Reportagens

Cerrado é negligenciado em planos de governo de candidatos

Apenas 5 dos 10 presidenciáveis citam bioma. Maioria dos candidatos a governador de estados majoritariamente dentro do Cerrado também não fazem menção a ele. Campanha do ISPN busca mudar este cenário

Cristiane Prizibisczki ·
11 de setembro de 2022 · 2 anos atrás

Segundo maior bioma do país, responsável por fornecer água e energia para grande parte do Brasil e importante sumidouro de carbono, o Cerrado é negligenciado pelos candidatos a diferentes cargos nas eleições de outubro. ((o))eco se debruçou sobre os planos de governo dos candidatos à Presidência da República e ao governo de Goiás e Tocantins, estados cujos limites estão majoritariamente inseridos no bioma, para entender a importância que ele terá em futuros governos. O resultado não é animador.

Segundo o levantamento, apenas 5 dos 10 presidenciáveis com candidaturas aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) citam o bioma em seus planos de governo (listados por ordem alfabética): Jair Bolsonaro, candidato pelo Partido Liberal (PL), Léo Pericles, candidato pela União Popular (UP), Luiz Inácio Lula da Silva, candidato pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Simone Tebet, candidata pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e Sofia Mazano, candidata pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). 

No nível estadual, a situação é ainda pior: além de ser mencionado nos planos de governos da minoria dos candidatos, o bioma aparece, em diferentes situações, em contextos que não o ambiental. Confira abaixo (a grafia dos biomas aparece como escrito nos documentos):

Cerrado no Palácio do Planalto

No Plano de Governo de Bolsonaro, a palavra “Cerrado” aparece quatro vezes. Em duas delas, o candidato cita o verbete ao falar de programas já implementados por ele em seu governo, como o Guardiões do Bioma – Combate a queimadas e incêndios florestais. Coordenado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, o programa, apesar das propagandas positivas, não apresentou bons resultados, haja vista o aumento no número de queimadas e desmatamento em diferentes biomas brasileiros.

As duas outras menções à palavra Cerrado são feitas dentro do eixo “Sustentabilidade Ambiental” e não se referem ao bioma, propriamente dito. O verbete aparece no subitem “Defesa, Proteção e Promoção do Desenvolvimento Sustentável da Amazônia”, na frase: “A região [amazônica] é composta por 772 municípios, que não estão apenas na área definida pelo bioma Amazônia – que ocupa cerca de 49% do território nacional. Engloba também outros biomas, como os do cerrado de parte dos estados de Roraima, Rondônia e Tocantins na região Norte, do Estado de Mato Grosso na região Centro- Oeste e a mata de cocais e cerrado do Estado do Maranhão na região Nordeste”. 

Nas propostas do candidato Léo Pericles (UP), há apenas uma menção às “terras dos cerrados”, dentro das propostas para o tema “Reforma Agrária”. “Realizar ações discriminatórias nas terras dos cerrados brasileiros para regularizar e retirá-las das mãos dos grileiros, entregando-as a cooperativas rurais, formadas por pequenos produtores e trabalhadores sem terra”, diz o plano do candidato.

No Plano de Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Cerrado é citado apenas uma vez, dentro do eixo “Desenvolvimento Econômico e Sustentabilidade Socioambiental e Climática”, também junto com a menção a outros biomas brasileiros.

“O Brasil tem uma das maiores biodiversidades do planeta. É nosso dever conservar a Amazônia, o cerrado, a mata atlântica, a caatinga, o pantanal, os pampas e os outros biomas e ambientes. […] Esse projeto harmonizará a proteção dos ecossistemas que estão em risco com a promoção do desenvolvimento sustentável, bem como exigirá o enfrentamento e a superação do modelo predatório de exploração e produção, atualmente, agravado pela completa omissão do governo atual”, diz trecho do Plano de Lula.

Cerrado é o bioma mais ameaçado pelo desmatamento atualmente, em proporção territorial. Cerca de 50% já foram perdidos. Foto: Bento Viana/WWWF-Brasil

No Plano de Governo de Simone Tebet, o bioma Cerrado é mencionado duas vezes. A primeira na introdução do eixo “Economia Verde e Desenvolvimento Sustentável”, quando a candidata diz ser “uma vergonha” o que estão fazendo com Amazônia, Pantanal e Cerrado. 

A segunda menção aparece em uma das propostas do eixo, também junto com outros tipos de vegetação: “Fortalecer a fiscalização, a proteção e a preservação de todos os nossos biomas: Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa e Pantanal”.

Já no Plano de Governo de Sofia Manzano (PCB), a palavra Cerrado aparece apenas uma vez, dentro do eixo “Direitos da classe trabalhadora: Saúde educação, reforma agrária, salário, emprego, previdência, assistência social, transporte, cultura e meio ambiente”. 

O trecho em que o Cerrado é citado diz: “Defesa dos recursos naturais da biodiversidade da Amazônia, Pantanal, Mata Atlântica, Cerrado e todos os biomas do país, bem como a construção de uma empresa pública para gerir e produzir de forma sustentável bens e serviços ambientais se aproveitando da enorme biodiversidade do país”.

O bioma Cerrado não está presente ou é citado nos planos de governo de nenhum dos demais candidatos: Ciro Gomes (PDT), Constituinte Eymael (DC), Felipe D´Ávila (Novo), Soraya Thronicke (União) e Vera (PSTU).

O Cerrado nos governos dos estados 

Tocantins

O Cerrado ocupa cerca de 90% do estado do Tocantins e possui importância ímpar para a região em termos hídricos e nutricionais, entre outros importantes benefícios. Nem por isso, o bioma recebeu atenção dos candidatos a governador para esta unidade da Federação. 

Dos sete candidatos aprovados pelo TSE, apenas três citam a palavra Cerrado em seus planos: Dr Luciano do Oswaldo Cruz, candidato pela Democracia Cristã (DC), Paulo Mourão, candidato pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e Wanderlei Barbosa, candidato pelo Republicanos.

Apenas no Plano do Dr Luciano Cruz, no entanto, a palavra é citada no contexto ambiental: “incentivar os produtores agrícolas a desenvolver a partir de cooperativas mudas das espécies do cerrado para replantio em caso de incêndio e queimadas”, diz trecho do documento.

No Plano de Governo de Paulo Mourão, o Cerrado aparece nas proposta para ampliação de infraestrutura e transporte para escoamento do agronegócio na região do Cerrado, e no Plano de Wanderlei Barbosa, a palavra aparece na introdução do documento, um texto de cunho mais literário do que propositivo: “Os filhos da terra ergueram os pilares dessa sólida gente esculpida pelo Sol, cujo suor é lavado em águas límpidas e transparentes que nascem em nossas serras em forma de cachoeiras e transformam-se em grandes rios, irrigando o cerrado…”.

Apesar de trazerem diferentes propostas para o meio ambiente, os demais candidatos – Coronel Ricardo Macedo (PMB), Irajá (PSD), Karol Chaves (PSOL) e Ronaldo Dimas (PL) – não mencionam de forma explícita o bioma Cerrado em seus planos de governo.

Goiás 

Mais de 70% do território de Goiás era coberto originalmente pelo Cerrado. O estado é o segundo que mais perdeu vegetação nativa entre 1985 e 2020, tendo sido destruídos cerca de 4 milhões de hectares do bioma nesta unidade da Federação em 35 anos, segundo levantamento do Map Biomas (o primeiro é o Mato Grosso, com 6,8 milhões de hectares de Cerrado perdidos no período).

O cerrado do Parque Nacional das Emas, no estado de Goiás. Foto: André Dib.

Nem assim o bioma recebeu atenção dos candidatos a governador deste estado. Apenas três dos seis candidatos com candidatura aprovada pelo TSE até o momento da publicação da matéria citavam o bioma em seus governos: Professor Pantaleão, da Unidade Popular (UP), Professora Helga, do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Wolmir Amado, do Partido dos Trabalhadores (PT).

Destes, apenas Professora Helga e Wolmir Amado mencionaram o verbete Cerrado dentro de propostas para o bioma. 

No Plano de Governo do Professor Pantaleão, o Cerrado é mencionado uma vez, dentro das propostas para Reforma Agrária: “Realizar ações discriminatórias nas terras do Cerrado goiano para regularizar e retirá-las das mãos dos grileiros, entregando-as a cooperativas rurais, formadas por pequenos produtores e trabalhadores sem-terra”.

A candidata Professora Helga é a que traz propostas mais concretas para o bioma. Em seu Plano de Governo, o verbete aparece quatro vezes, em propostas como : “Implementar iniciativas em prol da aprovação do Projeto de Emenda Constitucional 115/1995 (504/2010), que incorpora o Cerrado como Patrimônio do país”; “Promover a conservação da biodiversidade do Cerrado por meio da criação, expansão e fortalecimento de Unidades de Conservação” e “Elaborar um novo padrão de desenvolvimento agrícola ecologicamente compatível com as áreas do Cerrado através de Zoneamento Agro-Ecológico”.

Já Wolmir Amado (PT) traz em seu Plano de Governo propostas como: “Defesa do Bioma Cerrado e sua preservação – desmatamento zero” e “Proteção da terra e da água do Cerrado: florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”.

Os demais candidatos ao governo de Goiás – Cíntia Dias (PSOL), Edigar Diniz (NOVO) e Major Vitor Hugo (PL) – não mencionaram explicitamente o bioma em seus planos de governo, apesar de apresentarem propostas para o meio ambiente.

Sem floresta, sem atenção

Um estudo publicado em outubro de 2021 na revista científica Journal of Applied Ecology mostrou que as florestas têm uma prevalência em estudos científicos e também nas redes sociais, em detrimento de biomas abertos.

Assinada por um grupo de 14 cientistas do Brasil, Austrália, África do Sul, Reino Unido, França e Estados Unidos, a pesquisa analisou cerca de mil estudos científicos, mais de 50 mil tweets de instituições parceiras da Organização das Nações Unidas e mais de 45 mil tweets dos maiores canais de mídia de ciência e meio ambiente do mundo. Os resultados mostraram uma quantidade 9,6 vezes superior de tweets para florestas do que para biomas abertos. Disparidade semelhante foi encontrada na análise dos estudos científicos: cerca de 70% dos estudos de restauração concentram-se em florestas tropicais.

A falta de interesse por ecossistemas abertos foi chamada pelos autores da pesquisa de “disparidade de consciência de bioma (DCB)”. “O que ficou evidente por meio de nossa análise é que há uma disparidade de consciência de biomas, conceito que pode ser definido como uma falha em reconhecer a importância de todos os biomas na política de conservação e restauração”, explica Lívia Carvalho Moura, pesquisadora do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e uma das autoras do estudo.  

A ((o))eco, a ecóloga e Coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do ISPN, Isabel Figueiredo, explicou que a ausência do Cerrado nos Planos de Governo dos candidatos é reflexo desta negligência da sociedade em relação às vegetações não florestais. Mas não só isso.

Segundo ela, candidatos estão cientes e são coniventes com o fato de que grandes empresas de commodities não deixarão de fazer pressão sobre os biomas brasileiros não florestais, mesmo que estas tenham assumido compromissos de desmatamento na Amazônia.

“É mais confortável [defender a Amazônia] porque você vê. Você posa de que está fazendo um compromisso com as florestas tropicais, que é o que a sociedade mais se importa. Mas, ao mesmo tempo, você está permitindo que a expansão desenfreada do agrobusiness, que é detonadora, aconteça nesses outros ambientes, nesses outros ecossistemas. Então, mais do que refletir o que a sociedade fala, há um interesse escuso para que a gente possa, sim, continuar ampliando de forma indiscriminada a questão da produção de commodities no bioma Cerrado”, diz ela.

No contexto das eleições, a “disparidade de consciência de bioma” é reforçada pela própria mídia, que deixa de dar importância ou questionar os candidatos sobre outros tipos de vegetação que não a floresta tropical.

“Em debates, ao fazer perguntas para os candidatos, quando vai falar da questão ambiental fala-se de Amazônia e de desmatamento na Amazônia e um pouco de clima. Mas não se fala, por exemplo, na situação dramática que o Pantanal está vivendo, na velocidade de desmatamento do Cerrado, que é absurda”, diz Isabel.

Para tentar mudar este cenário, o ISPN lançou, na última semana, a campanha #VotePeloCerrado, que visa aumentar o conhecimento da população sobre a importância do bioma e as consequências que sua degradação pode causar à sociedade caso políticas públicas de conservação não sejam implementadas.

Realizada pelo ISPN, Rede Cerrado e parceiros, a campanha #VotePeloCerrado vai contar com ações digitais e offline, que acontecem até o primeiro turno das eleições, dia 2 de outubro.

Vídeo de divulgação da Campanha #VotePeloCerrado, do ISPN, Rede Cerrado e parceiros.

A ideia é mobilizar cidadãos na cobrança de seus candidatos sobre propostas para conservação e medidas de redução do desmatamento do Cerrado e demais ecossistemas não florestais. A julgar pelas propostas dos candidatos a ocupar o Palácio do Planalto e os governos de estados majoritariamente formados pelo bioma, os eleitores terão muito trabalho pela frente.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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