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Série de reportagens sobre a expansão do desmatamento em Rondônia ganha destaque no jornal O Globo. É fato raro ver o meio ambiente na pauta da grande mídia.

Lorenzo Aldé ·
24 de janeiro de 2005 · 20 anos atrás

Quando o meio ambiente chega à primeira página de um grande jornal e o assunto não é uma catástrofe natural ou um discurso político, a própria notícia merece virar notícia. Foi o que aconteceu no domingo, 23 de janeiro, quando O Globo destacou na capa a reportagem “Amazônia clandestina”, de Chico Otávio (na foto, de cavanhaque), sobre Rio Pardo, uma vila que surgiu há 6 anos no interior de Rondônia, mais precisamente no interior da Floresta Nacional do Bom Futuro.

Nos dias seguintes, o jornal abriu espaço para mais duas reportagens de Chico Otávio sobre a região. A primeira explicando por que a cidade de Buritis, “ponto de partida do Arco do Desmatamento”, é recordista em crescimento demográfico no país. A segunda mostrando que a prática de invasões de reservas ambientais não se restringe à Floresta Nacional do Bom Futuro. Denúncias dizem que já são 23 as áreas ocupadas ilegalmente.

A idéia para a série de reportagens surgiu num plantão de Chico Otávio entre o Natal e o Ano Novo. Redação vazia, período de escassas notícias, chegou às suas mãos um estudo do IBGE chamado “Tendências Demográficas”, uma análise sobre as informações populacionais do Censo de 2002. “Fiquei interessado em saber as cidades que mais cresceram e encolheram no país, um dado que não constava na pesquisa. Pedi o ranking ao IBGE e fui apresentado a Buritis”, conta Chico, que por leituras prévias já tinha algum conhecimento sobre a ocupação de Rondônia. Pesquisa no Google, uma conversa com a vice-prefeita da cidade, e ficou pronta a matéria “Um país em movimento”, publicada em 29 de dezembro, contando que “as cidades do Arco do Desmatamento incham enquanto outras 27% encolhem”, com especial atenção para a recordista Buritis.

Mas a pauta da cidade que em 13 anos pulou de 3.600 para 45 mil habitantes no coração da Amazônia podia render mais. Foi o que sugeriu o editor-executivo Luiz Novaes, o Mineiro: “O que fizemos foi bom, mas foi uma matéria. Vamos fazer uma reportagem”. A idéia era mandar uma equipe para conhecer de perto o caso de Rondônia, e outra para o oeste do Paraná, onde estão as cidades que mais encolheram.

Para chegar até Buritis, ele e o repórter fotográfico Michel Filho foram de avião até Porto Velho e depois alugaram um carro. Foram 5 horas numa estrada em péssimo estado de conservação, margeada por fazendas, pastagens e algumas matas preservadas em encostas de difícil acesso. Chegando ao eldorado amazônico, o jornalista levou um susto. “Esperava ver prosperidade, mas o que vi foi uma oportunidade perdida. É incrível como, depois de tantas conquistas na área ambiental, ainda se repetem os mesmo erros de ocupação. Sempre a mesma fórmula de alto impacto ambiental para baixo impacto econômico e social”, diz ele sobre a cidade castigada pela malária e pela violência.

A viagem, a princípio movida por uma notícia demográfica, tomou definitivamente o rumo ambiental quando Chico Otávio ficou sabendo da existência da vila Rio Pardo, que não consta no mapa mas já reúne entre 600 e 1.500 famílias invasoras na Floresta Nacional do Bom Futuro. “Quando descobri Rio Pardo, vi que era jornalisticamente muito mais forte”, conta. Para chegar lá, precisou trocar o “golzinho” alugado por uma “toyotona” com tração nas quatro rodas. Ainda assim, levou três horas para percorrer 70 km, passando até dentro de rio.

As agruras do caminho não impediram a ocupação humana e a desenfreada exploração econômica da floresta. Incentivo oficial? “Os políticos assumem isso”, confirma Chico. “Na cabeça desses caras, floresta em pé é atraso. Floresta no chão é desenvolvimento. O Ibama é o diabo em forma de instituição”. Cabe ao “diabo” a única resistência à voracidade de madeireiros e pecuaristas, escondidos atrás do discurso da justiça social para pobres sem-terra. No Ibama local, Chico encontrou “extrema lucidez”, na figura da gerente interina Nanci Maria Rodrigues da Silva. Foi ela quem lhe mostrou as fotos de satélite comprovando um buraco de cerca de 7% na área da reserva florestal.

Na segunda-feira, dia 24, Nanci ainda não tinha lido a primeira reportagem do O Globo, mas ficou feliz ao saber que ela foi publicada. “A mídia tem força muito grande na condução do processo. Aqui a imprensa é meio parada. O poder político sempre tem uma tendência”, diz. E aproveita para reforçar as denúncias contra os principais políticos locais, incluindo o presidente da Câmara dos Vereadores, que comandam um esquema de invasão e loteamento de terras públicas, pelo qual recebem votos depois. Recentemente, o Ibama retirou invasores do Parque Nacional Pacaás Novos, em Campo Novo de Rondônia, município vizinho a Buritis.

Foi com este furo de reportagem sobre a expansão descontrolada no Norte do país e a conivência das autoridades com crimes ambientais que Chico Otávio voltou para o Rio de Janeiro. Aos 42 anos, ele já tem experiência jornalística tanto em meio ambiente quanto em esquemas criminosos. Em 2002, com Ana Lúcia Azevedo e Roberta Jansen, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo na categoria Informação Científica, Tecnológica e Ecológica com uma série de quatro cadernos chamada “Planeta Terra”, sobre os dez anos da Conferência Eco-92 (que ele cobrira como repórter). No mesmo ano levou também o prêmio de Melhor Reportagem pelo trabalho “Sentenças suspeitas”, sobre um esquema fraudulento no Tribunal de Justiça do Rio.

Mas como é que sua reportagem ambiental chegou à capa do Globo? Foi uma mistura de negociação e oportunidade. A negociação ficou por conta do que chama de “choro de repórter”. “Não custa nada abrir espaço para outras notícias”, argumenta. A oportunidade deve-se à época do ano, que na verdade foi o que viabilizou a matéria. Chico explica: “Com o Congresso em recesso, é hora de olhar para o resto do Brasil. O orçamento do jornal fica mais simpático a outras pretensões”.

Quando os políticos voltam à ativa, reduz-se o espaço para falar do chamado “Brasil profundo”. “É caro bancar reportagens assim. Envolve passagens de avião, carro alugado, hotel, às vezes tem que alugar até barco. Cobrir a Amazônia não é fácil”, diz Chico, ressaltando que não é por falta de interesse dos repórteres que os temas ambientais têm pouca relevância no noticiário. “Tem muita coisa boa para escrever, pelo país afora”. Falta a grande imprensa resolver descobrir este Brasil.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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