Santa Catarina, até esta segunda, 7/11, ainda é destaque no bloqueio de estradas realizado por apoiadores do atual presidente Jair Bolsonaro (PL). O grupo não aceita o anúncio da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições do último domingo, dia 30. As vias catarinenses foram as mais afetadas desde o início dos protestos, que geraram paralisações do transporte em todo o país.
A onda de resistência sulista pode ser explicada pela atual configuração política de seus dirigentes. O então governador catarinense, Carlos Moisés do Republicanos, partido ligado à Igreja Universal e presidido pelo bispo licenciado Marcos Pereira, também é um bolsonarista declarado, assim como o novo governador eleito, o atual senador Jorginho Mello (PL), que teve no segundo turno 70,79% dos votos válidos. mais um indício do papel exercido pelo bolsonarismo no extremo sul do país. Em segundo lugar no estado ficou o petista, Décio Lima (PT), com 29,23% dos votos.
Apesar do contexto politicamente espinhoso, o deputado federal Pedro Uczai (PT/SC) conseguiu ser reeleito para o seu quarto mandato no Congresso, e foi o segundo mais votado de Santa Catarina. Uczai destacou-se como o único representante catarinense a votar contra o chamado Pacote da Destruição, um conjunto de Projetos de Lei que são defendidos pelo atual líder do executivo e que têm potencial para causar danos ambientais de extrema gravidade, como a liberação de mineração em Terras indígenas e o chamado PL do Veneno, que flexibiliza o uso de agrotóxicos no país.
Nesta entrevista exclusiva ao ((o))eco, Pedro Uczai fala das problemáticas e também das ações de resistência em prol do meio ambiente em Santa Catarina, e detalha sua perspectiva sobre o avanço, dentro do Congresso, da transição da agricultura brasileira para um modelo ambientalmente sustentável, a partir de modelos agroecológicos e regenerativos. O deputado indica qual papel o futuro Ministério da Agricultura poderia ter para a implementação de mudanças e aponta as correlações de forças que ainda podem dificultar transformações radicais, mesmo com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para o executivo.
((o))eco – Deputado, o conservadorismo político em Santa Catarina tem implicações ambientais bastante concretas. Localmente, quais são as forças que levam a esse contexto?
Pedro Uczai – O agronegócio em Santa Catarina sempre teve muito poder, além do alinhamento e apoio do governo estadual. Nos últimos quatro anos, as coisas pioraram com o alinhamento do governo estadual com Jair Bolsonaro, o que fortaleceu esse poderio. Quando o governador propôs, por exemplo, tributar os agrotóxicos no estado, a reação do setor agroindustrial foi tão grande que nem os meus colegas de partido (o PT) tiveram condições de se opôr. Mas, acho que a principal marca de Santa Catarina, em um aspecto negativo, foram as mudanças que começaram a ser propostas para atender a setores do estado que tinham interesse na flexibilização de licenciamentos e que acabaram tendo impactos no Código Florestal Nacional, com a mudança na legislação que pode prejudicar outros territórios. Os deputados daqui conseguiram até se eleger ao Congresso com esse tipo de conduta. Mas, ainda que minoritários, existem importantes focos de resistência.
E como se estabelece a resistência nesse cenário?
A resistência a essa hegemonia não é nada fácil. Mas, nesta eleição ainda que a deputada eleita com a maior quantidade de votos tenha sido em uma deputada de extrema direita de extrema direita [Caroline de Toni (PL)], Marcos José de Abreu, o Marquito, que era vereador de Florianópolis pelo PSOL, conseguiu se eleger para deputado estadual com uma pauta prioritariamente ambiental, com aproximadamente 40 mil votos. A gente percebe muita resistência no campo também. Santa Catarina é o estado onde mais tem organizações como a rede Ecovida, que faz a certificação de produtos agroecológicos. Florianópolis foi a primeira cidade brasileira livre de agrotóxicos para a produção de alimentos no país. O Instituto Federal Catarinense tem um curso de pós-graduação voltado para os sistemas agroflorestais de base agroecológica e conseguimos uma emenda para o desenvolvimento de equipamentos de alta tecnologia para garantir a eficiência desse tipo de produção, que deve começar a ganhar escala já em 2023. Temos ainda municípios como Santa Rosa, onde o turismo voltado para os interessados em agroecologia já gera emprego e renda. É importante salientar isso para que fique claro que o estado também tem papel relevante diante das desconfigurações ambientais promovidas para o meio ambiente sob Bolsonaro. Lembrando sempre que a agroecologia não é só um sistema de produção, mas uma visão de mundo, um modo de estar no mundo que é muito mais sustentável e colaborativa.
O senhor, que é um ambientalista, também conseguiu se reeleger.
Exatamente. Veja, de um lado você tem essa extrema direita e do outro, a reeleição de um parlamentar completamente focado em meio ambiente, que atua em favor da transição agroecológica e da energia sustentável. Eu já escrevi cinco livros voltados diretamente à questão energética, esse é o meu principal campo de estudos acadêmicos. Eu acredito muito na importância das energias renováveis para o futuro do planeta e participei ativamente para a aprovação da lei 14300/22, que Institui o marco legal da microgeração e minigeração distribuída, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) e o Programa de Energia Renovável Social (PERS), dentre outras providências relacionadas à facilitação para o acesso à geração de energia solar no país. Existem 16 cooperativas em solo catarinense voltadas à produção de energia solar, com o objetivo de dar uma resposta econômica e social a agricultores em municípios onde a população vem diminuindo e que precisam de investimento para o desenvolvimento local, além de uma forma de acesso à energia mais democrática, com maior soberania. Foi com esse tipo de pauta que eu me elegi com 17.3521 votos, 36% dos votos para deputado federal, em Santa Catarina. Então posso dizer que sou, também, uma expressão das contradições políticas e ambientais do estado.
E como é conviver com essas contradições na Câmara dos Deputados?
Eu vejo três dimensões na dinâmica presente na Câmara dos Deputados no que se refere à pauta ambiental. Existem aqueles que estão completamente alinhados com a ideia da tal “passagem da boiada”, que se alinham a todas as flexibilizações a afrouxamentos e que não têm nenhum tipo de responsabilidade com as consequências ambientais de seus votos. Fazendo antagonismo a esse grupo, existe a resistência que é menor, e está aguerrida tanto na proposição de projetos e medidas protetivas e voltadas realmente para o desenvolvimento sustentável quanto para impedir o avanço de projetos que são obviamente prejudiciais, como os projetos do Pacote da Destruição. E uma terceira dimensão são os parlamentares que não têm um alinhamento tão claro para a defesa ou para a destruição, mas que já entenderam que existem forças econômicas hoje em dia muito ligadas à proteção ambiental. Um exemplo é a decisão do parlamento europeu de não adquirir mais produtos agrícolas provenientes de práticas de desmatamento ou de redes marcadas pela ilegalidade. O setor da agropecuária também ficou muito bravo com Bolsonaro quando a China ficou mais de cem dias sem importar a carne bovina brasileira. Esse mesmo contexto pode ser observado para os deputados de Santa Catarina, ainda que exista uma predominância considerável dos votos contra a pauta ambiental por parte dos deputados federais catarinenses. Eu acho também que se começa a se perceber na própria sociedade a importância de repensarmos a forma como produzimos alimentos, já que essa produção causa tantos impactos. Já existem setores pensando em como criar um formato de produção regenerativa, sem o uso de agrotóxicos e essas ações que também começam a movimentar, ainda que paulatinamente, as discussões dentro do Congresso.
Apesar de estarmos vivendo um momento marcado pela fome no país – em contradição com os altos índices de produtividade do agronegócio -, a transição para novos modelos como a agroecologia citada pelo senhor ainda está longe de ter protagonismo, mesmo por parte de quem a defende, como Lula. De que forma o senhor observa essa escolha?
Trata-se do reflexo de uma correlação de forças, que favorece o agronegócio como ele já está estabelecido. É preciso lembrar que o Brasil investiu muito mais no setor agroindustrial do que na sua reindustrialização. Isso fez com que a agricultura passasse a ter um grande peso na economia, mas não com o intuito de produzir alimento para a população – e sim para ser commodity e alimentar animais em outros países. Uma pauta como a transição agroecológica acaba ficando sumida, só ali no plano de governo, porque ela não tem impacto eleitoral. Por outro lado, todos os setores buscam diálogo com o agronegócio, para a manutenção dessa hegemonia, que hoje tem o poder econômico nas mãos.
Qual o senhor acredita que deveria ser o papel de um futuro Ministério da Agricultura?
Eu acho que o Ministério da Agricultura deveria discutir a transição agroecológica com mais seriedade, porque já existe conhecimento acadêmico, tecnológico e científico para isso – que os americanos preferem chamar de agricultura regenerativa e que outros denominam de agricultura sustentável. Mas a própria agricultura convencional precisa ser fomentada, e não se criar um Ministério da Agricultura Familiar, que ofereceria recursos para uma produção alimentar mais saudável, enquanto a grande soma de investimento público seguiria para o agronegócio já instituído. É importante assumir o compromisso de produzir de outra forma, outros tipos de alimento, visando diversificar e melhorar a nutrição da população. Eu acredito que essa é uma escolha política que precisará ser feita pelo [presidente eleito] Lula em seu mandato.
O senhor acha que os deputados federais e senadores que estarão trabalhando com o senhor a partir de 2023 irão facilitar ou dificultar essas mudanças?
A renovação que ocorreu de um lado tem lideranças como a Marina Silva (Rede/SP), e outros que se elegeram com temas ligados à pauta ambiental, como Nilto Tatto (PT/SP). Por outro lado, o Senado teve uma renovação mais voltada para a extrema direita. Se tivéssemos mantido o atual presidente, com o Senado que foi eleito e também com a configuração do Congresso, eu tenho certeza de que presenciávamos a maior “passagem da boiada” da história. Com Lula, eu acho que será possível um tensionamento. Também tenho a expectativa de que tenhamos uma nova perspectiva do executivo capaz de acumular forças para que ocorram mudanças significativas para uma transição ecológica para o conjunto da agricultura brasileira.
O senhor acredita que a sociedade brasileira estará mais atenta à pauta ambiental com Lula na presidência?
Contraditoriamente, a expressão política do atual governo fez emergir muitas posições na sociedade brasileira e no mundo a favor da pauta ambiental. Nós aqui em Santa Catarina quando discutimos, por exemplo, sobre a Amazônia, entendemos que grande parte das chuvas da região sul vem das florestas amazônicas. É um tema que nos une. Por isso que eu acredito em um futuro mais amplo para o meio ambiente brasileiro. Eu me surpreendi positivamente com o Lula quando o ouvi falar da Amazônia durante a campanha, e acho que a pauta ambiental se transformou em um tema importante para sociedade brasileira. Acredito, inclusive, que o fator ambiental movimentou quem apoiou o presidente Lula. Eu tenho uma esperança muito grande de que estamos entendendo que o meio ambiente é uma pauta estratégica para o futuro – do Brasil e do planeta.
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