Uma reunião entre conselheiros de três Unidades de Conservação (UCs) realizada na última terça-feira (24) na cidade de Caravelas, na Bahia, resultou em uma moção contrária à ampliação do Parque Nacional Marinho de Abrolhos. Nem todos os presentes assinaram o documento, por discordarem do seu teor. Entre os que assinaram, está o chefe do Parque Nacional de Abrolhos, Fernando Repinaldo Filho. A moção pede ainda a ampliação da Reserva Extrativista (Resex) Cassurubá.
Fernando, que também é presidente do Conselho Consultivo do Parque, enviou a seguinte resposta por e-mail: “Importante estar claro que é papel do presidente do Conselho de UC assinar os documentos produzidos nesse âmbito. Assim, é importante ficar claro que as manifestações dos Conselhos não expressam a opinião do ICMBio, ou de seus servidores isoladamente”.
O I Encontro de Conselheiros do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, Reserva Extrativista do Cassurubá e APA Ponta da Baleia/ Abrolhos reuniu pela primeira vez os conselheiros das três UCs. Quatro participantes ouvidos pela reportagem disseram que o encontro contou com cerca de sessenta pessoas, a maioria delas representantes dos pescadores da região. Muitos conselheiros não estavam presentes. As fontes ouvidas pelo ((o))eco descreveram um clima pesado, com momentos de bate-boca.
Oito dias antes, o presidente do ICMBio, Paulo Carneiro, havia confirmado a realização das audiências públicas sobre a ampliação do Parque para o segundo semestre. O compromisso foi assumido perante Leandro Mello Frota, diretor de Relações Institucionais e Presidente da Comissão Especial de Governança dos Oceanos da OAB-RJ. Leandro ficou surpreso com a moção contrária ao processo de ampliação: “A gente percebe que há uma fuga de comando, se a direção do Instituto sinaliza que é importante esse processo de ampliação, é inaceitável, inadmissível, que um chefete de parque tome um posicionamento por si só achando que pode contaminar esse processo, ou que a opinião dele é importante nesse processo de ampliação”.
Leandro conta que o Presidente do ICMBio garantiu que a atuação do órgão seria isenta, pautada em estudos científicos e nas discussões com a sociedade: “A nossa conversa foi no sentido de que iniciaríamos esse processo de ampliação este ano. Não sabíamos se conseguiríamos finalizar este ano, mas as consultas, as audiências públicas, um seminário, seria tudo feito neste ano”.
Diante do compromisso assumido por Paulo Carneiro, outro episódio do Encontro de Caravelas causou surpresa, como conta Mitchel Kipgem, instrutor de mergulho e representante dos condutores no Conselho do Parque de Abrolhos. Segundo Mitchel, em determinado momento da reunião, Carolina de Melo, servidora do ICMBio e Chefe da Resex Cassurubá, disse que havia recebido um telefonema do Presidente do ICMBio, Paulo Carneiro. Carolina comunicou aos presentes que ele havia dito que as audiências públicas sobre a ampliação do Parque de Abrolhos não aconteceriam neste ano, por conta das eleições.
“É exatamente isso. Foi o que a Carolina nos falou. Pouco antes da reunião ela disse que o Paulo Carneiro ligou pra ela, e falou pra gente ir com calma na reunião, porque esse é ano de eleição e que provavelmente não vai sair mais nada de Brasília este ano”, afirma Mitchel. Outras duas pessoas ouvidas pelo ((o))eco relataram ter ouvido a mesma informação de Carolina de Melo.
Por e-mail, Carolina negou esta versão: “Ele [Paulo Carneiro] não me disse que não sairia esse ano, apenas afirmou que por conta da questão eleitoral, estão aguardando para realizarem as consultas públicas. Em nenhum momento foi dito que não seriam feitas esse ano”, escreveu.
A resposta do ICMBio: “a posição única é pela ampliação”.
O Presidente do ICMBio, Paulo Carneiro, não quis gravar entrevista, mas se manifestou por e-mail através da assessoria de imprensa do órgão (leia abaixo íntegra da resposta). O ICMBio afirma que “respeita a pluralidade de ideias de todos os cidadãos” mas que “a posição única do instituto é por sua ampliação, cujas dimensões serão embasadas por estudos técnicos em curso”. O Instituto afirma ainda que as consultas públicas seguem programadas para acontecer neste ano, e não quis comentar a suposta ligação para Carolina de Melo.
Quanto à assinatura de Fernando Repinaldo Filho na moção contrária à ampliação do Parque, o ICMBio escreveu o seguinte: “Em relação à posição isolada do servidor, vamos buscar esclarecer seu posicionamento”.
Em relação a alegação de Fernando Repinaldo Filho, de que “é papel do Presidente do Conselho de UC assinar os documentos produzidos nesse âmbito”, ((o))eco verificou o que consta no Regimento Interno do Conselho Consultivo do Parque Nacional Marinho de Abrolhos. O regimento prevê, entre as atribuições do Presidente do Conselho, “assinar as Resoluções e Proposições do Conselho” e “submeter à apreciação do plenário e assinar as atas das reuniões anteriores”, sem nenhuma referência à obrigatoriedade de assinar possíveis moções.
Além disso, o regimento se refere às reuniões do Conselho Consultivo do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, e não faz referência aos procedimentos que devem ser adotados em outros tipos de reuniões, como foi o caso do Encontro ocorrido em Caravelas. ((o))eco pediu acesso à íntegra da moção e também da ata do encontro, mas até o fechamento desta matéria os documentos não haviam sido enviados pelo ICMBio.
As discussões sobre a ampliação do Parque Nacional Marinho de Abrolhos se arrastam há seis anos. O Parque está localizado entre o litoral Sul da Bahia e o litoral norte do Espírito Santo, e abriga os maiores e mais diversificados recifes de corais do Atlântico Sul. O projeto de ampliação iria aumentar em dez vezes o tamanho do Parque. A área seria ampliada para o Leste, onde a atuação dos pescadores artesanais é menor. Ali estão localizadas as buracas, grandes buracos em águas profundas que servem como maternidade para várias espécies de peixes.
Resposta do ICMBio:
O instituto é o órgão responsável pela política de criação e gestão das unidades de conservação federais, o que inclui o desenvolvimento de projetos e estudos técnicos para a criação de UCs. O processo de ampliação do Parque Nacional Marinho de Abrolhos é uma das prioridades atuais do órgão. Assim que os estudos que embasam este processo estiverem finalizados, daremos início às consultas públicas, algo programada para acontecer ainda este ano.
O Instituto respeita a pluralidade de ideias de todos os cidadãos. As informações técnicas disponíveis apontam o Arquipélago de Abrolhos e adjacências como áreas de grande importância ecológica e de alta sensibilidade, demandando medidas de conservação. Assim, a posição única do instituto é por sua ampliação, cujas dimensões serão embasadas por estudos técnicos em curso. Em relação à posição isolada do servidor, vamos buscar esclarecer seu posicionamento.
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Ampliar a área do parque não seria importante para, além das possibilidades de pesquisas, garantira continuidade da pesca para as gerações futuras? Talvez se deva investir nessa questão junto às comunidades pesqueiras.
Alberto, cientista socioambiental.