No conflito em torno da hidrelétrica de Barra Grande, que pode derrubar mais de 4 mil hectares de Mata Atlântica ao longo do rio Pelotas, na fronteira entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a balança voltou a pender para o lado dos ambientalistas. Na quinta-feira, 16, o desembargador Vladimir Passos de Freitas, que há menos de um mês havia suspendido uma liminar que impedia a derrubada da floresta, reconsiderou sua decisão e, com um despacho, revalidou a liminar. Agora a empreiteira Baesa, responsável pela obra, está novamente proibida de prosseguir com a retirada das árvores. O desembargador também determinou a realização de uma audiência de conciliação.
A decisão aconteceu na véspera do julgamento de um agravo movido pela Rede de Organizações Não-Governamentais da Mata Atlântica e pela Federação das Entidades Ecologistas de Santa Catarina (Feec). Na sexta-feira, 17, um grupo de 15 desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, em Porto Alegre, iria decidir se mantinha a suspensão da liminar ou se aceitava o agravo dos ambientalistas. Mas o despacho do desembargador Vladimir, que é presidente do TRF, dispensou o julgamento.
Foi uma reviravolta inesperada. Os advogados das ONGs ambientalistas vinham tentando conversar com os desembargadores para convencê-los da gravidade da situação em Barra Grande, mas consideravam difícil que a decisão prévia do presidente do TRF fosse derrubada por seus pares. Na quarta-feira, procuraram o próprio Vladimir, num último esforço de explicar melhor seus argumentos. Foram pegos de surpresa com a reação do desembargador. Observando as fotos aéreas da Mata Atlântica na região da hidrelétrica, ele se mostrou espantado e disse desconhecer o estágio de preservação e o tamanho da floresta a ser desmatada. “Às vezes uma imagem vale mais do que mil palavras”, comemorou Mauro Figueiredo, advogado da Aprender (Ações para Preservação dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Econômico Racional).
Diogo Ribeiro Daiello, que esteve com o desembargador no encontro determinante para a decisão, diz que Vladimir Passos de Freitas é considerado “um ícone do direito ambiental”, e por isso estaria se sentindo desconfortável por ter derrubado a liminar. “Ele ficou em uma situação delicada, e nós insistimos que é preciso tempo para conversar, enquanto as árvores ainda estão de pé”, contou Diogo.
No texto do despacho, o desembargador afirma que “persiste um complexo conflito de interesse no qual ressaltam acusações sérias de que no Estudo de Impacto Ambiental a empresa Engevix omitiu dados de extrema relevância, como a existência de mais de 2 mil hectares de Mata Atlântica primária, notadamente remanescentes de araucárias”. Diz que “agora, com mais dados”, considera “obrigatória a tentativa de encaminhar o caso de forma diversa”. E comenta sua própria responsabilidade: “A função do Presidente do Tribunal neste tipo de processo é mais política que jurídica. (…) Cabe ao Presidente procurar viabilizar a solução que melhor atenda ao interesse público”.
Segundo João de Deus Medeiros, um dos líderes da campanha da Feec contra a hidrelétrica de Barra Grande, os argumentos utilizados no agravo aceito pelo desembargador são os mesmos que constam na liminar derrubada por ele. “Não tem nada de informação nova, a liminar do juiz Osni Cardoso Filho já ressaltava as características da área”. Da mesma forma, a fraude no Estudo de Impacto Ambiental e o fato de se tratar de investimento privado, e não público — razões levadas em conta pelo despacho — também eram conhecidos desde a petição inicial contra a obra.
Na opinião de João, o presidente do TRF voltou atrás por reconhecer que a decisão anterior não teve fundamentação consistente. “Outros desembargadores deixaram escapar posições que corroboravam a liminar. Ele deve ter feito uma sondagem e percebido que o Tribunal ia reformar sua decisão”.
Agora a situação da hidrelétrica de Barra Grande volta à mesa de negociação, com o agendamento, para terça-feira, 21, de uma nova audiência de conciliação entre as partes.
Mas haverá conciliação possível? João de Deus Medeiros diz que os ambientalistas querem a revisão do Estudo de Impacto Ambiental. Ele admite conversar com a empreiteira Baesa sobre a possibilidade de aproveitar a hidrelétrica poupando ao menos a vegetação mais preservada, que cobre cerca de 2 mil hectares. “Queremos que o empreendedor refaça o estudo e apresente informações precisas. Se for possível reduzir o lago para aquela faixa não ser inundada, podemos discutir”. Caso contrário, não tem conversa. Os ambientalistas vão lutar na Justiça para que se decrete a nulidade da licença de construção, a demolição da hidrelétrica e a obrigação de recuperar a vegetação afetada.
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