Belém (PA) – Se a linguagem científica ainda enfrenta dificuldades para alcançar o grande público na discussão sobre os desafios relacionados à crise climática, a arte e as mais diversas expressões culturais representam um reforço capaz de fazer a diferença na sensibilização pública sobre essa temática complexa. Acreditando nesse potencial e na força do protagonismo jovem para gerar engajamento, organizações e coletivos se uniram para construir a Free Zone Cultural, no Centro de Belém, onde uma ampla programação artístico-cultural estará aberta ao público, gratuitamente, durante a COP30, sediada na cidade.
Nesse período de grande mobilização, a realização de debates se somará à exibição de filmes, à realização de shows e à exposição e comercialização de produtos da sociobiodiversidade, entre outras ações diárias. Réplicas de casas ribeirinhas formam uma criativa Praça de Alimentação com destaque para a gastronomia do Pará e da região amazônica.
Para Giovanni Dias, presidente do Instituto Artô e realizador da Free Zone, a arte e a cultura desempenham um papel fundamental na sensibilização da sociedade para as questões relacionadas à agenda climática. “As diferentes expressões culturais presentes na Free Zone podem aproximar temas complexos relacionados a essa pauta das pessoas comuns que não têm acesso à Zona Azul [onde se realizam os eventos oficiais da Conferência do Clima de Belém para participantes credenciados], opina.
A integração entre inovações tecnológicas e saberes ancestrais foi uma das principais inspirações na concepção desse espaço onde dez domos geodésicos formam um circuito que representa o futuro desejado em termos de coexistência entre sociedade e natureza. Nessas estruturas que variam entre 78 e 490 metros quadrados, os visitantes podem participar de inúmeras experiências. Uma mandala multicolorida também se destaca em frente ao palco montado para os shows programados.
Em 2025, a Escola de Samba Acadêmicos do Grande Rio apresentou a diversidade cultural do Pará no enredo Pororocas Parawaras: As águas dos meus encantos nas contas dos curimbós. Algumas das esculturas que foram parte do desfile no Sambódromo carioca podem ser vistas na Free Zone. Como exemplos dessas artes se destacam a onça-pintada, a arara, a serpente, uma personalidade indígena e o Muiraquitã, representado pelo sapinho que pela cosmologia indígena é símbolo de sorte e usado como amuleto.




Cidadania e protagonismo jovem no debate crítico
Como correalizadora da proposta da Free Zone, Karla Braga, diretora-executiva da Cooperação da Juventude Amazônida para o Desenvolvimento Sustentável (Cojovem), conta que esse movimento de jovens periféricos está buscando fazer a diferença no engajamento climático, entre outras pautas socioambientais. Ela destaca que a juventude participante desse coletivo tem se posicionado na cobrança de soluções dos tomadores de decisão e também na proposição de caminhos possíveis para o enfrentamento da crise climática, cujos reflexos já são perceptíveis no dia a dia das populações vulneráveis.
“Na Ilha do Combu [uma das ilhas do entorno de Belém] já podemos ver árvores caídas devido à erosão dos solos”, observa. Localidade de importância fundamental para o turismo de base comunitária e outras atividades desenvolvidas localmente, a ilha já enfrenta reflexos do agravamento da crise climática, segundo relata a jovem ativista.
Para Karla, embora haja um grande esforço para trazer moradores de diferentes comunidades para a COP30, as dificuldades financeiras limitam a participação mais ampla de vários grupos sociais nas atividades conectadas a esse grande evento. Nesse caso, ela também menciona a Ilha do Combu como exemplo. Segundo destaca, mesmo diante da proximidade (a cerca de dez minutos de barco), quem mora lá gastaria mais de 30 reais de deslocamento de barco e de ônibus para acessar as atividades da Conferência do Clima, em Belém. “Esse é o preço de um litro de açaí”, compara. Entre o alimento e o debate climático, a jovem reconhece que a primeira opção certamente será a principal escolha.
Em referência ao açaí, fundamental à cultura alimentar da Amazônia, Karla também destaca que a sua produção vem sendo afetada pela irregularidade de chuvas e por outros desafios já associados à crise climática na região. “Eu alcancei açaí custando 5 reais, por litro. Atualmente, custa, em média, 30 reais”.



A ativista faz questão de destacar, durante a entrevista, que a realização da COP30 também precisa ser espaço de discussão dos impactos causados para a realização desse evento, em Belém. Ela relata que no bairro da Marambaia, de origem da sua família, uma via de 15 quilômetros foi aberta para favorecer a logística de acesso às áreas de realização da Conferência. A obra levou à derrubada de áreas de florestas conservadas pela comunidade. A antiga Rua da Mata, como era chamada pelos moradores da localidade, foi desfigurada. “As próximas gerações não terão as memórias que eu vivi lá. Elas só saberão como era esse território pelas fotos”, alerta.
Durante as duas semanas de realização da COP30, os coletivos e comunidades mobilizados pelas atividades da Free Zone acompanharão as negociações, sem perder de vista justamente esse debate sobre os efeitos das mudanças climáticas já sentidos nos territórios. A ideia é conectar as discussões globais aos temas de interesse do Sul Global e suas inúmeras demandas por justiça climática nas localidades.
Para a jornalista paraense Layse Santos, CEO da agência da Eko, parceira da Free Zone, a liberdade de não usar gravata, durante a COP30, decisão no âmbito da ONU, devido às altas temperaturas em Belém, simboliza um alerta do Pará e da Amazônia para o Brasil e o mundo. Segundo ela, a sociedade local já enfrenta todas as dificuldades relacionadas ao calor no seu cotidiano e se as lideranças globais não conseguirem decidir sobre ações efetivas para frear o aumento da temperatura do planeta, os impactos tendem a ir mais além do desconforto térmico.
De forma pioneira, Layse foi mestre de cerimônias da Cúpula dos Líderes, na semana passada. Ela considerou a oportunidade emblemática por incorporar a voz de uma mulher amazônida que, nas últimas três décadas de atividades como profissional da comunicação, tem buscado levar à sociedade informações qualificadas sobre os desafios que envolvem o desenvolvimento do Pará e seus impactos positivos ou negativos na vida da população do Estado. “Sempre enfrentamos dificuldades para sermos ouvidos nesse debate climático”, analisa.
Para a jornalista, ampliar a visibilidade e a ressonância das vozes locais nas suas principais demandas socioambientais tende a ser um grande legado da COP30 para as comunidades locais. “O momento não poderia ser mais oportuno para apresentar ao mundo a importância e as potencialidades da Amazônia”, opina. Da mesma forma, considera que a Conferência serve para alertar, a partir do protagonismo dos territórios, para os riscos que historicamente têm sido ignorados.
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Excelente matéria. Muito importante ter um espaço como esse, dialogando arte e cultura com a emergência climática. Uma relação fundamental, mas, infelizmente, ainda marginal na pauta global.