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Acordo para frear a perda de biodiversidade global até 2030 está fechado, e agora?

Dentre 23 metas acordadas na COP 15, estão a ampliação das áreas protegidas para 30% dos ecossistemas planetários e o aporte de US$ 200 bilhões anuais para a proteção da natureza

Elizabeth Oliveira ·
20 de dezembro de 2022 · 2 anos atrás

Garantir o aporte real de US$ 200 bilhões anuais para proteger a biodiversidade global de um processo de extinção sem precedentes, além de reduzir em US$ 500 bilhões anuais os subsídios para atividades que ameaçam as espécies e seus habitats, representam alguns dos grandes desafios assumidos pelos 196 signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) até 2030. Esses foram alguns dos principais compromissos firmados no novo acordo anunciado nesta segunda-feira (19), no fechamento da 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-15). O evento, realizado em Montreal nas últimas duas semanas, foi considerado o mais relevante da década sobre essa agenda de importância fundamental para o equilíbrio planetário e o futuro da existência humana. 

Com quatro objetivos e 23 metas para serem implementados nesta década, a Estrutura de Biodiversidade Global de Kunming-Montreal (GBF, na sigla em inglês) substitui o Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020, ao qual se vinculavam as 20 Metas de Aichi, pactuadas em 2010. Assim como vinha sendo esperado, os signatários da CDB se comprometeram em ampliar e gerir de forma efetiva o sistema global de áreas protegidas em, pelo menos, 30% dos ecossistemas terrestres, costeiros e marinhos mais relevantes para a proteção da diversidade biológica e a provisão dos serviços ambientais ou ecossistêmicos (meta batizada de 30×30), reconhecendo, nesse contexto, territórios e modos de vida indígenas e de outras comunidades tradicionais. Também concordaram em reduzir pela metade o desperdício de alimentos.

No rol dos compromissos para assegurar fontes de financiamento à proteção da biodiversidade, outra grande expectativa gerada pela COP 15, os signatários da CDB acordaram em aumentar os fluxos financeiros internacionais de países desenvolvidos para países em desenvolvimento. Essa dinâmica objetiva uma elevação anual de US$ 20 bilhões (até 2025) para US$ 30 bilhões (até 2030). A conta considera prioritários, sobretudo, os países menos desenvolvidos, aqueles com economias em processo de transição e os pequenos estados insulares.  

Em sintonia com os objetivos da Década das Nações Unidas para a Restauração de Ecossistemas (2021-2030), outra meta pactuada na COP 15 envolve ter concluído, ou estar em andamento, a restauração de, pelo menos, 30% dos ecossistemas terrestres e marinhos degradados, até 2030. Outra decisão importante, sobretudo para países como o Brasil, onde inclusive está em tramitação o chamado PL do Veneno, envolve reduzir, pela metade, o excesso de nutrientes e o risco geral representado por pesticidas e produtos químicos altamente perigosos tanto para a natureza como para a saúde humana. 

COP 15 termina com 23 metas acordadas. Foto: UN Biodiversity/Flickr

Da mesma forma, outra meta ambiciosa se refere à redução, “a quase zero”, da perda de áreas de alta importância para a proteção da biodiversidade, considerando nesse contexto, os ecossistemas reconhecidos pela alta integridade ecológica. 

Em relação às espécies invasoras, outra grande ameaça à biodiversidade global, os signatários da CDB se comprometeram a reduzir, ao menos pela metade, a introdução de espécies exóticas invasoras conhecidas.

Dentre outras deliberações, o acordo sinaliza para a necessidade de exigir monitoramento, avaliação e divulgação transparente por parte de grandes empresas e instituições financeiras transnacionais em relação aos seus riscos, dependências e impactos sobre a biodiversidade por meio de suas operações, cadeias de suprimentos e portfólios. “Sem tal ação, haverá uma maior aceleração na taxa global de extinção de espécies, que já é pelo menos dezenas a centenas de vezes maior do que a média dos últimos 10 milhões de anos”, alerta a ONU na nova Estrutura Global de Biodiversidade.

Lideranças globais afirmam que acordo faz história na CDB

Carlos Manuel Rodriguez, CEO do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), destacou em seu pronunciamento que o acordo firmado em Montreal representa “um avanço significativo para a biodiversidade”. Para o executivo, esse pacto reflete um reconhecimento “nunca antes visto de países de todos os níveis de renda de que a perda de biodiversidade deve ser interrompida por meio de mudanças ambiciosas no relacionamento de nossa sociedade com a natureza e na maneira como nossa economia global opera”. 

Rodriguez avalia que o acordo resultante da COP 15 também reflete a determinação das lideranças políticas internacionais para assegurar que seus objetivos e metas se concretizem. “Este é um momento extremamente positivo para a comunidade internacional e para o processo diplomático da Convenção sobre Diversidade Biológica com o qual estou pessoalmente envolvido há quase 30 anos”, opina o executivo. 

Com relação à questão da mobilização de recursos financeiros para assegurar a concretude do acordo recém-firmado, Rodriguez argumenta que esse foi um tema central debatido em Montreal, nas últimas duas semanas, “tanto para chegar a um acordo ambicioso quanto para garantir sua implementação”. Ainda segundo assegurou o executivo, “como mecanismo financeiro desta importante Convenção, o GEF leva muito a sério a nossa responsabilidade de funcionar sob a autoridade e orientação da COP e também de prestar contas à COP”.

Rodriguez afirmou ter se sentido honrado que tenha sido solicitado ao GEF, durante as negociações da COP 15, o estabelecimento de um Fundo Global de Biodiversidade, “o mais rápido possível, para complementar o apoio existente e aumentar o financiamento para garantir a implementação oportuna da estrutura global de biodiversidade pós-2020”. Ele adianta que a decisão “também inclui uma série de elementos importantes sobre acesso, adequação, previsibilidade, governança equitativa e financiamento de todas as fontes”. Ainda assegura que está comprometido em “trabalhar com o Conselho do GEF, os países e parceiros para operacionalizar a decisão e abordar esses elementos importantes em tempo hábil”. 

Entre celebração e alerta sobre a real implementação do novo acordo

“O WWF saúda a meta do acordo de conservar pelo menos 30% da terra, água doce e oceano globalmente, respeitando os direitos dos povos indígenas e comunidades locais e reconhecendo as contribuições dos povos indígenas e territórios tradicionais em direção aos objetivos almejados”, afirmou Marco Lambertini, diretor geral do WWF Internacional.  Foi ressaltado pelo líder da organização ambientalista, no entanto, que a intencionalidade de reverter a perda de biodiversidade até 2030 pode ser minada se questões críticas, dentre as quais, a proteção de ecossistemas intactos e o combate à produção e ao consumo insustentáveis não forem tratadas em nível nacional pelos países signatários. 

“Acordar um objetivo global compartilhado que orientará a ação coletiva e imediata para deter e reverter a perda da natureza até 2030 é um feito excepcional para aqueles que vêm negociando o Global Biodiversity Framework e uma vitória para as pessoas e para o planeta”. Segundo Lambertini, esse novo pacto sinaliza claramente quais são as ações centrais que devem ser adotadas por governos, empresas e sociedade em geral para promover “a transição para um mundo positivo para a natureza, em apoio aos esforços empreendidos para o equilíbrio climático e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”. 

Ainda segundo o executivo,  o acordo firmado na COP-15 “representa um marco importante para a conservação do nosso mundo natural”. Ele alerta, no entanto que, embora “a biodiversidade nunca tenha estado tão no topo da agenda política e empresarial, pode ser prejudicada pela implementação lenta e por falhas na mobilização dos recursos prometidos”. Lambertini também defende mecanismos de responsabilização de governos por metas não atingidas. 

Foto: UN Biodiversity/Flickr.

Para ele, agora é preciso tratar da implementação imediata desse acordo, “sem desculpas e sem atrasos”, já que a natureza, da qual todos nós dependemos para o nosso sustento, economia e bem-estar, já esperou o suficiente”, reafirma o executivo. “Os governos escolheram o lado certo da história em Montreal, mas a história julgará todos nós se não cumprirmos a promessa feita hoje”, acrescenta Lambertini. 

Para a organização ambientalista, representa um grande avanço os compromissos de eliminação dos subsídios prejudiciais à natureza e de aumento substancial e progressivo do nível de recursos financeiros de todas as fontes, até 2030. A ONG destaca, em seu posicionamento, que o montante de US$ 200 bilhões anuais representa quase o dobro quando comparado aos aportes destinados a partir de 2020. 

“Até 2030 é o nível mínimo de ambição exigido diante dos fracassos do passado e de uma crise de extinção acelerada”, segundo analisa Lin Li, diretor sênior de Política Global e Advocacy do WWF International. “A missão do acordo de deter e reverter a perda de biodiversidade até 2030 tem o nível certo de ambição, mas se somarmos os objetivos e metas, eles sozinhos não são suficientes para isso. Por exemplo, falta uma meta numérica para reduzir a pegada insustentável de produção e consumo. Isso é decepcionante e exigirá que os governos tomem medidas em nível nacional. Apesar disso, estamos esperançosos. Há duas semanas atrás, tínhamos uma montanha de diferenças para resolver. Hoje, partimos com um acordo e isso começa, pelo menos, a curar a nossa relação com a natureza”, reitera Li. 

Andrew Deutz, diretor da organização ambientalista The Nature Conservancy (TNC) nas áreas de Política Global, Instituições e Financiamento da Conservação, demonstrou otimismo e agradeceu à presidência chinesa pelo acordo final, ainda que também tenha apresentado alertas em comunicado à imprensa. 

Para o executivo, são reconhecidos como “alguns sinais fortes” as questões relacionadas ao financiamento de ações para a implementação do pacto e as metas de proteção da biodiversidade. No entanto, ele considera que não se conseguiu “avançar além das metas de dez anos atrás em termos de abordar as causas da perda de biodiversidade em setores produtivos como agricultura, pesca e infraestrutura”. Diante desse contexto, enfatiza que ainda há riscos de não se conseguir promover uma verdadeira transformação nesta década.

“Reconhecemos alguns destaques no texto atual, como a inclusão de 30×30 e águas interiores, a clareza sobre os direitos e o reconhecimento dos povos indígenas e comunidades locais e os incentivos para tornar os negócios das cadeias de abastecimento mais verdes, além de reduzir seus impactos e dependências”, reitera Deutz.

O executivo também demonstrou satisfação quanto à meta financeira “reconhecer a necessidade de fechar a lacuna de US$ 700 bilhões para a biodiversidade e alinhar todos os fluxos financeiros públicos e privados com os objetivos da Convenção”. Ele opinou que “a meta prospectiva de dobrar os fluxos de ajuda internacional para os países em desenvolvimento até 2025 e triplicá-los até 2030 é uma virada positiva”. 

Mas ainda alertou que, não há uma mobilização suficiente “para transformar nossos sistemas econômicos na escala e na ambição necessárias para deter a perda de biodiversidade”. E destacou: “Estamos extremamente preocupados com o desaparecimento de todos os cronogramas e medidas de responsabilidade para a implementação”.  Embora tenha reiterado que o acordo representa um ponto de partida viável, concluiu que “precisamos de mais ambição em uma abordagem setorial e no fortalecimento da estrutura de implementação com cronogramas e responsabilidade para garantir que tenhamos um mapa claro, inspirador e mensurável para a vida na Terra”.

A COP 15 deveria ter ocorrido em 2020, na China, mas foi postergada para 2021, devido à pandemia da Covid-19. No ano passado, no entanto, ainda existiam riscos provocados pela crise sanitária e ficou decidido que a Conferência seria realizada somente de forma virtual no mês de outubro e que a segunda e última parte das negociações ocorreria presencialmente, em 2022. Este ano, porém, devido à nova onda do coronavírus, o governo chinês preferiu transferir a realização do evento para Montreal, cidade-sede do Secretariado da CDB, no Canadá, ainda que tenha permanecido na presidência desta Conferência considerada histórica. 

Saiba mais

Acesso a todos os documentos referentes à COP-15 aqui

  • Elizabeth Oliveira

    Jornalista e pesquisadora especializada em temas socioambientais, com grande interesse na relação entre sociedade e natureza.

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