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Publicado originalmente por Instituto Socioambiental (ISA)
O ano em que a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) chega aos seus 30 anos deveria conduzir a um momento de reflexão. Uma convenção balzaquiana deveria olhar para si mesma e avaliar por que tem tido tanta dificuldade em cumprir seus objetivos. Mas será que essa primeira impressão, talvez apressada, corresponde à realidade? Seus objetivos, de fato, não são cumpridos?
Os objetivos maiores da CDB, explícitos em seu texto original, são a conservação e o uso sustentável da biodiversidade e a repartição justa e equitativa dos seus benefícios derivados. Ora, não é preciso muito para constatar que esses objetivos estão longe de ser alcançados. A perda de diversidade biológica em todo o planeta continua crescendo, seu uso sustentável é uma miragem e a repartição de benefícios, uma exceção. Vale lembrar ainda que o tratado fracassou em implementar todas as 20 metas que definiu para si mesma entre 2011 e 2020.
Um rápido exame dos documentos que estão sendo discutidos, neste momento, na 15ª Conferência das Partes (COP 15), em Montreal, no Canadá, também ajuda a confirmar a impressão de que, daqui para frente, nada vai mudar e os objetivos da convenção continuarão a ser apenas um conjunto de boas intenções. A COP 15, para além de debater os temas habituais ligados à CDB, está discutindo um novo Marco Global para a Biodiversidade e se debruçando sobre temas que emergiram, nos últimos anos, em função do desenvolvimento tecnológico, como a biologia sintética e as sequências digitais (informações genéticas armazenadas sob forma de sequências digitais).
Se, nem no presente nem no futuro desse tratado internacional, é possível vislumbrar dúvidas para nossa primeira impressão – a de que a CDB deveria estar examinando sua baixa taxa de implementação e seu fracasso em alcançar suas metas – talvez seja possível encontrar algum indício no passado, nas origens da ideia de biodiversidade e de sua convenção.
O conceito de biodiversidade
Em algum momento da década de 1980, ganhou tração a ideia de ampliar o conceito de diversidade biológica, antes compreendido como diversidade de espécies e, algumas vezes, também como a variedade existente entre os indivíduos de uma mesma espécie, para todas as dimensões da diversidade existente no planeta. Em 1992, na Rio-92, a Convenção sobre a Diversidade Biológica já tratou biodiversidade quase como um sinônimo de natureza. Quase…
E quase não porque a biodiversidade abarcaria, como muitos defendem, apenas a “parte viva da natureza”, mas quase porque o conceito de biodiversidade é uma tentativa reducionista de lidar com a natureza, uma tentativa de dar uma aparência científica, mensurável, administrável, compreensível para todo esse mundo complexo que nos cerca e no qual estamos imersos até o último pelinho microscópico das bactérias que habitam o nosso corpo.
É possível que isso tenha acontecido – adotar o termo biodiversidade para se referir à natureza – por boa-fé da parte dos cientistas. Mas não é possível ignorar algumas consequências e outros elementos que estão na origem dessa substituição. Uma das consequências é a perda do valor afetivo que o termo “natureza” desperta nas pessoas em geral, que em sua grande maioria sequer sabe o que é biodiversidade. Assim, a perda de biodiversidade causa menos angústia do que a degradação da natureza.
Conservação e colonialismo
Há, ainda, diversos outros elementos importantes para pensarmos nos sucessivos fracassos da CDB e o que significa o uso do termo “biodiversidade”. Um deles é o que representa todo o aparato de conservação da biodiversidade, que vem de antes da convenção e ganhou força com ela, diante das formas tradicionais e históricas de povos indígenas e comunidades locais de compartilhar o mundo com os diversos seres que o habitam.
Após invadir, destruir, predar e dominar boa parte do planeta, o mundo eurocêntrico, montado no colonialismo que emergiu com a invasão da América, percebe que as áreas naturais têm importância e não serão preservadas de sua própria sanha predatória. Nesse momento, emerge a ideia de proteger áreas para manter, em primeiro lugar, recursos naturais e belas paisagens e, mais tarde, a biodiversidade. E a maneira colonial de fazer isso é alijar aqueles que poderiam ajudar a manter essas áreas, como povos indígenas e comunidades locais, e substituí-los por um aparato tecnocrático, cujo objetivo é preservar a biodiversidade.
Ora, não é difícil perceber que se trata de um empreendimento fadado ao fracasso. Por um lado, a simplificação do mundo na ideia de biodiversidade faz sempre com que o aparato tecnocrático seja insuficiente, incompleto e equivocado. Por outro, não é possível, de fato, fazer frente à voracidade predatória do capital, com esse aparato e suas narrativas. E, correndo por fora, há ainda a destruição dos modos de vida dos povos indígenas e comunidades locais, que possuem outra forma de estar no mundo e de compartilhá-lo com os outros seres que aqui habitam, queimando as possibilidades de aprendizado e uma compreensão mais ampla do mundo.
Sabendo de tudo isso, ou pelo menos desconfiando, os delegados se encontram na COP 15, depois de terem passado por uma pandemia global que tem em suas origens as mesmas forças que degradam a biodiversidade a cada dia. Sabendo que a cada ano novas zoonoses – doenças de origem animal – com potencial pandêmico emergem e que isso se deve ao inusitado encontro entre organismos que não se encontravam antes, em função da destruição de seus ambientes e das mudanças climáticas, os representantes dos países gastam seu tempo discutindo expressões e gramática. Desconfiando, talvez, que nada será significativamente diferente, executam os passos de uma dança previamente ensaiada, cujo desfecho será, inevitavelmente, mais destruição.
Talvez o objetivo maior seja manter um fórum, como a CDB, e com ela a ilusão de que há alguma chance do capitalismo não devorar a natureza, criando uma falsa expectativa de que existe alguma possibilidade, que não o fracasso, mas o fracasso é justamente a alma do negócio.
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Inté