Notícias

Lula cita “novo sonho amazônico” em encontro com presidentes na Cúpula de Belém

Primeiro dia da cúpula terminou com falas contundentes e ausência de metas concretas para preservação da Amazônia. Reunião segue na quarta-feira

Cristiane Prizibisczki ·
8 de agosto de 2023

O primeiro dia da Cúpula da Amazônia, que reuniu presidentes e representantes dos oito países da bacia Amazônica em Belém, terminou no final da tarde desta terça-feira (8) com um saldo de discursos inflamados e déficit de metas concretas para a preservação da Amazônia.

O texto final da Declaração de Belém não agradou organizações ambientalistas e ainda vai passar pelo escrutínio dos setores da sociedade civil que participaram com suas contribuições. Mas as falas dos presidentes tiveram impacto.

O presidente Lula, que abriu os diálogos de alto nível, falou em “sonho amazônico” e defendeu que a união entre os membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) – Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela – será um “passaporte” para uma nova relação com as demais nações do globo e nas negociações internacionais, principalmente nas Conferências do Clima da ONU.

“A Amazônia é nosso passaporte para uma nova relação com o mundo – uma relação mais simétrica, na qual nossos recursos não serão explorados em benefício de poucos, mas valorizados e colocados a serviço de todos. A Amazônia será o que nós quisermos que ela seja”, disse Lula.

Em seu discurso, o presidente brasileiro tocou em pontos importantes, como o respeito à ciência, a geração de renda combinada com a preservação da floresta de seus povos e a resolução de problemas basilares para a região, como a falta de infraestrutura e saneamento. 

Lula também se comprometeu em investir na transição energética. Segundo ele, seu governo estará engajado na construção de uma industrialização e infraestrutura verdes, na sociobioeconomia e nas energias renováveis.

“A Amazônia não é e não pode ser tratada como um grande depósito de riquezas. Ela é uma incubadora de conhecimentos e tecnologias que mal começamos a dimensionar […] O sonho amazônico tem que estar enraizado na ciência e nos saberes produzidos aqui. E tem que juntar todos os atores na busca por soluções.”

Voz dissonante

O tom de conciliação se seguiu com as falas dos demais presidentes e representantes de Estado. Ele só foi quebrado pelas declarações contundentes do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, o único a defender um ponto essencial para a manutenção da Amazônia: a redução na exploração de combustíveis fósseis.

“Estamos às margens da extinção da vida, é nesta década, então, que devemos tomar decisões. Somos nós, os políticos, que devemos tomar decisões. E o que estamos fazendo, além dos discursos?”, disse.

O aquecimento global – causado pela emissão de gases de efeito estufa, provenientes principalmente da queima de petróleo, carvão e gás – tem provocado mudanças profundas na estrutura da floresta. Cientistas já alertaram que ela pode estar perto do chamado “ponto de não-retorno”, quando deixará de prover os serviços ecossistêmicos essenciais à vida na terra, como a regulação das chuvas.

Em sua fala, o presidente colombiano Gustavo Petro também provocou os países comandados pela esquerda que fazem parte da OTCA e que mantêm posição favorável à exploração de petróleo. Para ele, tais nações – não citadas nominalmente – praticam um “negacionismo progressista”, que seria a postergação na tomada de decisões de enfrentamento ao aquecimento global.

“O planeta agora precisa deixar de usar o petróleo, o carvão e o gás. As direitas [governo de direita] têm essas fontes de escape muito fácil através do negacionismo, através de negar a ciência […] Para os progressistas é muito difícil, então isso gera outros tipos de negacionismo, que é o “vamos postergar as decisões’”, disse.

Em tom incisivo, ele defendeu ser impossível conciliar a transição energética para fontes limpas com a manutenção da exploração de combustíveis fósseis.

“Dizer que podemos fazer as duas coisas ao mesmo tempo, trabalhar com carbono e sem carbono não adianta! Nós vamos nos extinguir! A alternativa que temos para manter a vida é prosperar sem o carbono, é viver descarbonizados”, disse.

Cúpula da Amazônia 

O primeiro dia da Cúpula da Amazônia reuniu cinco presidentes (Bolívia, Brasil, Colômbia, Peru e Suriname), uma vice-presidente (Venezuela), um primeiro-ministro (Guiana) e um Ministro do Exterior (Equador).

Também participaram dos diálogos representantes de países convidados – República Democrática do Congo, Congo e Indonésia, que possuem grandes blocos de florestas; Alemanha e Noruega, os maiores doadores do Fundo Amazônia; e também São Vicente e Granadinas, por seu papel como presidente da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).

Também estiveram presentes o secretário-executivo da Convenção do Clima da ONU, Simon Stiel, o presidente da COP 28, Sultan Ahmed Al-Jaber, e ministros do meio ambiente e das relações exteriores dos diferentes países.

O encontro de alto nível desta terça-feira foi precedido de reuniões técnicas entre diplomatas e ministros dos países da OTCA, para a finalização da Declaração de Belém.

Hoje, na parte da manhã, também participaram do evento de alto-nível cinco membros da sociedade civil e de setores chave nas discussões, como populações indígenas e quilombolas. 

Eles entregaram aos presidentes os relatórios gerados nos Diálogos Amazônicos. Ainda não se sabe como as demandas contidas nesses relatórios vão ser incorporadas e desenvolvidas pelos países signatários da Declaração de Belém

A Cúpula continua durante toda a quarta-feira e é esperado que outro documento saia do encontro, desta vez com a formação de um bloco de negociações que inclua Congos e Indonésia.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

Leia também

Reportagens
8 de agosto de 2023

Povos da floresta temem que suas reivindicações não sejam ouvidas na Cúpula da Amazônia

Declaração de Belém já está pronta e não inclui todas as demandas das populações originárias. Indígenas se reúnem em marcha por direitos

Reportagens
7 de agosto de 2023

“Pedalada climática” de Salles será corrigida pelo governo Lula até outubro, diz Ana Toni

Secretária de Mudança do Clima do MMA conversou com ((o))eco em Belém sobre revisão da NDC brasileira e redução no uso de combustíveis fósseis no país

projeto-arvores-gigantes-da-amazonia-angelim-vermelho-a-maior-arvore-da-amazonia1b-foto-havita-rigamonti-imazon-ideflor
Notícias
7 de agosto de 2023

Bancos de desenvolvimento dos países da Amazônia se unem em “Coalizão Verde”

Mobilizados pelo BID, instituições financeiras se comprometeram a promover iniciativas para desenvolvimento sustentável na região. R$ 4,4 bi irão para Amazônia brasileira, diz BNDES

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.