A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou hoje (13), no Rio de Janeiro, mais um leilão de campos de petróleo, chamado de “leilão do fim do mundo” por ativistas e organizações ambientais pela proximidade de alguns blocos de exploração a unidades de conservação, terras indígenas e comunidades quilombolas. Dos 602 blocos à disposição, 192 foram arrematados por 16 empresas e consórcios. Antes disso, um protesto foi realizado por ativistas ambientais em frente ao Hotel Windsor, que recebeu o leilão.
Nos dias que antecederam o evento, realizado na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, organizações da sociedade civil deixaram clara sua oposição à realização de mais um aceno aos combustíveis fósseis: 160 entidades assinaram carta endereçada ao presidente Lula pedindo a interrupção dos planos para o leilão, lembrando do discurso ambiental do governo e pedindo uma “estratégia de descarbonização”. Em outras frentes, a ONG Arayara entrou com ação civil pública contra a inclusão de blocos de montes submarinos de Fernando de Noronha, parte da bacia Potiguar – que, embora tenham ido a leilão, não foram arrematados –, além de entregar estudo à ANP alertando que 94,2% dos blocos ofertados possuem conflitos com as diretrizes ambientais da própria agência ou com alguma política ambiental.
Em meio a essa pressão, o presidente da ANP, Rodolfo Saboia, frisou que a agência consultou “todos os órgãos ambientais estaduais competentes, o IBAMA, a FUNAI e o ICMBio, antes de submetermos essas áreas à aprovação conjunta dos ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente e Mudança do Clima”, como afirmou na abertura do leilão, quando também disse que os combustíveis fósseis poderiam “financiar a transição energética”, em tentativa de aplacar as críticas de ambientalistas.
O evento foi dividido em duas partes: a primeira foi o 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (onde ganha quem oferecer mais dinheiro na assinatura), com blocos na Área de Acumulação Marginal do Amazonas, nas bacias marítimas Pelotas, Potiguar e Santos, e nas bacias terrestres Potiguar, Paraná, Espírito Santo, Tucano, Amazonas, Recôncavo e Sergipe-Alagoas. A segunda parte, por sua vez, foi o 2º Ciclo da Oferta Permanente de Partilha (onde ganha quem oferecer maior percentual de óleo à União), com blocos nas bacias marítimas de Campos e Santos.
Segundo levantamento da Arayara, 3 dos blocos arrematados ameaçam terras indígenas, estando em seus raios de restrição: no Amazonas, os blocos AM-T-107 e AM-T-133, ambos arrematados pela ATEM Participações (dona da Refinaria Isaac Sabbá, em Manaus, comprada da Petrobras no ano passado, e que arrematou 4 blocos na bacia do Amazonas), ficam próximos às TIs Gavião, Lago do Marinheiro e Sissaíma, do povo Mura; e em Santa Catarina, o bloco PAR-T-335, concedido à Blueshift, fica próximo à TI Rio dos Pardos, do povo Xokleng. Por outro lado, nenhum dos blocos que ameaçavam territórios quilombolas foram arrematados. O detalhamento do leilão de cada bloco pode ser conferido aqui.
Outros blocos estão ainda sobrepostos a áreas protegidas: 2 estão em unidades de conservação: AM-T-64, na APA Guajuma, e AM-T-107, na APA Adolfo Duque (ambos arrematados pela ATEM Participações). Além desses, outros 131 estão em Áreas Prioritárias para Conservação, 73 estão em assentamentos, 14 estão em áreas cobertas pelo Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Ambientes Coralíneos (PAN Corais), 3 estão em áreas do PAN Manguezal, 17 em sítios arqueológicos e 8 estão em zonas de amortecimento de unidades de conservação.
“Tenho 35 anos de pesca e 9 quilômetros de manguezais na APA Costa dos Corais. São 14 municípios preocupados com a venda dos blocos de petróleo. A gente não quer isso pra nós”, frisa Izabel Cristina, pescadora da APA Costa dos Corais, localizada no norte do estado de Alagoas. A área, próxima ao setor SSEAL-T1 da bacia Sergipe-Alagoas, teve 6 blocos arrematados pela empresa Elysian – a que mais arrematou blocos no leilão, por larga vantagem: 122, contra 26 do consórcio Petrobras-Shell.
A empresa foi fundada pelo empresário Ernani Jardim de Miranda Machado há apenas 4 meses, tem apenas R$ 50 mil de capital social, não tem funcionários e sua “sede” fica num escritório de coworking em Belo Horizonte. Apesar disso, a Elysian terá de desembolsar R$ 6,2 milhões em bônus de assinatura e investir R$ 400 milhões nos campos concedidos. O empresário esteve em evidência na seara pública em 2019, quando fez parte da comitiva do então presidente Jair Bolsonaro em viagens aos Emirados Árabes Unidos, Catar e Arábia Saudita.
Além da Elysian e do consórcio Petrobras-Shell, também arremataram blocos a Chevron (15), ATEM Participações (4), Imetame (4), consórcio Petrobras-Shell-CNOOC Petroleum (3), consórcio Imetame-Energy Panamã (3), 3R Areia Branca (3), Petro-Victory (3), Karoon (2), PERBRAS (2), PetroRecôncavo (2), Equinor (1), Blueshift (1), CNOOC Petroleum (1) e consórcio Eneva-ATEM Participações (1).
Embora a Elysian tenha levado o maior número de blocos, a maior área arrematada é do consórcio Petrobras-Shell, num total de 16.745 km², que também desembolsará o maior valor de bônus de assinatura – R$ 153,5 milhões. No total, o leilão arrecadou mais de R$ 420 milhões, com mais de R$ 2 bilhões em investimentos previstos. Além disso, a União também levou 6,5% de excedente de óleo em oferta da BP Energy pelo bloco Tupinambá, o único leiloado na parte do pré-sal da Bacia de Santos, ofertado em regime de partilha – outros 4 blocos não receberam lances nessa parte do leilão, para a qual a Petrobras, pela primeira vez, sequer se inscreveu.
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