Belém – O Pará se prepara para ser o primeiro estado do país a implementar um programa público de rastreio individual de gado. Segundo o governador Helder Barbalho (MDB), o programa está em fase final de estruturação e deve ser lançado ainda em 2023.
O Pará possui o segundo maior rebanho bovino do país, com cerca de 26 milhões de cabeças. O rastreio individual do gado é visto pelos principais países exportadores e importadores de carne bovina como sendo a medida mais eficaz para aumentar a segurança sanitária e alimentar dos rebanhos.
Ela também é peça essencial no rastreio de ilegalidades ambientais ligadas à cadeia da carne, como o desmatamento.
A pecuária é hoje o maior indutor da destruição da floresta Amazônica. Pastos para o gado cobrem cerca de 90% da área total desmatada no bioma, e mais de 90% dos novos desmatamentos são ilegais.
Rastreio individual
O Brasil, líder global na exportação de carne bovina, ainda engatinha na questão do rastreio individual dos animais. Apesar de o assunto circular há décadas no setor, somente agora em 2023 o governo brasileiro começou a adotar medidas concretas para a implementação de um sistema em grande escala, que ainda estaria em construção.
Enquanto a iniciativa não avança no nível nacional, o Pará corre para sair na frente e ter seus próprios mecanismos de rastreabilidade. Em entrevista a ((o))eco, Barbalho explicou que o programa está sendo desenvolvido pelo governo em parceria com o Instituto de Pesquisas da Amazônia (IPAM), com a organização The Nature Conservancy (TNC) e com empresas do setor.
“Estamos concluindo a estruturação [do programa paraense], no sentido de que 100% de todo rebanho bovino no estado seja brincado e chipado e, a partir daí, esteja atrelado a um banco de informações do governo, e atrelado a todos os componentes que habilitem desde a indústria da carne até o fornecedor, para que possamos garantir o rastreio de todo esse estoque de proteína animal”, explicou.
((o))eco perguntou a Barbalho se será o governo a ofertar aos produtores os brincos e a capacitação para uso da tecnologia. “Todas as propriedades terão a oferta deste serviço de forma gratuita e quem estará custeando isso será a indústria da carne”, disse.
De acordo com o governador, os dados individuais dos animais – incluindo os provenientes de fornecedores indiretos dos frigoríficos, hoje o grande calcanhar de aquiles da cadeia – estarão atrelados a outras fontes de informação, como dados de Cadastro Ambiental Rural, licenças da propriedade e certificações da vigilância sanitária.
“O desafio nesta fase final dessa estruturação é de como eu conquisto a adesão do produtor. O que ele ganha com isso? Precisamos fazer a agregação de valor para aqueles que praticam as atividades com sustentabilidade, para que isso gere uma agregação de valor e seja assimilado não pelo consumidor final, mas pela indústria da carne, dentro do processo de comprometimento que a indústria da carne deve ter com práticas sustentáveis”, disse o governador paraense.
Segundo Barbalho, a ideia é que o programa paraense sirva de modelo para outros estados do país. “Não tenho dúvida que isto deve ser replicado para o Brasil e, claro, quando você tem um estado da Amazônia que, ao mesmo tempo que é da Amazônia, é o segundo rebanho bovino do Brasil, certamente isso alavanca para um case de sucesso”.
Atualmente, a rastreabilidade da carne, no nível nacional, é feita por uma ferramenta chamada Guia de Trânsito Animal (GTA). Criada para fins sanitários – controle de vacinas – a GTA é atualmente a principal ferramenta usada para o rastreio ambiental do gado, ao ser cruzada com dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e imagens de satélite.
O problema é que, além de ser emitida para lotes de animais – e um lote pode ter bois de várias procedências – a GTA não é aberta ao controle social, tem se mostrado cheia de falhas e é altamente fraudável.
Segundo apurou ((o))eco, o Pará espera que em dois anos, a contar do lançamento do programa, todo gado do estado esteja rastreado.
Selo Verde 2.2
Além do rastreio individual, o governo do Pará também lançou, no domingo (6), uma nova versão da plataforma Selo Verde, que fornece dados sobre ativos e passivos ambientais de propriedades rurais no estado e é usada no rastreamento da cadeia da carne paraense.
Com a nova versão, o estado vai conseguir rastrear a origem da carne que chega no frigorífico em até 5 níveis.
Isto é, vai ter informações sobre a existência de desmatamento ou trabalho escravo do produtor que comercializou diretamente com o frigoríficos e de outros quatro indiretos. Na versão anterior, eram analisados dados de apenas dois níveis.
Para isso, foram integrados no sistema 30 conjuntos de dados de 12 instituições estaduais e federais.
“Essas medidas vão permitir, sobretudo, que tenhamos uma carteira das propriedades que, além do Cadastro Ambiental Rural, estão plenamente regularizadas e habilitadas para fornecer para a indústria da carne o seu produto”, disse o governador, durante o lançamento da iniciativa, que integrou a agenda dos Diálogos Amazônicos, em Belém.
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