A maior área úmida do mundo está mais seca e tem tido a sua paisagem transformada pela agropecuária. Isto é o que revelam os dados da Coleção 7 dos mapas anuais de cobertura e uso da terra do Brasil, lançado na última sexta-feira (26) pelo MapBiomas. Nas últimas três décadas, as áreas de pastagem assistiram uma escalada de mais de 285% e, somada às outras atividades agropecuárias, como agricultura, soja e outras lavouras temporárias, passaram a ocupar cerca de um sexto do uso da terra no bioma. Na série histórica, 2018 continua sendo o último ano com cheia significativa no bioma, mesmo com um índice 29% menor em comparação ao primeiro pico de inundação, registrado na série histórica da rede colaborativa em 1988.
Conforme o levantamento, em 1985 o Pantanal possuía 662,8 mil hectares de superfície coberta por atividade agropecuária, o que correspondia a 4% da área total do bioma. Em 2021, o número subiu para 2,55 milhões, ou também 16% da área do Pantanal, o que configura um aumento de 285% – dentro desta categoria, a pastagem responde por 99% do uso.
Entre as principais constatações do levantamento também está o fato de que as alterações causadas pela ação do homem entre 1985 e 2021 foram intensas: a antropização corresponde, também, a mais de um sexto (16,9%) de toda a área do bioma. Nesse período, o Pantanal passou de 95,58% de cobertura de áreas naturais, para 83,01%.
Para Eduardo Rosa, coordenador de mapeamento do Pantanal no MapBiomas, o aumento do uso antrópico do bioma tem, em primeiro momento, relação com o aumento da pastagem e, posteriormente, com a transformação dessas regiões em áreas de agricultura mecanizáveis. “Hoje temos a entrada de soja na planície, com um potencial de aumento sobre áreas de pastagens já abertas, porém, com baixa aptidão a cultivos anuais e, por isso, não se recomenda o plantio de soja na planície, vista a fragilidade das condições naturais do sistema pantaneiro, entre outras problemáticas associadas ao monocultivo, que já causam problemas relacionados à conservação da Bacia do Alto Paraguai e por consequência no Pantanal”, disse a ((o))eco.
De acordo com a SOS Pantanal, organização que integra o Observatório Pantanal – coalizão composta por 43 instituições socioambientais atuantes na Bacia do Alto Paraguai (BAP) no Brasil, Bolívia e Paraguai –, a transformação da paisagem pela agropecuária ocorre, principalmente, quando o proprietário substitui a vegetação nativa do bioma (Formações Florestais, Savânicas e Campestres) por pastagem exótica. “Isso é percebido pelo MapBiomas, essa alteração, e mostra esse aumento das áreas de pastagem exótica. Mas a pecuária, na verdade, ocupa uma área maior, porque tem muitos campos nativos do Pantanal que são usados para pecuária”, explicou a ((o))eco Gustavo Figueirôa, diretor de Engajamento e Comunicação da instituição.
Ao mesmo tempo, ele enfatiza que a pecuária existe há mais de 200 anos dentro do bioma, e ocorre em equilíbrio com o meio ambiente quando manejada com boas práticas. Isto, por conta dos grandes campos abertos do Pantanal, que favorecem a prática no bioma. O que preocupa, de fato, segundo ele, é a substituição das áreas de pastagens nativas do bioma por pastagens exóticas. “Nessa transformação, o maior problema é quando tem essa substituição de gramínea nativa por gramínea exótica, que na maioria das vezes não precisa, porque o capim nativo é muito nutritivo. Quando a gente vê que isso está acontecendo, a gente percebe que tem gente que está vindo de fora e não entende a dinâmica de equilíbrio que o Pantanal tem com a pecuária. Preocupa um pouco, porque é uma atividade bem estabelecida já, mas que tem que ser feita com boas práticas para continuar em equilíbrio”, acrescentou.
Pantanal mais seco
O levantamento do MapBiomas também mostra que o ano de 2018 continua sendo o último com registro de cheia significativa no bioma – o dado já havia sido retratado na coleção publicada no ano passado pelo MapBiomas, mas, neste ano, foi reprocessado com melhores técnicas. Com uma área de 5 milhões de hectares coberta por água, campos alagados e área pantanosa, o número, porém, ainda foi 29% menor do que o registrado em 1988, quando a rede colaborativa registrou a primeira cheia na sua série histórica. Naquele ano, a água cobriu 7,1 milhões de hectares do bioma.
Gustavo comenta que essa diminuição da superfície coberta por água, durante as cheias, é também um reflexo das mudanças climáticas, que já atingem o bioma. Além disso, soma-se a essa tendência de seca a diminuição do fluxo de água que vem de fora do bioma. Estima-se que pelo menos 70% da água que abastece o Pantanal origina-se dos rios situados em suas bordas, região conhecida como Planalto. Esta mesma porção situada na porção norte da BAP sofre com o desmatamento, uso de agrotóxicos e, ainda, a previsão de instalação de barramentos para a geração de energia.
“O Pantanal está ficando com a área total alagada menor e com o tempo de alagamento menor também […] antes era seis meses, agora tá com dois meses. Isso influencia a dinâmica do Pantanal, que depende do pulso de inundação para os seus ciclos ecológicos. Imagina que tem várias áreas onde a água só chega durante a cheia e a reprodução de espécies ocorrem lá durante a cheia. Isso é completamente afetado quando você não tem uma cheia. Não só muda o ciclo ecológico, mas também muda o ciclo de como o ser humano usa a paisagem, e é preocupante porque a tendência é ficar cada vez mais seco”, relatou.
Outro dado que o relatório do MapBiomas também fornece é o da área coberta apenas por corpos d’água (rios e lagos). Se comparados os números de 1985 e 2021, a redução no bioma é de 80% (caiu de 2,6 milhões de hectares para 530,4 mil hectares). A SOS Pantanal, no entanto, esclarece que essa comparação não é recomendada, e nem suficiente, para entender a dinâmica do Pantanal. A comparação de picos de cheia, ele explica, continua sendo a referência ideal para compreender como tem se comportado a maior área úmida do mundo. “O Pantanal passa por regimes de cheia e seca plurianuais. Ou seja, passa um período de oito a dez anos que são mais cheios, depois de oito a dez anos que são mais secos. Comparar o auge de um período que estava cheio com um período de seca não é condizente, porque naturalmente o bioma já vai estar mais seco”, finalizou Figueirôa.
Sobre a Coleção 7 do MapBiomas
A Coleção 7 do MapBiomas traz mapas e dados anuais sobre a evolução de 27 classes de cobertura e uso da terra no Brasil desde 1985 a 2021 e inclui também módulo contendo dados sobre a evolução anual do desmatamento, vegetação secundária, irrigação, mineração e qualidade das pastagens.
“Os satélites nos ajudam a revelar os desafios de como expandir a agropecuária sem desmatamento, como proteger os recursos hídricos e como ocupações urbanas podem ser mais seguras e menos desiguais ”, explica Julia Shimbo, Coordenadora Científica do MapBiomas e Pesquisadora do IPAM.
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