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Aves fora de sua “zona de conforto” são mais vulneráveis ao desmatamento

Os membros das mesmas espécies de aves podem ter respostas dramaticamente diferentes ao desmatamento, dependendo de onde vivem, diz um novo estudo

Peter Moon ·
16 de maio de 2019 · 5 anos atrás
Plantação de eucalipto recém cortada. Os fragmentos florestais estão ao fundo, sempre envoltos por áreas de pastagem. Foto: Jose Carlos Morante-Filho.

Prever a sensibilidade de uma espécie às mudanças ambientais, como o desmatamento ou a mudança climática, é crucial para o planejamento de estratégias de conservação. Estas previsões são frequentemente baseadas em características ecológicas das espécie e assumem que todos os membros de uma espécie responderão da mesma forma.

No entanto, os membros de uma única espécie vivem em uma ampla faixa geográfica que abrange áreas com condições ambientais distintas, como diferenças na temperatura e disponibilidade de alimento.

Algumas populações de uma espécie viverão inevitavelmente próximas ao limite de sua distribuição geográfica, onde as condições são menos favoráveis, por exemplo áreas muito frias ou muito quentes, ou por demais secas ou úmidas.

Em uma nova pesquisa publicada em Nature Ecology & Evolution, uma equipe de pesquisadores brasileiros e britânicos investigou o efeito que a proximidade ao centro de distribuição tem sobre as espécies de aves no Brasil.

Ao analisar 378 espécies detectadas em 211 locais abrangendo 2.000 quilômetros de Mata Atlântica, a equipe encontrou diferenças dramáticas na sensibilidade ao desmatamento entre populações que vivem no limite da sua distribuição e aquelas mais próximas ao centro, ou seja, o local de origem de determinada espécie, a partir do qual sua linhagem foi irradiando para outras regiões adjacentes.

Os autores observaram que para 24 das espécies analisadas, as populações próximas ao centro de distribuição conseguem sobreviver em paisagens com apenas 20% de cobertura florestal. São os casos do juriti-gemedeira (Leptotila rufaxilla) e do Alma-de-gato (Piaya cayana).

Surucuá-de-barriga-vermelha (Trogon curucui). Foto: Jose Carlos Morante-Filho.

Por outro lado, as populações da mesma espécie que vivem próximas ao limite de distribuição necessitam de quase 50% de cobertura florestal. É o caso do surucuá-de-barriga-amarela (Trogon rufus) e do pica-pau-de-cabeça-amarela (Celeus flavescens), que habitam remanescentes de Mata Atlântica, especialmente no sul e sudeste do Brasil.

“A dramática variação na sensibilidade à perda de habitat que documentamos pode ter importantes implicações para a ecologia e como planejamos os esforços de conservação,” afirma uma das autoras do trabalho, a ecóloga brasileira Cristina Banks-Leite, do Departamento de Ciências da Vida, do Imperial College, em Londres.

“Por exemplo, é mais difícil determinar os ‘vencedores’ e ‘perdedores’ do desmatamento se a sensibilidade de cada espécie for variável e depender de quão perto a população do estudo está do limite de sua distribuição”

Existem várias razões pelas quais as populações mais próximas das bordas de suas distribuições podem ser mais vulneráveis ​​a mudanças ambientais, tais como suas populações são menores e apresentam menor variabilidade genética, o que significa que elas são menos capazes de se adaptar às perturbações ambientais.

Eles descobriram que no sudoeste da Mata Atlântica, a comunidade de aves é particularmente sensível ao desmatamento porque a maioria das espécies está perto da borda de sua distribuição. No entanto, esta região sofreu pouco desmatamento, então ainda há floresta intacta suficiente para sustentar essas populações. A equipe sugere que a melhor estratégia de conservação é criar grandes reservas e implementar a restauração de habitats florestais altamente degradados.

Paisagens altamente degradada, onde é possível ver apenas pequenas manchas de floresta dispersas na paisagem. Foto: Jose Carlos Morante-Filho.

De acordo com o ecólogo José Carlos Morante-Filho, um dos autores do trabalho, “no Sul e Sudeste do Brasil nós ainda temos uma alta diversidade de aves, embora as populações sejam mais sensíveis ao desmatamento, porque essa região ainda abriga grandes remanescentes florestais, como esse grande bloco florestal da Serra do Mar e Vale do Ribeira.”

“Já no Nordeste, as populações se mostraram menos sensíveis, por viverem próximas aos seus centros de distribuição, isto apesar da extrema fragmentação dos remanescentes de Mata Atlântica nordestina,” completa Morante-Filho, da Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia.

Como a região Nordeste já está muito desmatada, os pesquisadores sugerem que a melhor estratégia de conservação naquela região é focar em espécies específicas com alto risco de extinção e com populações localizadas em pequenos fragmentos florestais.

De acordo com Banks-Leite: “nossa pesquisa com aves através da Mata Atlântica demonstra o quão importante é considerar as áreas de distribuição das espécies, de modo a prever as sensibilidades de cada uma delas e assim decidir sobre as estratégias de conservação mais adequadas.”

“O aspecto mais revelador deste trabalho é mostrar que dentro de cada espécie, diferentes populações são afetadas pelo desmatamento de formas distintas, e que esta variação é determinada pela distância do centro de distribuição geográfica de cada espécie. Espécies como pica-pau-de-banda-branca (Dryocopus lineatus), por exemplo, são super sensíveis ao desmatamento perto da borda da sua distribuição, mas ocorrem em paisagens desmatadas em regiões centrais da sua áreas de distribuição.”

Galeria

Saíra-sete-cores (Tangara seledon). Foto: Jose Carlos Morante-Filho.
Ferro-velho (Euphonia pectoralis). Foto: Jose Carlos Morante-Filho.
Gaturamo-verdadeiro (Euphonia violacea). Foto: Jose Carlos Morante-Filho.
Araçari-de-bico-branco (Pteroglossus aracari). Foto: Jose Carlos Morante-Filho.
Saíra-militar (Tangara cyanocephala). Foto: Jose Carlos Morante-Filho.
Rabo-branco-rubro (Phaethornis ruber). Foto: Jose Carlos Morante-Filho.
Sanhaçu-de-encontro-azul (Tangara cyanoptera). Foto: Jose Carlos Morante-Filho.
Saí-verde (Chlorophanes spiza). Foto: Jose Carlos Morante-Filho.
Beija-flor-de-fronte-violeta (Thalurania glaucopis). Foto: Jose Carlos Morante-Filho.
Ariramba-de-cauda-ruiva (Galbula ruficauda). Foto: Jose Carlos Morante-Filho.

 

Saiba Mais

Distance to range edge determines sensitivity to deforestation – Nature

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    Peter Moon é um repórter científico, historiador da ciência e pesquisador da história natural da América do Sul

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