A paralisação do Fundo Amazônia faz com que o Brasil perca a possibilidade de captar recursos na ordem de 20 bilhões de dólares, que poderiam ser investidos no controle do desmatamento e outras ações de preservação no bioma. Esta é uma das conclusões de um relatório feito pela Controladoria Geral da União (CGU) sobre o papel do Ministério do Meio Ambiente na gestão do Fundo entre os anos de 2019 e 2021. O documento tem data do dia 10 de junho, mas foi publicado pela CGU apenas na última terça-feira (28).
Segundo o relatório, devido à significativa redução do desmatamento ocorrida entre 2008 e 2014, o Fundo possuiria um “crédito” de valores a serem arrecadados. Ainda que a CGU deixe claro que as doações são voluntárias, o que significa que ter um crédito não vincula os doadores a realizarem desembolsos financeiros, a Controladoria explicita o potencial de arrecadação que está sendo perdido.
“De acordo com o BNDES, os limites de captação de recursos do Fundo Amazônia, atestados pelo extinto CTFA [Comitê Técnico do Fundo Amazônia], chegam ao valor de US$ 21.868.134.183,00. Desse total, o BNDES/Fundo Amazônia captou doações no valor total de R$ 3.396.694.793,53 (US$ 1.288.235.378,26), no período de 2009 a 2018. Haveria, portanto, o potencial de captação de recursos da ordem de 20 bilhões de dólares”, diz o relatório.
A cifra virtualmente disponível representa cerca de R$ 105 bilhões na cotação atual, valor maior do que o Produto Interno Bruto (PIB) dos estados de Roraima, Acre, Amapá e Tocantins somados.
Segundo especialistas ouvidos por ((o))eco, tal valor representa o potencial de captação do REED+ – mecanismo que recompensa financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa provenientes do desmatamento e Degradação Florestal – no Brasil como um todo.
Em termos concretos, o Fundo Amazônia tem atualmente disponível para uso imediato R$ 3,2 bilhões, segundo a CGU, valor maior do que todo o orçamento do Ministério do Meio Ambiente para o ano de 2022 (R$ 3,1 bilhões).
O Fundo Amazônia foi paralisado em 2019, após o Governo Federal extinguir dois colegiados que compunham sua gestão: o Comitê Orientador (COFA) e o Comitê Técnico (CTFA), o que contrariou as normas pré-estabelecidas pela Noruega e Alemanha, até então os maiores doadores. Desde então, nenhum novo projeto foi executado, com exceção dos firmados até 2018.
Omissão deliberada
O relatório da CGU avaliou o quanto o governo Bolsonaro se empenhou para definir uma nova estrutura de governança do Fundo e se a extinção dos conselhos, bem como da política de prevenção e controle do desmatamento até então em curso, impactou nos resultados conquistados na questão ambiental.
A conclusão a que chegou a CGU corrobora o que a sociedade civil organizada e partidos políticos vêm alertando desde 2019: a paralisação do Fundo aconteceu por decisão deliberada do Governo Federal, sem que houvesse planejamento ou fundamentação técnica para tal, e a falta de esforço em recriar suas estruturas de governança colocou em risco a continuidade do mecanismo de captação e os resultados das políticas ambientais associadas.
Esta é, inclusive, a argumentação de quatro partidos políticos – Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido dos Trabalhadores (PT) e Rede Sustentabilidade – na ação impetrada no Supremo Tribunal Federal em que as siglas pedem que seja reconhecida a omissão da União em relação à paralisação do Fundo (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº59).
A ADO 59 compõe o “Pacote Verde” de ações que estão sendo analisadas no Supremo desde final de março. Segundo os partidos proponentes, a inação do governo frente ao Fundo fere o artigo 225 da Constituição Federal, que estabelece que o Poder Público tem o dever de preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida.
Para Suely Araújo, especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima, a paralisação do Fundo Amazônia é um exemplo claro do projeto de desmonte ambiental colocado em curso por Bolsonaro.
“É inacreditável que se tenha de ir à mais alta Corte do país para exigir que o governo use recursos disponíveis. Para mim, além de omissão inconstitucional, esse quadro caracteriza improbidade administrativa para os responsáveis por essas decisões, que devem responder pelo caos que caracteriza várias partes do território da Amazônia Legal”, defendeu Suely, em entrevista a ((o))eco.
Segundo ela, a opção do governo em paralisar o Fundo contraria o discurso que o próprio presidente vem repetindo de que o Brasil precisa de ajuda internacional para manter a Amazônia em pé.
“O governo pede recursos externos para a proteção ambiental e propositalmente não usa os recursos que tem”, diz a especialista.
Aumento do desmatamento
Somente nos três primeiros anos do governo Bolsonaro, a Amazônia perdeu 34 mil km² de floresta, área maior do que o território da Bélgica. Entre 2018, último ano antes do atual governo, e 2021, a cifra praticamente dobrou, saltando de 7.536 km² para 13.038 km² perdidos no ano. A projeção para 2022 é que o desmatamento alcance 15 mil km².
Este foi outro motivo apontado pela CGU para a inviabilização na captação de recursos, já que o Brasil precisa apresentar bons resultados para conseguir doações.
“A consequência da paralisação do Fundo, na prática, é: menos políticas públicas implementadas, menos ações realizadas e, com isso, você torna a Amazônia mais vulnerável. Os números do desmatamento são a maior resposta”, diz Ângela Kuczach, diretora-executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação.
Segundo ela, não só o aumento nas cifras do desmatamento, mas também a explosão no número de crimes, grilagem de terras, garimpo e tráfico de drogas na Amazônia são reflexos do “orquestramento do desmonte ambiental” promovido por Bolsonaro.
“A área ambiental sempre foi muito pobre. Quando a gente pensa nesse universo de 20 bilhões de dólares, não dá para deixar de pensar no que poderia ser feito com esse recurso em matéria de política pública, em matéria de desenvolvimento socioeconômico de uma forma mais condizente com o que que se espera de uma política pública de proteção da Amazônia”, diz ela.
Para Ângela, as áreas mais afetadas por essa política são as Unidades de Conservação, historicamente muito pressionadas, mas que estão sob intenso ataque nos últimos três anos.
“Esse saqueamento que está acontecendo na Amazônia não tem mais fronteiras. As unidades de conservação, como estão muito descobertas, com um valor cada vez mais medíocre de orçamento do ICMBio e que teriam no Fundo Amazônia parte dos recursos para melhor implementação, monitoramento e fiscalização, ficam estão muito expostas. A consequência disso é o desmatamento dessas áreas, que deixou de ser feito de forma camuflada”, defende Ângela.
Recomendações
Em seu relatório, a Controladoria Geral da União recomenda que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) reestruture a governança do Fundo Amazônia, com colaboração do BNDES e do Conselho Nacional da Amazônia Legal, considerando a opinião dos antigos setores representados no Conselho Gestor.
A CGU também recomenda que a União atualize o Plano Nacional de Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa, que substituiu o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PCCDAm), como referência para operacionalização do Fundo Amazônia.
O Ministério do Meio Ambiente foi procurado por ((o))eco para comentar o relatório, mas não respondeu até o fechamento da matéria. À CGU, o MMA justificou que suas ações estão amparadas em estudos e análises conduzidas dentro do órgão.
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