Reportagens

Boi em alta eleva pressão do desmatamento na Reserva Chico Mendes 

Venda de lotes de terra pelos próprios moradores é outro agravante dentro da unidade; Projeto de Lei que desafeta áreas da UC contribui para a prática ilegal

Fabio Pontes ·
20 de dezembro de 2020 · 4 anos atrás
Saída de bois vivos do Acre impulsiona impactos na Reserva Chico Mendes. Foto: ONG SOS Amazônia.

A valorização do mercado da carne bovina provocada pelo aumento do consumo no mercado interno e das vendas para o exterior tem contribuído para aumentar os impactos na Floresta Amazônica. Cercada por grandes fazendas de gado, a Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, no sudeste do Acre, pode ser apontada como exemplo de uma das regiões da Amazônia mais afetadas pela pecuária valorizada. A atividade, que deveria ser um complemento de renda para as famílias moradoras da unidade de conservação (UC), passou a ser a principal para muitas delas.

Em 2020, a Resex passou a ser um dos principais centros exportadores de bezerros, novilhos e vacas do Acre para estados vizinhos. Com a escassez de bois em idade para abate provocada pela grande quantidade de vacas abatidas nos últimos anos, bezerros e novilhos passaram a ter valor de ouro no mercado da pecuária. No Acre, por exemplo, um bezerro que podia ser comprado por R$ 800 até a primeira metade deste ano, hoje não sai por menos de R$ 2.000.

Essa valorização tem deixado os pequenos e médios criadores animados, levando-os a ampliar suas áreas de pastagem para ter mais rebanho – e lucro. Para se ter mais boi pastando é preciso abrir novas áreas, o que, na prática, significa desmatamento. E com a pecuária sendo atualmente a principal fonte de renda para os moradores da Resex Chico Mendes, o efeito imediato é transformar os antigos seringais em pasto.

Desde 2019 a UC passa por um crescimento elevado nas taxas de desmatamento e fogo. De acordo com o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em 2020 a Resex Chico Mendes foi a campeã em registro de focos de queimadas entre todas as unidades de conservação da Amazônia: 1.127 – o que representa 23,7% do total. Essa grande quantidade de fogo está relacionada com a queima da floresta recém-derrubada ou a limpeza das pastagens já abertas.

Segundo o Prodes/INPE, em 2020 a reserva foi a sexta área protegida com mais desmatamento na Amazônia Legal. Entre agosto do ano passado e julho último o incremento do desmatamento foi de 57,41 km². No período anterior (julho de 2018 a agosto de 2019) tinha sido de 75,94 km²; o maior volume de floresta perdida pela UC de 2010 para cá. Na década, o total de cobertura original perdida é de 285,73 km².

O aumento acelerado do desmatamento na Reserva Extrativista Chico Mendes acompanha o mesmo ritmo registrado em todo o Acre. O estado, que até anos atrás passava incólume na divulgação de dados sobre a devastação do bioma, agora chama a atenção. De janeiro a dezembro o estado teve detectados 9.188 focos de queimadas; uma elevação de 35% ante 2019.

Os dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) apontam que, entre agosto e novembro, o Acre derrubou 450 km² de Floresta Amazônica, contra 235 km² dos mesmos meses de 2019.

Área desmatada dentro da Reserva Extrativista. Foto: ONG SOS Amazônia.

O aumento dos impactos sobre a preservação da Amazônia no território acriano (que ainda mantém em pé 85% de cobertura florestal) é consequência da mudança nos rumos políticos do estado a partir das eleições de 2018. Após 20 anos de governos do PT que adotavam metas de desenvolvimento sustentável para seu crescimento econômico, o Acre passou a ter, com o governo Gladson Cameli (PP), o agronegócio como o principal norteador da política econômica.

Apesar de ser uma unidade de conservação federal, eram as políticas do governo estadual que davam o tom para o fortalecimento do extrativismo em seu interior. Ao assumir o governo em 2019, Cameli rompeu todas estas políticas públicas para a reserva. Por durante 18 meses o governo deixou de pagar o subsídio da borracha, que garante um melhor valor de mercado para o produto. O subsídio é visto como o grande incentivo para manter viva a extração do látex nas colocações da reserva.

Aliado a isso, há o Projeto de Lei (PL 6024) de autoria da deputada Mara Rocha (PSDB-AC) que prevê a desafetação de áreas da unidade. O projeto é uma reivindicação de um pequeno grupo de moradores que já desmataram a maior parte de suas propriedades, são processados e correm o risco de serem expulsos da reserva. O PL é apontado como o principal indutor da prática de ilícitos dentro da Resex, como a venda de lotes de terra.

Junto com a expansão da pecuária, a comercialização de terra é o que mais contribui para o aumento do desmatamento. “A situação na Reserva Chico Mendes continua cada vez pior”, resume Luiza Carlota, vice-presidente da Associação de Moradores e Produtores da Reserva Chico Mendes de Brasileia (Amopreb). Para ela, a lentidão em se concluir os processos contra aqueles que insistem na prática de infrações é responsável por os impactos não darem trégua. “Os processos são muito lentos.”

Fim de política públicas para o setor extrativista e alta de preço no boi incentivam derrubada da floresta. Foto: ONG SOS Amazônia.

De acordo com ela, a falta de políticas para tornar competitiva a economia de base florestal também acaba por contribuir para empurrar os moradores da reserva para a criação de boi. “Não existe uma política para fomentar o extrativismo. O governo não quer saber disso”, afirma. Com o gado estando ainda mais valorizado, analisa, a situação só se agrava. “De fato o gado está muito caro aqui. Quem tem, tem. Quem não tem não consegue mais comprar. Um bezerro está R$ 1.800. Uma vaca magra está custando de R$ 2.000 a R$ 2.200.”

Analista ambiental e chefe da Reserva Extrativista Chico Mendes entre 2012 e 2016, Silvana Lessa avalia que o grande problema para a unidade é a descontinuidade das políticas públicas que garantam preço e mercado para os produtos florestais. Na avaliação dela, é preciso diversificar essa produção em escala, hoje restrita à borracha, castanha e madeira.

“A Reserva Chico Mendes é uma unidade de conservação emblemática porque ela está ao longo de uma rodovia. Sofre uma grande pressão dos municípios que estão no seu entorno. Além disso, também há a pressão política. A descontinuidade de uma política pública para a reserva acaba contribuindo para fazer com que as coisas não funcionem”, diz Lessa.

A ex-chefe da UC ressalta que, mesmo com todas essas pressões, a Resex acaba funcionando como um “tampão” contra o avanço do desmatamento na região mais impactada pelo agronegócio dentro do Acre. “Se não fosse a reserva o desmatamento desta floresta que sobrou estaria muito maior. Em resumo, a Chico Mendes é a grande vítima dos ilícitos, e ainda assim funciona como uma barreira.”

 

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  • Fabio Pontes

    Fabio Pontes é jornalista com atuação na Amazônia, especializado nas coberturas das questões que envolvem o bioma desde 2010.

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Comentários 4

  1. Ex-Engenheiro Social diz:

    Quem quer ver o povo vivendo da seringa é quem não vive da seringa.


  2. Leitor antigo diz:

    Essa "emblemática" RESEX é problemática faz tempo. Aqui mesmo n'O Eco já teve matéria sobre isso muito tempo atrás…muitos governos atrás…


  3. George diz:

    RESEX não é UC. É assentamento coletivista, evoluindo para assentamento normal (enquanto os assentamentos normais evoluem para ser comprados pelos sojeiros). O povo sempre quis mesmo é criar gado, e depois vender a terra e ir pra cidade.


    1. Carlos diz:

      É claro que é assim. Viver de gado é muito melhor do que viver de seringa… E ninguém é bobo.