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Com seca extrema, rio Amazonas deve baixar históricos 8 metros em setembro

Média de vazão para o mês nos últimos 20 anos foi de 4,38 metros. Ribeirinhos já sofrem com insegurança alimentar e fauna local padece nas águas quentes

Cristiane Prizibisczki ·
27 de setembro de 2023

Enquanto o sul ainda sofre com intensas chuvas e alagamentos, o norte do país enfrenta seca cada vez mais severa. Até esta quarta-feira (27), o rio Amazonas já havia baixado 7,35 metros. Nos últimos 20 anos, a média de vazão foi de 4,38 metros. Em alguns tributários, como o lago e o rio Tefé, a água praticamente secou. Em outros pontos, o que resta está tão quente que peixes e mamíferos estão morrendo.

A medição do nível do rio Amazonas é realizada há décadas pelo Porto de Manaus, na região de confluência do Rio Negro com o Solimões. Ao longo dos últimos 15 dias, o rio tem baixado cerca de 30 cm diariamente. “A gente tem alguns dias até o final do mês. Com mais alguns dias a 30 cm por dia, a gente vai bater 8 metros de descida do rio no mesmo mês, o que é absurdamente alto”, diz o professor do Programa de Pós-graduação em Biologia de Água Doce e Pesca Interior do Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA), Jansen Zuanon.

Segundo ele, uma seca tão intensa desafia qualquer capacidade de planejamento, tanto do ponto de vista das pessoas, quanto da flora e fauna, que não têm tempo para se adaptar.

“O rio descer tanto e tão rápido coloca em xeque não só a biologia do sistema, mas também as pessoas, os sistemas sociais ao longo dos rios da amazônia”, diz ele.

Impactos múltiplos

Na região de Tefé, o lago de mesmo nome que serve de via de transporte e fonte de alimento para as populações ribeirinhas e extrativistas está praticamente seco. 

Seca no Lago Tefé (AM), no mês de setembro de 2023. Foto: Huéferson Falcão do Santos

“Tenho 30 anos e nunca tinha visto uma seca nesta proporção. A gente estava acostumado, no final de setembro, início de outubro, as águas do rio subirem, mas vemos hoje um verão mais intenso, uma seca mais intensa, e isso tem mudado toda a dinâmica das comunidades”, diz o extrativista Huéferson Falcão do Santos, morador de uma comunidade tradicional da Floresta Nacional de Tefé.

Segundo ele, além da falta de acesso ao centro urbano e comunidades maiores, onde os serviços de saúde, educação e supermercados estão situados, a seca também tem afetado os modos de vida das comunidades, que têm na pesca uma das principais fontes de alimentação.

“Uma viagem que durava 3 horas, agora dura o dia inteiro, isso arrastando a canoa na lama, tendo em vista que o lago secou. Estamos navegando praticamente em lama. A seca atinge a comunidade diretamente, porque estamos sem ter onde pescar. A pouca água que tem, está barrenta, lamacenta, quente e com falta de oxigênio”, explicou o extrativista. Na região, já foram registradas a morte de um peixe-boi, alguns botos e centenas de peixes. 

Muitos quilômetros abaixo do rio Tefé, já no município de Manacapuru, o aumento da temperatura da água também já matou ao menos dois botos e centenas de peixes, como mostra um vídeo compartilhado na plataforma X (ex-twitter), nesta quarta-feira (27).

Pedido de socorro

Na região amazônica, um conjunto de fatores faz com que os rios naturalmente subam e desçam a cada ano em um determinado ritmo. Em anos de El Niño – fenômeno que chegou no país a partir do início do segundo semestre e deve se estender ao longo de todo próximo ano – os períodos de seca tendem a ser mais severos.

Mas somente o El Niño não explica a situação atual no norte do país, diz o professor do INPA Jansen Zuanon. Segundo ele, o aquecimento das águas dos oceanos Atlântico e Pacífico também tem contribuído. Elas são diretamente responsáveis por parte da precipitação sobre a Amazônia.

“O El Niño está ocorrendo simultaneamente ao aquecimento dos oceanos Pacífico e Atlântico tropical e isso está fazendo com que a seca seja especialmente forte. Olhando em retrospectiva, nos últimos 30 anos a gente teve 8 ou 9 dos maiores recordes de cheia e seca nos rios amazônicos, o que indica que essa tendência de eventos extremos tem se acentuado muito e muito rapidamente. O que a gente esperava de resultado de mudanças climáticas para 20, 30 anos já ocorrendo agora. É inegável que o padrão mudou”, explica. 

Segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a estação de controle de Tefé registrou apenas 47,7 mm de chuva durante todo mês de setembro (até dia 27). A média histórica para o mês nesta região é de 115,7 mm de precipitação.

Diante deste quadro, na última semana, um grupo de cerca de 70 pesquisadores em meio ambiente, sociedade, recursos hídricos e mudanças climáticas enviou uma carta ao Legislativo do estado do Amazonas pedindo providências para prevenir e mitigar os iminentes impactos climáticos deste ano sobre as populações locais.

“Ressaltamos a real necessidade de afrontar o problema a partir de agora, através da mobilização de recursos financeiros, equipes técnicas e equipamentos para atender, especialmente, as populações rurais remotas da Amazônia (indígenas e não-indígenas), as quais estão sob maior risco de padecer de doenças, desnutrição e perdas em seus meios de vida”, diz a carta, endereçada à Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais Câmara dos Deputados.

Para Huéferson Falcão do Santos, a adoção de tais medidas é urgente. “Estamos na maior bacia hidrográfica do mundo e passando por uma escassez de água. Nós dependemos do rio para navegar, para sobreviver, para manter as relações sociais, mas estamos com tudo parado. Nosso principal lago secou”, diz.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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