Com os motores desligados, o navio flutuava à deriva próximo da ilha de Maui, no Havaí, quando duas baleias-jubartes se aproximaram. Próximo da superfície da água, os dois animais colossais interagiam, um perseguindo o outro ao redor da embarcação. A coloração amarronzada e aspecto debilitado de uma delas chamou atenção dos pesquisadores, que começaram a fotografar o balé subaquático com suas câmeras à prova d’água. Durante toda essa interação, num comportamento inusitado, a baleia perseguidora exibia seu pênis, normalmente retraído internamente. Após algum tempo no encalço, ela finalmente conseguiu o que queria, dando início ao primeiro registro de sexo com penetração entre jubartes. O que os fotógrafos ainda não sabiam é que o ineditismo desses registros era ainda maior, pois tratavam-se de dois machos.
Todo comportamento durou aproximadamente 30 minutos e foi documentado em janeiro de 2022. A identificação dos indivíduos foi feita a partir das fotos das caudas – únicas em cada jubarte – comparadas na plataforma de ciência cidadã Happywhale, base de dados com mais de 121 mil indivíduos já identificados.
Descobriu-se então que a jubarte acossada era o indivíduo “#PWF-NP_5016”, um macho registrado por pesquisadores do Pacific Whale Foundation em 2020. Já o outro macho era “#PWF-NP_3754”, registrado pela primeira vez em 1993.
O macho perseguido estava visivelmente debilitado, um fator que pode ser relevante sobre o comportamento observado, indicam os pesquisadores. Seu corpo estava coberto de ectoparasitas conhecidos como piolhos-de-baleia (Cyamus boopis), que se proliferam em baleias machucadas e que dão a aparência descolorida à sua pele. Além disso, pelas fotos foi possível confirmar que ela estava com um grande machucado na mandíbula.
“O comportamento animal é moldado por uma interação complexa de motivações e estímulos externos e internos, dificultando aos pesquisadores a atribuição de uma causa para o comportamento observado”, explicam os cientistas em trecho do artigo – publicado na última semana no periódico Marine Mammal Science – que descreve a observação inédita. Liderado pela pesquisadora Stephanie H. Stack, da Pacific Whale Foundation, o artigo teve a participação crucial dos cientistas comunitários Lyle Krannichfeld e Brandi Romano, responsáveis pela observação e registros inéditos.

Os autores listam três explicações possíveis ao comportamento: a de que o perseguidor tentava acasalar com uma fêmea e cometeu um engano; de que esta fosse uma forma de reforçar algum tipo de relacionamento social com o macho doente; ou de que uma expressão de dominação sobre o mais fraco e debilitado.
Ainda que sejam estudadas há décadas, a vida sexual das baleias-jubartes (Megaptera novaeangliae) ainda é, em sua maior parte, um enigma. Relatos de observação de machos com o pênis exposto, ou seja, para fora, são relativamente raros e a copulação entre jubartes (macho e fêmea) nunca foi documentada.
“Os dados limitados disponíveis sobre esse comportamento enfatizam a necessidade de mais pesquisas para explorar as motivações, implicações e fatores potenciais que influenciam tais interações, especialmente no contexto de indivíduos saudáveis”, conclui o artigo.
Entre os mamíferos marinhos, comportamentos homossexuais já foram observados em diversas espécies como o boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis), espécie que vive nos rios da Amazônia; o golfinho-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus); o golfinho-pintado-do-atlântico (Stenella frontalis); e a orca (Orcinus orca), para citar quatro espécies que ocorrem no Brasil.
As motivações por trás deste comportamento não-reprodutivo em diferentes animais vão desde aprender ou praticar a cópula, estabelecer ou reforçar relações de dominação, forçar alianças sociais ou até mesmo reduzir a tensão social.
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