O Conselho Gestor do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos está mobilizado para reivindicar o restabelecimento da Zona de Amortecimento dessa unidade de conservação, cancelada pelo Ibama em março, após uma batalha judicial de mais de 15 anos. Para questionar os riscos envolvidos e demandar uma solução definitiva, os conselheiros decidiram criar um Grupo de Trabalho, em reunião realizada no dia 12 de abril. Eles temem pela vulnerabilidade dessa região do Sul da Bahia que ainda concentra a maior biodiversidade do Atlântico Sul e tem grande importância para sustentar atividades socioeconômicas compatíveis com a sua conservação, como o ecoturismo e a pesca artesanal.
“Com o fim definitivo da Zona de Amortecimento, tanto o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, que hoje representa apenas 1,8% do Banco dos Abrolhos, como toda a região, perdem uma importante ferramenta de proteção e gestão, deixando não só o meio ambiente desprotegido, mas também traz vulnerabilidade para as principais atividades econômicas da região, como o ecoturismo e a pesca artesanal”, alerta Eduardo Camargo, coordenador-geral do Projeto Baleia Jubarte. No atual cenário político-institucional, desfavorável às agendas socioambientais, o ambientalista opina que “atividades com grande potencial de impacto, como exploração de hidrocarbonetos, mineração e pesca industrial têm mais facilidade de implantação”.
Para Felipe Buloto, integrante do Conselho Gestor como representante das operadoras de turismo credenciadas pelo Parque dos Abrolhos, o cancelamento definitivo da Zona de Amortecimento representa insegurança jurídica e tende a estimular, principalmente, projetos de exploração de petróleo na região. Ao reforçar a mensagem de mobilização dos conselheiros contra essa medida considerada de alto risco socioambiental, questionou: “Onde já se viu o primeiro parque nacional marinho do Brasil não ter uma Zona de Amortecimento?” Ele também considera inadmissível que uma UC que ocupa menos de 2% do Banco dos Abrolhos fique sem essa importante faixa de proteção no seu entorno.
Criada em 16 de maio de 2006 pela Portaria nº39, do Ibama, a Zona de Amortecimento do Parque dos Abrolhos teve o seu cancelamento em definitivo confirmado pelo órgão ambiental a partir da publicação da Portaria Normativa nº 14, de 18 de março de 2022. Segundo informado pela sua assessoria de imprensa, a medida teve como embasamento, “uma determinação judicial do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, conforme publicado no Diário Oficial da União (DOU), em 21 de março de 2022”. “Como se trata de decisão judicial transitada em julgado, não cabe mais recurso ao Ibama, apenas o cumprimento da referida decisão”, acrescenta o comunicado.
O Ministério Público Federal da Bahia (MPF-BA) informou por intermédio de sua assessoria de imprensa, que o procurador da República, José Gladston, que atua no caso, “instaurou notícia de fato em 23 de março, solicitando informações ao ICMBio e ao Ibama”. Essa representa uma etapa anterior à instauração do inquérito na qual são reunidos elementos para que o procurador avalie se a investigação é cabível.
Antecedentes da disputa judicial
Como parte do imbróglio jurídico que envolve a Zona de Amortecimento do Parque, em 2007, a sua portaria de criação foi anulada pela 7ª Vara da Justiça Federal em Brasília, em resposta às ações judiciais movidas pelas prefeituras dos municípios baianos de Nova Viçosa e Caravelas. Desde então, vários recursos foram sendo julgados, até que a extinção definitiva tenha sido confirmada em março deste ano.
Naquele período, o juiz acatou argumentos de que somente um Decreto Presidencial ou uma Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) poderiam ter determinado o estabelecimento da Zona de Amortecimento em 2006 e não uma Portaria do Ibama, que, na época, respondia pela gestão das unidades de conservação federais. A partir de 2007, essa incumbência passou a cargo do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ao qual, na atualidade, se pretende reivindicar o restabelecimento dessa área de proteção no entorno do Parque dos Abrolhos.
No histórico das disputas judiciais que se travaram, desde a década de 2000, interesses de grandes empreendedores da carcinicultura (criação de camarão em cativeiro) pesaram contra várias medidas de conservação da natureza nessa região do Sul da Bahia. Mas mobilizações da sociedade que motivaram uma Ação Civil Pública no MPF-BA impediram a instalação de projetos com esse perfil.
Eduardo Camargo ressalta que, enquanto não foi julgado o último recurso judicial, a Zona de Amortecimento do Parque dos Abrolhos funcionava como um entrave e ainda garantia rigor em processos de licenciamento de empreendimentos que se pretendesse implementar nos seus limites. Ao decretar o fim dessa zona de proteção, ele reitera que os ambientalistas e pesquisadores temem que haja um estímulo aos projetos ambientalmente impactantes na região.
Camargo recorda que durante a gestão da ministra Izabella Teixeira, do Meio Ambiente, foi criado um Grupo de Trabalho que propôs uma minuta com o objetivo de garantir segurança jurídica ao entorno do Parque dos Abrolhos. Mas a proposta não se consolidou como expectativa do movimento ambientalista.
Para ele, agora é o momento oportuno de pressão da sociedade para que o ICMBio, como órgão responsável pela gestão das Ucs federais, elabore um novo decreto, capaz de restabelecer a Zona de Amortecimento do Parque, já foi questionada a validade do instrumento jurídico que criou essa ferramenta de gestão, mas não o seu mérito ou os limites definidos legalmente.
“Acreditamos que as melhores ferramentas para equilibrar o desenvolvimento com a conservação sejam as unidades de conservação que garantem, ainda, a participação da sociedade na gestão”, opina Camargo. O ambientalista considera essencial consolidar junto à sociedade, o entendimento de que desenvolvimento econômico depende da proteção do patrimônio natural.
O Projeto Baleia Jubarte e outras organizações ambientalistas com atuação na região, almejam, ainda, a ampliação do Parque Nacional pela sua limitada extensão no Banco de Abrolhos, onde se inserem, também, outras unidades de conservação, como as Reservas Extrativistas (Resex) Corumbau e Cassurubá, além da Área de Proteção Ambiental (APA) Estadual Ponta da Baleia.
Exploração de petróleo é ameaça real
No final de 2010, por decisão judicial amplamente questionada, a região dos Abrolhos foi liberada à exploração de Petróleo, medida que, desde 2003 vinha sendo descartada por força de mobilização social que resultou em Ação Civil Pública do MPF-BA. Além disso, um estudo detalhado, liderado pela organização ambientalista Conservação Internacional, de 2005, já alertava para os riscos associados a esse tipo de atividade, inclusive com simulações de acidentes com derramamento de óleo. O levantamento orientou o processo de criação da Zona de Amortecimento do Parque Nacional no ano seguinte.
Em 2019, sob forte mobilização contrária de organizações ambientalistas, foram ofertados blocos de petróleo na região dos Abrolhos. Entretanto, o leilão não despertou o interesse de empresas do setor, muito provavelmente pela repercussão alcançada pelas discussões sobre altos riscos socioambientais que esse tipo de atividade econômica poderia representar em áreas de grande importância socioambiental.
O Banco dos Abrolhos, onde se concentra a maior extensão de recifes de corais do Brasil, já vem sendo monitorado por estudos que alertam para a sua suscetibilidade aos efeitos das mudanças climáticas e de outras ameaças. Nesses ambientes de grande importância para a alimentação e reprodução da vida marinha, a exploração petrolífera poderia causar altos impactos e inviabilizar vocações naturais regionais como a pesca artesanal e o ecoturismo.
Felipe Buloto recorda que em 2019, quando o litoral do Nordeste foi fortemente afetado por derramamento de óleo (cuja origem nunca foi descoberta e os culpados não foram punidos), “os impactos no turismo e na pesca foram gigantescos mesmo que os impactos ambientais tenham sido pequenos na nossa região”. “Ninguém queria comer mais peixe e tivemos muitos cancelamentos [de pacotes turísticos]”, conta o conselheiro e diretor da empresa Scuba Turismo, também prejudicada naquela época.
Saiba mais sobre a importância do Parque Nacional dos Abrolhos
- O Parque foi criado em 6 de abril de 1983, com uma extensão de 87.943 hectares.
- Esse é o primeiro Parque Nacional Marinho criado no Brasil.
- A região dos Abrolhos abriga o maior banco de corais e a biodiversidade marinha mais rica do Atlântico Sul.
- Segundo informado pelo ICMBio, cerca de 1.300 espécies, 45 consideradas ameaçadas, conforme listas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e do Ministério do Meio Ambiente (MMA) já foram registradas na região dos Abrolhos.
- O principal berçário de baleias jubarte do Atlântico Sul é protegido pelo Parque Nacional. Elas migram para reprodução na região de junho a novembro.
- Diversas espécies de tartarugas marinhas ameaçadas como cabeçuda, verde, de pente e, até mesmo, a tartaruga-de-couro (espécie mais rara) podem ser encontradas na região.
- Espécies endêmicas como a de coral-cérebro (Mussismilia braziliensis) também estão presentes no Banco dos Abrolhos.
Fonte: ICMBio
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