O Governo já reservou, no orçamento de 2005, quase 2 bilhões de reais para iniciar a transposição das águas do rio São Francisco. Mas a grandiosa obra do Ministério da Integração Nacional ainda não está garantida. A aprovação do projeto tem esbarrado na oposição do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco e em uma série de ações na Justiça.
O último tropeço aconteceu nesta terça-feira, 30, quando o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) se reuniu em Brasília para votar um parecer técnico da Agência Nacional de Águas (ANA). O documento afirma que o São Francisco tem água suficiente para suprir o projeto de transposição, sem prejuízos à saúde do rio. Sua aprovação pelo CNRH era considerada pelo governo um passo fundamental para fazer caminhar o licenciamento ambiental do projeto. Mas uma liminar apresentada às 10 horas da manhã suspendeu a reunião. Segundo ela, o CNRH não teria competência para deliberar sobre o assunto.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, já estava no auditório do Ibama, e como presidente do CNRH preparava-se para abrir os trabalhos, quando soube da liminar. Metade das cerca de cem pessoas presentes aplaudiu a notícia. Representantes de ONGs, universidades e órgãos públicos vieram de vários estados para pressionar o Conselho a rejeitar o parecer da ANA. Entre faixas e cartazes, havia até um grupo de “forró ecológico” contra a transposição do São Francisco. A outra metade do público era formada por defensores do projeto. Contrariando as expectativas, o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, não compareceu ao evento.
A liminar foi expedida pela juíza substituta da 16ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, Iolete Maria Fialho de Oliveira. Um dos autores da ação, o procurador Francisco Guilherme Bastos, do Ministério Público Federal, afirmou que “o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco é o órgão legitimado para adotar as medidas adequadas ao devido controle e gestão das águas, por conta da participação plural dos diversos representantes da sociedade”. A promotora Cristina Rasia Montenegro, que também assinou a ação, disse que o governo está tentando “suprimir” o Comitê da Bacia Hidrográfica do processo. “Essa postura está na contramão da democracia”, alegou. Outras três ações semelhantes tramitam na Justiça do Sergipe, e uma na Bahia.
O Comitê abriu um processo administrativo para analisar a viabilidade da utilização das águas do São Francisco, mas ainda não divulgou uma posição final. Por enquanto, sobram críticas aos planos do governo, em especial no que se refere à utilização das águas para fins industriais e comerciais. Este consenso já existe: transposição, só se for para matar a sede da população. É o que defende José Carlos Carvalho, presidente do Comitê da Bacia do São Francisco, secretário de Recursos Hídricos de Minas Gerais e ex-ministro do Meio Ambiente. Para ele, o governo está politizando o debate. “Temos todo interesse de continuar o debate sobre a transposição, mas um debate técnico. A Bacia do São Francisco tem hoje escassez de água. O maior exemplo disso é que hoje comunidades ribeirinhas do São Francisco em algumas ocasiões são abastecidas com carros-pipa”.
Enquanto o Comitê quer discutir detalhadamente a destinação das águas da Bacia, o governo tem pressa. Na última reunião do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), em 29 de outubro, foi aprovado um pedido do Ministério da Integração Nacional para que se analisasse, em regime de urgência, o uso das águas do São Francisco no projeto de transposição. Para isso foi convocada a reunião extraordinária desta terça-feira, 30 de novembro. Nela seria apreciada a nota técnica de número 492 da Agência Nacional de Águas (ANA), que afirma que o São Francisco “tem capacidade para fornecer água a regiões do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, para uso urbano, industrial e agrícola, entre outros”.
Segundo os membros do Comitê da Bacia do São Francisco, deixar a decisão nas mãos do Conselho equivale a aceitar todas as propostas do governo, uma vez que a maioria dos conselheiros representa órgãos do Poder Executivo.
O secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente e secretário-executivo do CNRH, João Bosco Senra, diz que a intenção do Conselho é “assegurar o debate”. Para ele, o Conselho e o Comitê “são instâncias diferentes, com competências diferentes”. Por isso discorda da decisão judicial. “Vamos acatar a decisão da Justiça, mas asseguramos que o Governo tem a prerrogativa para fazer acontecer essa reunião”. É o mesmo pensamento do chefe de gabinete do Ministério da Integração Nacional, Pedro Brito. “A Advocacia Geral da União já está procurando, neste momento, derrubar a interdição do debate”, afirmou.
Em nota oficial, o Ministério do Meio Ambiente afirmou que está tomando “as medidas legais cabíveis para garantir que o Conselho Nacional dos Recursos Hídricos exerça sua competência de deliberar sobre a matéria”. Caso a liminar seja derrubada, uma nova reunião do CNRH deve ser marcada para um prazo de 15 dias.
O Ibama esclareceu que o episódio não altera o calendário das audiências públicas nos Estados, que acontecerão a partir da próxima segunda-feira, 6 de dezembro.
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