Reportagens

Área de mangue bem conservado cresce 33% na APA Guapi-Mirim, na Baía de Guanabara

Proteção assegurada por unidades de conservação favoreceu regeneração natural; Atividades do Gaslub (antigo Comperj) ameaçam APA e Esec Guanabara

José Alberto Gonçalves Pereira ·
15 de abril de 2024

A área dos manguezais  em bom estado de conservação na Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapi-Mirim cresceu 33% entre 1984 e 2020. Segundo um estudo ainda não publicado, elaborado a partir dos dados do projeto Mapbiomas para o período entre 1985 e 2020, foram identificados 4.458 hectares de manguezais bem conservados em 2020; eram 3.337 hectares nessa condição em 1985, ano seguinte ao de criação da APA.

Os dados foram levantados por Maurício Barbosa Muniz durante sua pesquisa para o mestrado profissional da Escola Nacional de Botânica Tropical (EBNT) do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ). Muniz é analista ambiental do núcleo de gestão integrada do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) na Baía de Guanabara e já chefiou a APA Guapi-Mirim e a Estação Ecológica (Esec) da Guanabara.

Administradas pelo ICMBio, a APA e a Estação Ecológica (Esec) da Guanabara abrigam a maior extensão contínua de manguezais do estado do Rio de Janeiro. Encontram-se na Esec os manguezais mais bem conservados da Baía de Guanabara, que apresentam aspectos cênicos próximos dos existentes quando teve início a colonização do Brasil pelos portugueses no século 16.

Não à toa, esta porção dos manguezais da região ganhou proteção mais rigorosa com a criação em fevereiro 2006 da Esec da Guanabara, um tipo de unidade de conservação (UC) em que são permitidas apenas atividades educativas e de pesquisa científica. Até então, os cerca de 2.000 hectares da recém-criada Esec integravam o território da APA de Guapi-Mirim, que foi instituída com área aproximada de 14.000 hectares em 1984, território analisado por Muniz.

“Um quarto da área dos manguezais da APA de Guapi-Mirim que se encontrava em bom estado de conservação em 2020 foi recuperado para suas características nativas graças à criação dessa unidade de conservação (UC) em setembro de 1984”, diz Muniz.

Entre as décadas de 1970 e 1990, os manguezais foram severamente desmatados. A maior parte da madeira retirada era queimada como lenha nas olarias da região, destinada à produção de telhas e tijolos, e utilizada na carpintaria e na construção civil. O estabelecimento da APA Guapi-Mirim, em 1984, e da Esec Guanabara, em 2006, favoreceu a fiscalização das atividades irregulares nessas duas UCs pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o ICMBio.

Protegida pelas duas UCs, a vegetação nativa do mangue regenerou-se em 971 hectares, ou 21% da área total de manguezais bem conservados identificados em 2020. Outros 150 hectares foram recuperados pelo programa de restauração de manguezais de base comunitária implantado na APA de Guapi-Mirim em 2009 pelo ICMBio. Portanto, a regeneração e a restauração recuperaram 1.121 hectares, ou 25% da área dos manguezais bem conservados existentes em 2020 nessas duas UCs federais.

A APA e a Esec possuem 7.877 hectares no ecossistema de manguezal, ou 56% da área total das duas UCs. Na Esec, perto de 1.700 hectares encontram-se cobertos por vegetação de mangue inalterada. Ou seja, a paisagem de 85% do território da Esec da Guanabara continua similar à que havia em 1º de janeiro de 1502, quando chegou à Baía de Guanabara a expedição portuguesa comandada por Gaspar de Lemos.

“Observamos que as áreas reflorestadas por ação humana desde 2009 concentram-se justamente naquelas áreas onde o manguezal não avançou por regeneração natural. Assim, existe uma complementariedade entre a regeneração natural e o programa de restauração”, explica o analista ambiental do ICMBio. 

O estudo de Muniz concluiu que “a APA de Guapi-Mirim e a Esec da Guanabara cumpriram os seus objetivos de criação, ao promoverem a conservação e recuperação dos manguezais remanescentes da Baía de Guanabara e evitarem o crescimento urbano desordenado em seu interior, mesmo estando inseridas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que apresenta grande dinâmica na ocupação desordenada de espaços naturais”.

Os dados da pesquisa encontram-se no relatório técnico Análise temporal (1985-2020) da ocupação de manguezais e áreas urbanas no interior da APA de Guapi-Mirim e ESEC da Guanabara e breve avaliação dos objetivos de criação das Unidades de Conservação, com a utilização de base de dados e software de fácil acesso. O relatório pode ser consultado aqui. Muniz defendeu seu trabalho de conclusão do mestrado profissional da ENBT em 13 de março passado. O título do  trabalho é A restauração de manguezais e suas repercussões na produção pesqueira do caranguejo-uçá: um estudo de caso na Área de Proteção Ambiental de Guapi-Mirim e Estação Ecológica da Guanabara.

Uma garça-branca-pequena levanta voo na APA de Guapi-Mirim.

Novos projetos de restauração

Entre 2022 e 2023, um novo projeto de restauração plantou 149 mil mudas em 60 hectares na APA de Guapi-Mirim. Executado pelo Instituto Terra de Preservação Ambiental (ITPA) na porção da APA localizada na cidade de Guapimirim, o projeto integra o programa Florestas do Amanhã (FDA) do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea). O FDA aprovou R$ 2,4 milhões para o ITPA concluir o projeto até 2026. 

O projeto do ITPA na APA Guapi-Mirim conta com o trabalho de pescadores e caranguejeiros que plantaram 149 mil mudas das três principais espécies de mangue: mangue-branco (Laguncularia racemosa), mangue-vermelho (Rhizophora mangle) e mangue-preto (Avicennia schaueriana). Segundo Maurício Ruiz, presidente do ITPA, as três espécies ocorrem naturalmente na região, sendo as duas primeiras mais abundantes. Neste e no próximo ano, o projeto estará na fase de manutenção, necessária para que o plantio seja bem-sucedido ao final de um período de quatro anos.

O orçamento do FDA provém dos recursos depositados pela Petrobras no Fundo da Mata Atlântica do Rio de Janeiro (FMA-RJ), ligado ao Inea, voltados a financiar a restauração florestal de 5.005 hectares nas áreas impactadas pelo Polo Gaslub de Itaboraí (novo nome do Comperj). O compromisso consta do primeiro Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do Comperj, assinado em agosto de 2019 entre Petrobras, Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro (Seas-RJ), Inea e Ministério Público estadual (MPRJ).

Ainda neste ano, o ITPA iniciará seu segundo projeto de restauração de mangue na APA de Guapi-Mirim, selecionado no programa Floresta Viva, iniciativa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que tem como gestor o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio). BNDES e Petrobras, um dos parceiros do banco no Floresta Viva, destinarão R$ 4,7 milhões não reembolsáveis ao projeto do ITPA.

Está prevista a restauração de 201 hectares de vegetação de mangue no novo projeto do ITPA na APA de Guapi-Mirim a partir de maio próximo. O projeto deverá estar concluído até 2028. “Adicionalmente, vamos iniciar ainda este ano estudos para avaliação do potencial de restauração de 350 hectares em áreas privadas da APA”, conta Maurício Ruiz, fundador e secretário executivo do ITPA.

O programa de monitoramento ambiental realizado desde 2008 pelo ICMBio identificou até 2016 na APA de Guapi-Mirim 242 espécies de aves, 167 de peixes, 34 de répteis e 32 espécies de mamíferos que habitam o mangue, as florestas alagadas, os rios e o mar da Baía de Guanabara. Entre as espécies ameaçadas de extinção que ocorrem na APA, há as aves biguatinga e marreca-caneleira.

No grupo dos répteis, o jacaré-do-papo-amarelo está ameaçado. Além de caranguejos e camarões, peixes de grande interesse econômico também passam parte de suas vidas nos manguezais da APA, como o robalo e a tainha. Esta foi a primeira UC criada no Brasil com o objetivo específico de proteger mangues.

Sob ameaça

Um dos principais objetivos do primeiro TAC do Comperj, assinado em 2019, é mitigar impactos adversos do Gaslub (antigo Comperj) nos manguezais da APA de Guapi-Mirim e Esec da Guanabara. Para isso, 4.300 hectares deveriam ser reflorestados nas bacias dos rios Guapi-Macacu e Caceribu, incluindo uma zona tampão de 2.308 hectares no município de Guapimirim. Nada foi feito até o momento nesse sentido, conforme noticiou ((o))eco na reportagem “Impasse ambiental e fundiário pode travar licença de operação de unidade de gás da Petrobras no RJ”, publicada em 25 de março último em ((o))eco.

A devastação das matas ciliares nessas duas bacias hidrográficas, incluindo o desmatamento realizado na terraplenagem e pavimentação do terreno em que o Comperj foi implantado, ameaça desequilibrar a ecologia dos manguezais na APA e na Esec. Nas áreas mais conservadas, a vegetação funciona como esponja na absorção da água da chuva e filtro natural para poluentes originados em atividades agrícolas e industriais, como as do Comperj.

Se as áreas de preservação permanente (APPs) da bacia Guapi-Macacu tivessem sido reflorestadas, consoante o previsto na licença prévia do Comperj, talvez a vegetação poderia ter retido o carreamento de tolueno para o rio Guapiaçu, detectado em 3 de abril passado pela Companhia de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). A contaminação levou a Cedae a suspender por três dias a captação de água do Sistema Imunana-Laranjal, que abastece aproximadamente 2 milhões de pessoas no leste fluminense. Para mais informações sobre o assunto, veja a reportagem “Desmatamento na região do Comperj pode ter favorecido contaminação do rio Guapiaçu por tolueno”, publicada em ((o))eco no dia 10 de abril último.

Foto: ITPA.
  • José Alberto Gonçalves Pereira

    Jornalista especializado em mudanças climáticas e economia verde. Voltou a escrever para ((o))eco em 2020, investigando o Fundo Clima.

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Comentários 1

  1. marco louzada diz:

    Boa noite.

    Excelente matéria. Muito bom saber que os manguezais estão se recuperando na BG, tanto naturalmente como através de projetos! Creio que há um erro no link de acesso ao relatorio, pois abre uma pagina de um jornal.