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Guarda-parque brasileira de Abrolhos ganha prêmio internacional da IUCN

Com mais da metade da vida dedicada ao parque nacional marinho, a brasileira Bernadete Barbosa é uma das reconhecidas em prêmio internacional da IUCN à guarda-parques no mundo

Duda Menegassi ·
4 de agosto de 2023

Maria Bernadete Silva Barbosa, de 60 anos, já dedicou mais de metade da sua vida ao Parque Nacional Marinho de Abrolhos. Ao longo de 35 anos na área protegida, Berna, como é mais conhecida, já fez de tudo um pouco. Desde educação ambiental, recepção de visitantes e apoio a projetos de pesquisa, até a rotina de fiscalização do parque marinho. Todo este trabalho foi reconhecido na última semana, quando Berna foi uma das premiadas pelo International Ranger Awards (Prêmio Internacional dos Guarda-Parques), dado pela Comissão de Áreas Protegidas da IUCN.

Em 1988, quando Bernadete chegou no arquipélago de Abrolhos, no litoral da Bahia, vinda do Pará, não sabia nadar e morria de medo da água. Junto com o parque, na época com apenas cinco anos de criado, foi se estabelecendo. Aprendeu a nadar e, aos poucos, o santuário natural do Atlântico sul tornou-se o seu lar e seus corais, peixes, baleias, aves marinhas e tartarugas seus fiéis companheiros. 

“Hoje o parque faz parte da minha vida, eu falo que eu não consigo mais viver sem Abrolhos. Minha espiritualidade está lá, recebo minhas energias lá. O parque me fez crescer como pessoa e como mulher nesse ofício de guarda-parque”, compartilha Bernadete em conversa com ((o))eco.

Trabalhando num regime de 15 por 15 dias no arquipélago, Berna nem pensa na aposentadoria. Junto com ela trabalham outros três monitores ambientais, além de servidores e voluntários. “A gente faz o trabalho do uso público, educação ambiental, fazemos o trabalho com os pescadores, recebemos os voluntários, damos apoio à pesquisa – e fazemos pesquisa também”, conta a guarda-parque que, com o prêmio, espera continuar incentivando as pessoas e, principalmente as mulheres, a trabalhar pela conservação.

Berna e equipe do Núcleo de Gestão Integrada (NGI) Abrolhos em comemoração aos 40 anos do parque. Foto: Acervo NGI Abrolhos

A coordenadora de Uso Público, Comunicação e Voluntariado do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, Josângela Jesus, reforça a importância da guarda-parque. “A história da Berna se confunde com a história do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos. E Berna representa essa força e, como mulher, poder ter ela como um exemplo, de que esse é um espaço nosso [mulheres]. Ver ela pilotando embarcação, fazendo tudo que é atividade, é um exemplo. Berna é um símbolo do envolvimento e promoção da conservação marinha no Brasil e exemplo de dedicação e amor à Abrolhos”, conta a analista ambiental.

Os vencedores

Ao todo foram nove prêmios, cinco individuais e quatro coletivos para times que trabalham em defesa de áreas protegidas. Os vencedores atuam em parques e reservas de nove países distintos, da Colômbia, Brasil e México, na América Latina; da Etiópia e África do Sul, no continente africano; Malásia, Butão e Filipinas, na Ásia; e da Ucrânia, na Europa – reconhecimento dado à equipe do Desniansko-Starohutskyi National Nature Park, que continua seu trabalho apesar da guerra.

O prêmio reconhece a dedicação, bravura e excelente trabalho dos guardas-parques de áreas protegidas em todo o mundo em defender o patrimônio natural. Com o prêmio, cada um dos vencedores recebe um valor que vai de 10 a 25 mil dólares para apoiar as áreas protegidas para as quais trabalham e uma insígnia especial a ser bordada em seus uniformes.

“Os vencedores do International Ranger Awards 2023 foram reconhecidos por suas realizações extraordinárias. Os juízes ficaram surpresos e comovidos com suas histórias. Os vencedores também são embaixadores das 286.000 mulheres e homens dedicados na família global de guardas-parques, cujo serviço em nosso nome não deve ser considerado garantido”, afirma Michael Appleton, vice-presidente do Grupo Temático de Desenvolvimento de Capacidade da IUCN WCPA e diretor de Gestão de Áreas Protegidas na Re:wild.

Berna conduzindo embarcação no Parque Nacional Marinho de Abrolhos. Foto: Josângela Jesus

Guarda-parques: a linha de frente da conservação

No Brasil, a posição de Berna – e de outros que atuam na defesa das unidades de conservação – é chamada de monitora ambiental, já que a profissão de guarda-parque não é regulamentada no país. 

Um projeto de lei de 2019 (nº 2616/2019), do deputado Paulo Ramos (PDT-RJ) busca mudar isso e oficializar a profissão, mas segue em lenta tramitação na Câmara dos Deputados. A última movimentação legislativa da proposta foi em novembro do ano passado. 

“Trata-se do reconhecimento de um elemento fundamental na defesa de nosso patrimônio ambiental. O Guarda- parque é um profissional presente nos parques e nas áreas de conservação na maioria dos países, atuando de forma semelhante em todos eles”, defende o autor do projeto de lei em sua justificativa.

Um artigo publicado em julho deste ano na Conservation Letters, de acesso aberto, reforça o papel dos guarda-parques como “trabalhadores essenciais da saúde planetária” e a necessidade de posicioná-los de forma mais efetiva dentro dos mecanismos globais de conservação e política ambiental.

“Há uma necessidade urgente de maior profissionalização e responsabilização dos guardas-parques e reconhecimento do papel cada vez maior dos guarda-parques na entrega de políticas de conservação e desenvolvimento sustentável. Essa necessidade tornou-se ainda mais urgente com o acordo de novas e ambiciosas metas de conservação e proteção ambiental como resposta às mudanças climáticas e perda de biodiversidade (CBD, 2022) e na medida em que são desenvolvidos novas leis e padrões de negócios em políticas ambientais, sociais e de governança”, defendem os 15 autores que assinam o artigo.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 1

  1. Mônia Fernandes diz:

    Um detalhe: a figura de guarda parques inexiste no país, ainda que sim, qualquer servidor que trabalhe com a conservação de área protegida seja guarda parque na teoria. Acho importante pautar isso pois precisamos jogar luz neste tema e trazer um palavreado mais condizente com nossa estrutura, visto que “Guarda Parque” se restringe a uma categoria específica, deixando de lado toda a complexidade do nosso sistema. De toda sorte, Berna é uma guerreira invisível no “sistemão” e que agora tem o devido reconhecimento pela sua garra e conhecimento.