba, uma indústria nipo-brasileira de caça funcionou até 1985 e quase liquidou todas as grandes baleias que freqüentavam a costa nordestina. Aos poucos, elas estão voltando a freqüentar a região e os pesquisadores querem que continue assim.

Durante a expedição foram coletadas amostras genéticas para identificar não apenas o sexo, que não é possível distinguir a olho nu, mas o grau de parentesco das visitantes com outras populações mundiais. Estudos parecidos permitiram a pesquisadores descobrir que baleias minkes pescadas ilegalmente no Atlântico estavam sendo vendidas pela Noruega ao Japão. Essas amostras são pedaços de pele e gorduras que ajudam a identificar características do animal e do habitat em que ele vive. Como por exemplo, o grau de contaminação química de determinadas áreas do oceano.

Metais pesados provenientes de dejetos industriais se acumulam
na camada de gordura dos animais e são transferidos através da cadeia alimentar. Os mamíferos marinhos costumam ter um alto índice dessas substâncias nos tecidos, por serem predadores e estarem no topo da cadeia alimentar. Esse tipo de contaminação destrói o sistema imunológico, diminui a capacidade reprodutiva e danifica rins, fígado e o sistema nervoso das baleias. Até o fim do ano, participantes da Expedição Cetáceos do Nordeste esperam concluir as análises do material genético coletado na viagem.

As baleias avistadas durante a viagem também foram fotografadas para serem catalogadas e comparadas com outras que já passaram pelo litoral nordestino. As jubarte têm manchas pretas e brancas na cauda que funcionam como impressões digitais e permitem a identificação individual. A partir daí é possível estudar as relações sociais, o deslocamento, a história da espécie e outros fatores. Usando essa técnica, o Projeto Baleia Jubarte já cadastrou aproximadamente uma população de mil baleias na região de Abrolhos e pretende aprofundar cada vez mais o monitoramento da espécie. Tudo para que elas nunca mais tenham motivos para deixar de freqüentar as águas quentes do nordeste brasileiro.

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