Reportagens

Coalizão entre ciência e sociedade acena com esperança para a Baía de Guanabara

Universidade do Mar buscará potencializar parcerias para enfrentamento da problemática socioambiental da baía mais populosa e degradada do Estado do Rio de Janeiro

Elizabeth Oliveira ·
21 de junho de 2021 · 4 anos atrás

Com cerca de 40 manifestações de apoio de instituições públicas e privadas de ensino e pesquisa, além de organizações da sociedade civil, entre outras adesões, a proposta de formalização da Universidade do Mar parece mais próxima de ser concretizada, segundo expectativas de seus principais idealizadores. Essa iniciativa que visa à busca de soluções integradas para os problemas socioambientais da Baía de Guanabara, a partir de uma rede de parcerias, é liderada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pelo Movimento Baía Viva e pela Associação de Moradores de Paquetá (Morena) em mobilizações que têm se desdobrado há dois anos e meio.

O ambientalista Sérgio Ricardo de Lima, cofundador do Movimento Baía Viva, ressalta que a Baía de Guanabara se insere em um contexto urbano onde se concentra uma das quantidades mais expressivas de universidades públicas e privadas do país. No entanto, essas instituições, em geral, desenvolvem inúmeras ações de ensino, pesquisa e extensão dirigidas aos seus ecossistemas e grupos sociais sem qualquer integração. 

“Essa era uma das grandes inquietações do professor Elmo Amador que foi fundador do Movimento Baía Viva e reconhecida referência em estudos sobre a Baía de Guanabara. Ele pensava nessa necessidade de cooperação interinstitucional e em diálogo com a sociedade civil para o real enfrentamento da complexidade que envolve os seus problemas. É nessa perspectiva que tem se construído a proposta da Universidade do Mar”, explica o ambientalista.

A proposta da Universidade do Mar, segundo Lima, é de promover um movimento de parcerias pelo qual os principais problemas socioambientais da Baía de Guanabara sejam pensados em conexão, de forma a ampliar a compreensão da sociedade sobre os dilemas existentes e potencializar soluções conjuntas. 

Na trajetória de diálogos interinstitucionais promovidos desde 2019, Lima recorda que um passo importante foi dado no dia 17 de maio, quando uma visita técnica foi realizada na Ilha de Brocoió e no imóvel do Solar del Rey, localizados em Paquetá. É nessa área da Baía de Guanabara, onde se pretende implementar unidades da Universidade do Mar.

 

Moradores de Paquetá protestam contra o abandono do Solar del Rey. Crédito: Movimento Baía Viva.

Dessa mobilização participaram representantes de órgãos públicos estaduais como a Secretaria de Estado da Casa Civil (SECC), gestora de Brocoió; e Secretaria de Estado de Ambiente e Sustentabilidade (SEAS); além do Departamento de Ensino e Navegação da Marinha do Brasil e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim e da Estação Ecológica da Guanabara, duas importantes unidades de conservação da Baía de Guanabara. Organizações da sociedade civil como a Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Extrativistas Costeiros Marinhos (Confrem) também enviaram representações. 

Outro passo também considerado importante deve ser dado nesta terça-feira (22), durante reunião prevista com equipe da Casa Civil e do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), no Palácio Guanabara, para discutir a Cessão de Uso da Ilha de Brocoió que sediará unidade da Universidade do Mar. 

Para Lima, a proposta ganha importância ainda maior no atual contexto de esforços globais pela sustentabilidade planetária que se expressam na convergência da Década dos Oceanos e da Década da Restauração de Ecossistemas (2021-2030) com a Agenda 2030 da ONU que instituiu os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para serem alcançados entre 2015-2030. 

Garantia de sustentabilidade financeira é desafiadora 

“Existe uma grande preocupação com a sustentabilidade financeira da Universidade do Mar nesses tempos difíceis que enfrentamos. Pensando sobre essa questão específica e da maior importância para o êxito da proposta tem sido debatido com vários segmentos institucionais um leque de possibilidades de captação de recursos”, observa Lima. 

Um dos mecanismos possíveis de financiamento de ações e projetos seria por meio de recursos oriundos de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), adianta o ecologista. Ele acrescenta que diálogos com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) têm sido mantidos para avaliar essa possibilidade. Nesse sentido, a Universidade do Mar, a partir dos seus especialistas em diversas áreas do conhecimento, poderia fazer o monitoramento de cumprimento dos TACs firmados no Estado.

Outra fonte de financiamento poderia vir do Fundo Estadual de Recursos Hídricos. Para dialogar sobre essa possibilidade, Lima adianta que está prevista uma apresentação da proposta da Universidade do Mar para o Comitê de Bacia da Baía de Guanabara, instância que delibera sobre a aplicação de recursos financeiros desse colegiado.

“Temos várias possibilidades de buscar a sustentação financeira para assegurar que essa iniciativa de ciência cidadã possa se fortalecer, abrindo caminhos para novas parcerias e motivando diálogo entre diferentes segmentos da sociedade que, em geral, não conversam entre si”, conclui o ecologista. 

“Historicamente estamos de costas para a Baía de Guanabara”, afirma liderança de Paquetá

Solar del Rey, em Paquetá, está deteriorado e terá que ser recuperado para sediar a Universidade do Mar. Crédito: Movimento Baía Viva.

A perspectiva de implementação de ações integradas de pesquisa e educação pela Universidade do Mar motiva o jornalista Guto Pires, diretor-geral da Associação de Moradores de Paquetá (Morena). “Estamos de costas para a Baía de Guanabara desde o início da ocupação da nossa costa e precisamos mudar esse panorama”, opina. 

Ele conta que há dois anos e meio a Morena aderiu à proposta de criação da Universidade do Mar, acreditando, desde o início das discussões, no potencial dessa rede que reúne academia e organizações da sociedade civil em torno de objetivos comuns. “Nos sentimos como encantadores de serpentes quando apresentamos essa proposta publicamente. Todos ficam encantados com os impactos possíveis das ações previstas”, reflete o líder comunitário.

Nesse contexto, Pires acredita que haverá mais espaço para discutir os problemas de Paquetá, uma ilha que tem enfrentado inúmeros desafios, dentre os quais, a deterioração de seu patrimônio natural e histórico-cultural.  Uma preocupação crescente dos seus moradores envolve o abandono do Solar del Rey, uma construção de grande valor histórico e arquitetônico que tem problemas de conservação, embora pertença ao Governo do Estado e seja um imóvel tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1938.  

“Consideramos que a Universidade do Mar tem potencial para integrar instituições públicas e outros atores que não conversam entre si e para nós de Paquetá é motivo de orgulho sediar uma proposta com todos os seus diferenciais e potencialidades”, ressalta Pires. “Todos nós já entendemos que essa não é uma corrida de 100 metros. É uma maratona que precisa ser construída com vigor. Depois de atravessadas todas as etapas têm tudo para se firmar como uma alternativa democrática e duradoura”, reitera.

Para o líder comunitário, neste ano em que a associação Morena completa 40 anos de atividades, sediar a Universidade do Mar pode contribuir para marcar o início de um resgate de tradições culturais que se perderam com o passar do tempo na ilha de Paquetá, dentre as quais, a pesca artesanal. Nesse contexto, o histórico dessa organização comunitária deve ser recontado para as novas gerações. Segundo Pires, o acrônimo Morena foi uma sugestão do padre Julius Wolgang Kremer com o significado de Moradores Reunidos na Amizade. É com esse espírito que os moradores e lideranças locais buscam celebrar o encontro entre ciência e sociedade acreditando na proposta de uma universidade aberta construída a partir de uma rede de parcerias na qual se inserem.

Vulnerabilidades socioambientais no foco das ações de pesquisa e educação

O professor Marcos Bastos, diretor da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), apresenta nesta entrevista ao ((o))eco as principais expectativas em relação à proposta de criação da Universidade do Mar e conta os antecedentes dessa parceria que tem conquistado cada vez mais adesões na academia, na gestão pública e nos movimentos sociais. Dentre outros atributos para liderar a iniciativa, foi considerada a experiência da Faculdade, tanto na gestão como na condução de atividades acadêmicas realizadas no campus da Ilha Grande, onde se localiza o Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável (CEADS). E como parte dos diferenciais, ele destaca como a proposta científica conseguiu atender aos anseios de organizações da sociedade civil preocupadas com a problemática socioambiental da Baía de Guanabara e com a falta de uso de patrimônio arquitetônico tombado na Ilha de Paquetá.

((o))eco – Como a Uerj se inseriu na proposta de criação da Universidade do Mar, assumindo a sua liderança acadêmica?

O professor Marcos Bastos foi designado pelo reitor da UERJ para responder pela Universidade do Mar na instituição. Crédito: Acervo pessoal.

Marcos Bastos – Em 2019, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI) solicitou à Direção da Faculdade de Oceanografia apoio para a destinação e uso do Palácio de Brocoió, em Paquetá, Baía de Guanabara. Nesse ambiente insular se encontra, desativada, uma residência oficial do Governo do Estado. Houve inclusive tentativas de leiloar esse espaço, mas foram fracassadas. 

A partir do pedido de apoio que soluções foram pensadas pela direção da Faculdade?

Considerando este cenário, a Direção da Faculdade de Oceanografia sugeriu a instalação de um centro de pesquisa voltado para o monitoramento da saúde ambiental da Baía de Guanabara, onde inclusive serviria de base de apoio ao navio oceanográfico da UERJ. O objetivo geral é desenvolver ações de caráter de pesquisa e de educação com foco na mitigação das vulnerabilidades ambientais e sociais do espaço.

E como se deu a aproximação da UERJ com os movimentos sociais? 

Paralelamente, o Movimento Baía Viva e a Associação de Moradores de Paquetá (Morena) já externavam preocupação com o abandono e potenciais usos que poderiam ser dados para a ilha, mesmo sendo o Palácio tombado pelo Iphan. Considerando o contexto, a Faculdade de Oceanografia encaminhou uma sugestão para a criação de um centro de monitoramento ambiental na ilha, visto o cenário de degradação ambiental, vulnerabilidades, mas também de usos potenciais.

A proposta da Universidade do Mar foi construída em torno desse objetivo comum? 

A convergência entre a Faculdade de Oceanografia, o Movimento Baía Viva e a Associação de Moradores sobre os potenciais usos para este espaço insular e Solar del Rey, na Ilha de Paquetá, levou à construção de uma proposta conjunta que agregou diversas instituições e atores na busca da implantação deste centro, posteriormente, denominado de Universidade do Mar.

Que diferenciais poderiam ser destacados sobre a Universidade do Mar em relação a outras ações acadêmicas que já são dirigidas à Baía de Guanabara?

Não tenho dúvida de que dispor de um centro, localizado em uma área sob várias pressões, que dê suporte às ações de várias instituições é muito importante para mitigar os diversos problemas locais. Lembro que a Baía de Guanabara foi e é alvo de elevados recursos financeiros e a história fala por si só o quanto foram inócuas diversas ações. No que tange às ações acadêmicas efetivadas por diversas instituições entendo que a presença do centro só tem a somar. Um indicador disso é que praticamente todas as instituições que atuam na região são signatárias desta ação, formalizando seu apoio à iniciativa. Destaco, ainda, outras instituições não acadêmicas que também formalizaram apoio.

Que outras ações já desenvolvidas pela UERJ motivam essa parceria?

Aponto, inicialmente, as ações desenvolvidas pela instituição, como por exemplo, o monitoramento dos botos da Baía de Guanabara, conduzido pelo projeto MAQUA. Há trabalhos ligados à circulação e à poluição, entre outros, que não são apenas conduzidos pela Oceanografia, mas, também, por outras unidades acadêmicas da UERJ, além do campus localizado em São Gonçalo. Destaco ainda, que a UERJ tem um papel histórico e relevante de ações neste espaço e estarmos inseridos neste desafio abrange uma das várias missões institucionais.

Patrimônio arquitetônico da Ilha de Brocoió, onde será criada unidade da Universidade do Mar. Crédito: Movimento Baía Viva.

Que desafios preocupam em relação à implementação desta iniciativa?

Seria irresponsável a UERJ embarcar nesse desafio sem que a sustentabilidade de se implantar e operacionalizar uma iniciativa deste porte esteja garantida e consolidada. Portanto, essa é uma coerente preocupação da reitoria da UERJ, que já luta para manter a excelência de seus vários campus. Considerando o exposto, um ponto chave é a construção e efetivação de uma rede de apoio que garanta o êxito da iniciativa através de aporte de recursos. Neste sentido, várias discussões têm sido efetivadas com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, secretarias e outros segmentos para se construir a sustentabilidade operacional.

A proposta ganha força nesta Década dos Oceanos? 

Sem dúvida. A Década dos Oceanos apresenta uma motivação muito importante com o centro. Essa agenda global, em prol da preservação dos oceanos e seus usos compatíveis com a manutenção de sua saúde está diretamente conectada à iniciativa, não só pelo ODS 14, mas praticamente com vários outros ODS.

Quanto aos principais problemas existentes na Baía de Guanabara, como enfrentá-los? 

Diante dos incontestáveis sinais de deterioração ambiental, entendo que já há uma boa base de dados realizada por várias instituições e que será fortalecida com a iniciativa desta ação. Outro aspecto relevante da iniciativa será sua capacidade de atuar como um observatório sobre a continuidade de políticas de Estado com foco no saneamento, nos usos, nas vulnerabilidades socioambientais locais e outros aspectos.

Que soluções tendem a ser possíveis a partir desta ação em rede?

A rede a ser formada pela iniciativa terá um papel chave na aferição dos resultados das ações, na realização de investigações técnicas e científicas de qualidade e na efetivação de iniciativas educacionais, gerando conhecimento e propiciando consciência sobre o papel de todos na busca pela manutenção dos serviços ecossistêmicos, diretamente associados à saúde desta Baía.

Que outras soluções poderiam ser resultantes dessa proposta?

As soluções que serão buscadas, a partir dessa iniciativa de união entre ciência e sociedade que se insere na proposta da Universidade do Mar, vão desde o estabelecimento de inovação, adequação e continuidade nos protocolos de monitoramento, às ações educacionais e de fomento em consonância com as vulnerabilidades encontradas no âmbito deste território. Assim estará contribuindo para a geração de oportunidades e de uma mentalidade social conectada à preservação dos ambientes costeiros e oceânicos, no caso a Baía de Guanabara.

  • Elizabeth Oliveira

    Jornalista e pesquisadora especializada em temas socioambientais, com grande interesse na relação entre sociedade e natureza.

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