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Publicado originalmente por Mongabay
Antes de se tornar chefe de polícia da Delegacia Especializada na Repressão aos Crimes Contra o Meio Ambiente (DEMA) no estado do Amapá, no norte do Brasil, Leonardo Brito nunca havia trabalhado na área ambiental ou lidado com imagens de satélite ou mapeamento. No entanto, tudo isso mudou quando começou seu novo trabalho em maio de 2018.
Quando chegou ao escritório da DEMA no Amapá em maio passado, Brito, de 35 anos, descobriu que a polícia ambiental raramente investigava crimes ambientais. A maioria dos casos envolvia disputas por terra, furtos e poluição sonora de bares tocando música alta. Casos envolvendo desmatamento surgiam raramente e somente quando havia uma queixa.
“O meio ambiente estava em último lugar, por isso, tentei mudar essa situação”, disse Brito, que antes de ser contratado como chefe de polícia ambiental no Amapá trabalhava como advogado no estado da Bahia. “Primeiro, entrei em contato com os órgãos públicos ambientais, mas encontrei muita inércia. A maioria dos funcionários públicos só quer receber seus salários e ficar em suas mesas. Também há muito interesse político em não investigar crimes ambientais”.
Para piorar a situação, Brito descobriu que a infraestrutura da DEMA é bastante limitada. A agência é composta por 12 funcionários, dois veículos, um barco e um drone, que coleta apenas 20 minutos de filmagem por vez, para patrulhar uma área de floresta do tamanho do Nepal. No mês passado, as duas linhas telefônicas da DEMA foram cortadas por falta de pagamento do governo do estado. A equipe gostaria de comprar um segundo drone, mas não há dinheiro para isso.
Brito, no entanto, foi em frente. “Se nos faltava recursos [materiais], investiríamos em conhecimento”, disse. Ele começou a pesquisar sistemas de satélite que detectam o desmatamento e encontrou o PRODES e o DETER, administrados pela agência nacional de pesquisas espaciais.
No entanto, esses sistemas não atendem às necessidades do DEMA. O PRODES fornece apenas dados anuais de desmatamento, o que não é muito útil se você estiver tentando parar as atividades de exploração de madeira conforme elas estão acontecendo. O DETER detecta apenas áreas de desmatamento com mais de 250 metros quadrados e atualiza suas imagens de satélite de acesso público a cada três meses. Brito disse que com o uso desses sistemas, quando eles “chegavam a um local de desmatamento, os criminosos já tinham saído”.
Então, ele se deparou com o Forest Watcher, um aplicativo gratuito produzido pela plataforma on-line de monitoramento de florestas Global Forest Watch (GFW). O Forest Watcher é capaz de detectar áreas muito menores de perda de cobertura de árvores do que o PRODES e fornecer atualizações com muito mais frequência do que o DETER, permitindo que Brito e sua equipe interceptem os eventos de desmatamento enquanto estão acontecendo.
“Enquanto o DETER usa imagens de resolução espacial de 250 metros [quadrados], os alertas do Forest Watcher têm uma resolução de 30 metros [quadrados] e, portanto, detectam perdas em uma escala espacial muito mais precisa”, Brito informa à Mongabay.
A polícia da DEMA descobriu que os desmatadores, cientes do DETER, estavam desmatando áreas menores que 250 metros quadrados para evitar a detecção. Mas, usando o Forest Watcher e seus dados de maior resolução, Brito e sua equipe conseguiram localizar as operações de extração de madeira e identificar e indiciar os infratores.
Resultados rápidos
Brito disse que desde que começaram a usar o aplicativo, a polícia ambiental do Amapá conseguiu detectar 5.000 áreas de desmatamento no estado, tanto legais quanto ilegais. Ele acrescenta que todos os dias vê novos locais para adicionar à lista cada vez maior.
Quando um novo ponto de desmatamento é identificado, os agentes primeiro investigam remotamente para confirmar o desmatamento e determinar se ele está ou não acontecendo legalmente. Para fazer isso, utilizam uma combinação de vários sistemas junto com o Forest Watcher, incluindo o Google Maps, o Sistema de Observação da Terra da NASA, o ArcGIS da Esri, o GFW Fires e o GFW Water. Quando eles confirmam que o desmatamento está acontecendo ilegalmente, uma equipe de campo vai ao local para prender os infratores e apreender os equipamentos.
Brito, que não fala inglês, usou o Google Tradutor para entrar em contato com funcionários do World Resources Institute (WRI), que o ajudaram a refinar suas buscas. O WRI é a organização matriz do Global Forest Watch.
“O Forest Watcher foi originalmente conduzido pelo Instituto Jane Goodall em 2016 com guardas florestais e monitores comunitários em Uganda”, disse Liz Bourgault, analista de pesquisa do WRI para o Global Forest Watch. “O pensamento era que, se pudéssemos colocar os dados do desmatamento nas mãos desses defensores florestais, eles poderiam ter patrulhamento e gestão de terras mais eficazes.
Mais ou menos nessa época, o laboratório [Global Land Analysis & Discovery] começou a produzir alertas semanais de desmatamento, e também tivemos acesso a alertas diários de incêndios por meio da NASA, então sabíamos que era uma ótima oportunidade para aumentar a capacidade de ação dos dados de desmatamento para aqueles nas linhas de frente.”
Nos últimos oito meses, a DEMA realizou mais de 50 operações de combate ao desmatamento em locais encontrados por meio do Forest Watcher, pegando vários madeireiros em atividade. Brito e sua equipe fizeram várias prisões e apreenderam cinco caminhões madeireiros, 12 motosserras e 11 armas de fogo. Brito disse que 80% dos responsáveis por esses eventos de desmatamento foram identificados, alguns deles políticos locais.
“Há muitos produtores de soja plantando aqui, mas há também pessoas que contrabandeiam madeira, a maioria do estado de São Paulo, Bélgica e China”, disse Brito à Mongabay. “Os estrangeiros são os mais difíceis de identificar. Quando chegamos ao porto com o número da barca de travessia na qual a carga vai embarcar, encontramos no máximo o país de destino”.
Além de prender transgressores, a DEMA também compila casos em locais de desmatamento ilegal detectados depois que o desmatamento foi interrompido. A DEMA envia esses casos ao Ministério Público do estado do Amapá, que protocola solicitações de ações civis públicas para ajudar a reflorestar as áreas afetadas.
De acordo com Brito, os condenados por desmatamento ilegal podem enfrentar penas de prisão entre um e quatro anos. Mas ele alertou que “o sistema judicial no Brasil é muito lento; leva muito tempo para uma pessoa ser punida”, o que pode complicar ainda mais a situação.
Compartilhamento do sucesso
Incentivada pelos resultados, a equipe da DEMA continua aperfeiçoando suas técnicas de investigação. Alguns membros da equipe estão estudando como calcular o volume de madeira encontrado nos caminhões. Brito tem pesquisado como a agricultura familiar e as economias solidárias (por exemplo, uma associação de empresas locais) podem ajudar os desmatadores a mudar seus meios de subsistência.
“Estou conversando com agências técnicas como a Embrapa para ver como e quem poderia ensinar essas pessoas a cultivar sem o uso de pesticidas e desmatamento”, explicou Brito. “Como emitir uma licença ambiental e verificar em alguns dias, por meio de imagens de satélite e do Google Maps, se uma determinada área é permitida para essa atividade”.
No entanto, ainda existem muitos obstáculos a serem superados. Por exemplo, a polícia ambiental do estado da Bahia não trabalha exclusivamente com casos ambientais e seu foco em outros tipos de crimes muitas vezes não deixa tempo para dedicar à investigação ambiental, de acordo com Brito.
A Mongabay entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente do Brasil, mas um porta-voz do ministério se recusou a comentar. No entanto, em 27 de março, o ministro Ricardo Salles declarou no Twitter que está preparando um sistema alternativo para monitorar o desmatamento no país. De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, o sistema usaria imagens de satélite da organização Planet Labs com sede nos EUA, que tem uma resolução espacial entre 3 e 5 metros.
Em termos de resolução e atualizações, as imagens do Planet Labs seriam uma melhoria em relação aos sistemas de monitoramento, como o PRODES e o DETER. No entanto, alguns dizem que os sistemas usados atualmente são adequados para a maioria dos propósitos e adotar um novo seria proibitivamente caro. O custo da cobertura do Planet Labs para todo o país é estimado em 33 milhões de reais por ano, cerca de 55 vezes mais do que os custos operacionais anuais da agência nacional de pesquisa espacial do Brasil. Além disso, Salles foi condenado por “improbidade administrativa” enquanto estava no comando de uma agência ambiental do estado em 2016, levando alguns a questionar sua eficácia em sua nova posição como ministro do Meio Ambiente.
Críticos dizem que o Brasil pagaria duas vezes para ter essencialmente o mesmo sistema de monitoramento florestal que utiliza agora, e até mesmo Brito disse que essa compra em potencial seria um desperdício de dinheiro público. Ele é a favor do uso do GFW e do Forest Watcher para aumentar os sistemas atuais.
Enquanto isso, Brito está trabalhando para compartilhar com outros estados brasileiros as técnicas que ele e sua equipe aprenderam. Ele entrou em contato com a polícia ambiental do Pará, Rondônia e Tocantins, bem como da Bahia, seu estado natal, para incentivá-los a usar o sistema GFW e mostrar como ele pode ser combinado com outros sistemas.
Com exceção do Pará, as equipes policiais de outros estados mostraram interesse em usar os dados e as imagens de satélite para localizar o desmatamento ilegal, e a equipe do Amapá está preparando um curso para ajudá-los com essa tarefa. Brito disse que o chefe da polícia ambiental de Rondônia está até planejando visitar o DEMA-Amapá para aprender sobre as técnicas que utilizam. No Rio de Janeiro, o diretor do Parque Estadual do Desengano consultou a equipe de Brito e, após instrução, a unidade de conservação do parque começou a usar o GFW para proteger sua floresta.
“Nós, como brasileiros, pensamos que somos os donos da Amazônia e que ela existirá para sempre, porque é enorme e bem preservada, mas isso não é verdade”, disse Brito. “Quando saímos de nossa própria ignorância e nos conscientizamos da exploração inescrupulosa da Amazônia, isso nos dá uma sensação de impotência e vergonha”.
Brito disse que esse sentimento de vergonha e desamparo o motivou a pesquisar e usar o GFW e o Forest Tracker em um esforço para ajudar a impedir o desmatamento da Amazônia.
“Eu sei que ainda faço muito pouco pela preservação da natureza, mas quero pelo menos [que] essa ferida seja aberta e que as pessoas mudem seu pensamento sobre a conservação da Amazônia”, explicou. “Pelo menos agora eu durmo com uma consciência tranquila… o que eu não podia antes”.
*Tradução: Debora dos Santos Gonzales
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Parabéns ao conterrâneo baiano Leonardo Brito, dando um bom exemplo para muitos outros que combatem crimes ambientais, especialmente o desmatamento e a impunidade reinante. Sua abordagem inovadora para o combate ao crime dá esperança aos que defendem a floresta em pé como muito mais valiosa para o homem e para a natureza.
Prof. Cleveland M. Jones, DSc
Prêmio Chico Mendes, Câmara Municipal de Petrópolis, 2019
Consultor Associado – CEGeo
Pesquisador do INOG – Instituto Nacional de Óleo e Gás/CNPq
Membro, Geosciences Advisory Board – NXT Energy Solutions
Presidente, Academia Brasileira Ambientalista de Letras – ABAL
Presidente, IPGPar – Instituto Pró Gestão Participativa