Fazendo emendas e tapando buracos, vamos tentando consertar os estragos que causamos ao planeta. Em 16 de setembro de 1987, foi firmado o Protocolo de Montréal, cujo objetivo era preservar a camada de ozônio da Terra. Essa parte da estratosfera, que funciona como um escudo natural contra a radiação ultravioleta emitida pelo Sol, estava se desintegrando devido à ação do homem.
Atualmente, 191 países são signatários do tratado. A enorme adesão levou o ex-Secretário Geral da ONU Kofi Annan a defini-lo como o “acordo internacional mais bem-sucedido dos últimos tempos”. Annan pode ser perdoado pela modéstia: o Protocolo de Montréal é o tratado ambiental mais bem-sucedido de toda a história. Mas não apenas em número de assinaturas. Ele também se mostrou eficaz em consertar o problema que se propôs a resolver. O buraco na camada de ozônio, que se forma na Antártida anualmente, está diminuindo desde 2000. A projeção é que esteja totalmente recuperado até 2065.
O tratado previa a eliminação gradual do uso de cerca de cem substâncias usadas em equipamentos de refrigeração e frascos de aerossol, incluindo os mal-afamados clorofluorcarbonos (CFCs). Mas, além de diminuir o buraco na camada de ozônio, o Protocolo de Montréal apresentou um efeito colateral benéfico: reduziu 20 vezes mais as emissões de gases do efeito estufa do que o previsto pelo Protocolo de Kyoto, firmado em 1997, com esse objetivo específico.
Entretanto, mesmo que os gases utilizados atualmente em refrigeração, como os hidrofluorcarbonos (HFCs), substitutos dos CFCs, tenham se mostrado inofensivos para a camada de ozônio, eles ainda contribuem para o aquecimento global. E não é pouco: um desses gases, o HFC-23, é 11.700 vezes mais potente que o gás carbônico para aquecer o planeta, só que seu tempo de vida na atmosfera é mais curto e ele é emitido em quantidades muitíssimo menores. Uma emenda ao Protocolo de Montréal poderá funcionar como um alívio imediato para a temperatura global ao combater esses gases.
Entre 10 e 14 de outubro está agendado um encontro dos signatários do Protocolo de Montréal em Kigali, Ruanda. O objetivo é discutir uma emenda ao tratado, visando à substituição dos HFCs por substâncias menos prejudiciais ao clima, como a amônia, o propano e o isobuteno. Que a emenda precisa ser feita é notório; o que estará em jogo em Kigali é a sua efetividade. Por enquanto, temos muito a comemorar: na última reunião do G20, em Hangzhou, Estados Unidos e China anunciaram que vão se empenhar para a aprovação de uma emenda mais rigorosa. Na semana passada, a Casa Branca lançou um comunicado à imprensa anunciando que mais de cem países reunidos em Nova York (entre eles EUA, Argentina, Chile, Colômbia, os 28 membros da União Europeia e os 54 países da África) pleitearam uma emenda “ambiciosa”, que inclua uma “data antecipada de congelamento” a partir da qual os signatários do tratado não poderão mais aumentar seu consumo de HFCs – no entanto, ninguém deu muito detalhe sobre o que se entende por ambição. O governo brasileiro ficou de fora: nossos negociadores afirmam que não querem prejulgar o resultado da reunião, onde justamente os prazos serão negociados. Mas a indústria brasileira aderiu. A Abrava, associação do setor, assinou a declaração. Todos os países precisam deixar claras suas posições, pensando menos na lógica interna da negociação e mais no objetivo final – um planeta habitável.
Com a emenda ao Protocolo de Montréal, poderemos reduzir o equivalente a até 200 bilhões de toneladas de CO2 até 2050. E esta redução poderá ser ainda maior caso se invista em eficiência energética. Isso representaria um refresco de 0,5º C, dando ao mundo um auxílio imprescindível para cumprir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global em “bem menos de 2oC” neste século. Como os HFCs são poluentes de vida curta, eliminá-los agora nos daria mais tempo para fazer a transição para 100% de energias renováveis, algo difícil de realizar com a urgência que a crise climática exige.
O mercado brasileiro de aparelhos de ar condicionado, onde o HFC é mais usado, vem crescendo de 10 a 15% ao ano. O padrão de Performance Energética Mínima para aparelhos de ar condicionado no Brasil é de 2,6 W/W; no Japão, é mais de 6,5 W/W e na China, 6 W/W. Adotando padrões próximos a estes países, o Brasil economizaria, até 2050, o equivalente à capacidade de geração de energia de 92 a 216 usinas de 500 MW. Ou seja, ganha o clima e ganha a economia.
Resta, porém, uma questão espinhosa: é possível criar salvaguardas para que os países que forem à frente no banimento dos HFCs não sejam invadidos por equipamentos de países que ainda não o fizeram? É possível criar salvaguardas comerciais para evitar o uma multiplicação de tecnologias sujas? Esta questão é muito importante para países como o Brasil.
*Délcio Rodrigues é diretor do ClimaInfo
Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo. |
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