Reportagens

Comissão aprova dispensa de cobrança de compensação ambiental para projeto da Vale no Rio

Em votação, a Comissão Estadual de Controle Ambiental também aprovou a inexigibilidade de apresentação de EIA/RIMA para o empreendimento, que terá Relatório Ambiental Simplificado

Elizabeth Oliveira ·
6 de junho de 2024

Por oito votos favoráveis e quatro contrários, a Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) – sinalizando divergência entre membros do próprio órgão ambiental estadual – aprovou em reunião virtual no dia 7 de maio, a dispensa de pagamento de compensação ambiental pela Vale para a instalação de um projeto em Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro, voltado à descarbonização da produção de aço. Como o processo de licenciamento ambiental da mineradora será realizado por Relatório Ambiental Simplificado (RAS), em vez de apresentação de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) – outra deliberação da mesma reunião –, a empresa teria que fazer uma compensação de 0,5% do investimento para fins de conservação da natureza como determina o artigo 9º da Resolução Nº 29 do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Conema), de 4 de abril de 2011. 

Porém, como apurado pelo ((o))eco, a Ceca acatou os argumentos da representação da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) para quem esse tipo de cobrança representaria uma espécie de punição a uma empresa que está investindo em tecnologia para salvaguardas ambientais. A reportagem levantou esse questionamento junto à própria Federação, que não quis se pronunciar, e a outras instituições presentes à reunião da Comissão que, entre outras demandas, deliberou sobre os próximos passos do licenciamento ambiental simplificado desse novo empreendimento da mineradora.

Segundo informado pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea-RJ), que teve três votos (dois favoráveis e um contrário à dispensa de compensação ambiental), foi solicitado pela Vale uma licença ambiental para a implementação de uma planta de briquetes (produto lançado pela mineradora para reduzir a pegada ecológica da produção de aço) “a ser instalada em área próxima à Usina Siderúrgica Ternium, em Santa Cruz, zona Oeste do Rio”. Estrutura que o órgão ambiental afirma que “permitirá reduzir em até 10% a emissão de gases de efeito estufa na produção de aço”. A empresa se apresenta como a maior siderúrgica da América Latina, com capacidade de produção de 5 milhões de toneladas anuais de placas de aço.

“Após analisar o requerimento de licenciamento ambiental, o Inea constatou que o empreendimento contribui para a descarbonização e, por isso, sugeriu à Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca), a necessidade de um Relatório Ambiental Simplificado (RAS) e não de uma licença ambiental que exija o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)”, informa o comunicado do Instituto.

Ainda segundo o órgão ambiental, “o RAS  não compromete o rigor da análise técnica e o controle ambiental executado pela pasta ambiental”. 

“O Inea, como órgão licenciador, fará o acompanhamento e o monitoramento das medidas mitigadoras compensatórias e dos indicadores de qualidade ambiental”,  assegura o comunicado.

Como parte dos próximos passos, o Inea informou que após a aprovação da Ceca, o processo retornou ao órgão ambiental “para a elaboração da Instrução Técnica que embasará o RAS, bem como para o prosseguimento das análises do licenciamento ambiental”.

Firjan se cala e Vale quase nada fala 

Em resposta aos questionamentos da reportagem sobre o seu posicionamento em defesa do não pagamento da compensação ambiental pela Vale, como preconiza a legislação em vigor, a Firjan informou por intermédio de sua assessoria de imprensa “que não irá se manifestar por enquanto” e que toda a sua “manifestação técnica sobre o assunto está registrada na ata da reunião”.  

A Vale, por sua vez, não respondeu às questões levantadas pela reportagem sobre o perfil do projeto e os mecanismos de transparência sobre o empreendimento para a sociedade, entre outras, tendo limitado o seu posicionamento, também enviado pela assessoria de imprensa, à seguinte frase: “A Vale esclarece que o processo de licenciamento do projeto, que visa apoiar a descarbonização da indústria siderúrgica, está sendo conduzido de acordo com os parâmetros legais vigentes”. 

Ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio (Crea-RJ), cujo voto foi favorável à dispensa da cobrança de compensação ambiental, também foi indagado se a organização considerava esse tipo de exigência como uma espécie de punição ao setor empresarial. Segundo o comunicado recebido pela reportagem,  “o Crea-RJ considera que toda legislação ambiental é muito importante para boas práticas de desenvolvimento sustentável, o que está absolutamente dentro dos valores da entidade plenamente alinhada com o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), cujo principal objetivo é zelar pela defesa da sociedade e do desenvolvimento sustentável do país”. 

Ainda segundo argumentado, “o  enquadramento que levou o processo a ir para a Ceca foi por similaridade, já que não existe código para a atividade de briquetagem”. “Esta é a primeira fábrica do tipo no Estado do Rio de Janeiro. O tema ainda não foi normatizado pelo Inea e gerou discussão, dividindo o próprio órgão. O Crea, portanto, seguiu o posicionamento da maioria da Comissão, embora o outro lado também tenha suas razões”, justificou o Conselho em seu comunicado.

A Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente do Rio (ANAMMA Rio) afirmou em comunicado que “a questão da compensação foi trazida à reunião justamente pelo representante da ANAMMA e, diante da divergência entre os conselheiros, a questão foi colocada em votação”, tendo o placar de oito votos a quatro expressado que “o entendimento da Ceca foi pela dispensa da cobrança da compensação ambiental”. “Votaram a favor da cobrança da compensação: ANAMMA, DRM [Departamento de Recursos Minerais], Presidência do INEA e IBAMA [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis]”, destaca a Associação.

Rogério Rocco, superintendente do Ibama no Rio de Janeiro, conta que concordou com a inexigibilidade de EIA-RIMA pelo perfil do projeto da Vale que, segundo ressalta, não se encaixa em padrão de alto impacto. Porém, votou contra a dispensa de cobrança de compensação ambiental por não concordar absolutamente com argumentos de que esse tipo de exigência representaria uma punição para qualquer empresa, por se tratar de um valor pequeno para empreendimentos que recebem altos investimentos. Além disso, enfatizou a importância desse mecanismo no arcabouço legal ambiental.

O ambientalista também recorda que a siderúrgica onde se instalará a planta de briquetagem da mineradora (antiga Thyssenkrupp CSA Companhia Siderúrgica do Atlântico – TKCSA, de origem alemã) é um empreendimento polêmico que foi beneficiado por isenção de tributação e já gerou inúmeras controvérsias pelos seus impactos socioambientais. No seu histórico constam denúncias do Ministério Público Federal, entre outros questionamentos. 

Em 2011, pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) defenderam que a população do entorno do empreendimento tivesse a saúde monitorada por 20 anos, devido aos altos impactos ambientais da siderúrgica. O órgão ambiental federal que não teve participação no licenciamento do projeto, em 2007, chegou a multá-lo e embargá-lo por ter desmatado uma área maior do que o autorizado à época. 

Em 2012, o Inea também multou a siderúrgica por poluição. Movimentos populares ainda discutem impactos e lutam por reparação de danos históricos. Em 2017, sob fortes questionamentos sobre sua atuação, o empreendimento foi vendido para a ítalo-argentina Ternium. Àquela época, a Vale já tinha vendido para o grupo alemão os 26% das ações da siderúrgica que chegou a deter.

Novo projeto é resultado de parceria 

Em agosto de 2021, foi firmado um Memorando de Entendimento entre a Vale e a Usina Siderúrgica Ternium, com o objetivo de desenvolver projetos de descarbonização para a indústria siderúrgica. Como parte da parceria, a Vale solicitou ao Inea o licenciamento ambiental para a instalação da planta de briquetagem em área próxima à Ternium, “cuja licença ambiental está em dia e é válida até dezembro de 2032”, segundo o órgão ambiental.

O Inea também afirma que “a planta utilizará infraestruturas existentes da Usina Siderúrgica, não sendo necessárias novas áreas para disposição de matérias-primas, como minério de ferro”, o que “diminui as fontes de emissão de material particulado”. Outra informação transmitida pelo comunicado do Instituto dá conta de que “o projeto também prevê a utilização de áreas comuns da Usina para armazenamento temporário de resíduos e tratamento de efluentes sanitários e industriais nas Estações de Tratamento de Efluentes (ETE) da Usina, sem aumento no número de pontos de lançamento de efluentes”.

  • Elizabeth Oliveira

    Jornalista e pesquisadora especializada em temas socioambientais, com grande interesse na relação entre sociedade e natureza.

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Comentários 1

  1. Daniel diz:

    Mais uma vez a ingerência da iniciativa privada se sobrepondo às leis do estado e ao interesse publico. Não há razão plausível para uma empresa multimilionária como a Vale ser isentada de qualquer valor, principalmente de uma compensação ambiental. Ainda mais se levarmos em conta o trágico histórico recente dessa empresa.