“Make wise decisions”. Tome decisões sensatas. Esse foi o conselho que recebi do meu anfitrião, um experimente caminhante e fotógrafo, em San Diego, Califórnia, na véspera de começar a Pacific Crest Trail. No dia 25 de abril, pouco mais de um mês após começar a trilha, a decisão que tomei não foi inteligente e poderia ter custado a minha vida.
Naquele dia eu decidi subir o Monte Whitney, a montanha mais alta dos Estados Unidos continental (o Denali, a mais alta do país, está no Alasca). Localizado no Parque Nacional das Sequoias e com 4.421 metros de altura, o Whitney é relativamente fácil de subir em anos normais. Mas este não é um ano normal: 2019 foi um dos anos em que mais nevou na história.
Mesmo não sendo parte oficial da PCT, subir o Whitney é uma trilha paralela que muitos dos caminhantes optam por fazer. Por dois motivos: ele está a apenas 12 quilômetros da trilha principal e a autorização recebida para fazer a Pacific Crest Trail também permite subir o Whitney – do contrário é necessário entrar em uma loteria do governo americano que pode levar anos.
Eu estava caminhando há mais de um mês com um grupo coeso. Por isso, naquele dia, mesmo com a neve acumulada e minha falta de experiência em montanhas acima de 4.000 metros, resolvi acompanhá-los. Não foi uma decisão sensata.
Em determinado momento da subida a trilha desapareceu, coberta pela neve. Marcas mostravam que as pessoas que haviam passado ali antes haviam escalado pela face da montanha. Resolvemos fazer o mesmo. Eu usava equipamentos de segurança, como garras nos pés e piqueta, mas isso não impediu que eu escorregasse e despencasse montanha abaixo. A queda interrompida apenas após meu corpo se chocar contra uma pedra, o último e fortuito obstáculo que existia até a base da montanha, a mais de mil metros abaixo de mim. Assustado e amedrontado após sentir a morte de perto, tive um crise de pânico que me impediu de continuar. Precisei da ajuda dos guardas florestais para me tirarem dali.
Decidi, naquele momento, que não iria continuar. Pelo menos não onde houvesse neve. Saí da trilha e peguei uma carona que me levou 600 quilômetros ao norte, até um ponto onde a combinação gelo e altitude não seriam um problema.
Recomecei a trilha no norte da Califórnia, próximo a uma cidade chamada Truckee. Ali pude perceber a importância da manutenção em uma trilha como a Pacific Crest Trail. Com a neve já derretendo, o cenário em alguns pontos é devastador. Árvores caídas por toda a trilha, que em alguns trechos nem se identificam mais. Nestes pontos a navegação só é possível com o uso de aplicativos e GPS. Em apenas um dia contei quase uma centena de árvores caídas na trilha: 86 pra ser mais preciso. O trabalho dos voluntários da Pacific Crest Trail Association e do serviço florestal americano é enorme. Uma vez que boa parte da trilha é dentro de áreas de preservação ambiental, onde o impacto humano deve ser mínimo e equipamentos motorizados de qualquer tipo (veículos ou motosserras, por exemplo) são proibidos, todo o trabalho deve ser manual.
Encontrei com um grupo de voluntários que estavam há oito dias na trilha com machados e serrotes e ainda assim haviam conseguido limpar apenas cinco quilômetros – lembre-se que a PCT tem 4.250 quilômetros no total. Em outro trecho, um funcionário do governo percorria a trilha e anotava os pontos onde a manutenção seria necessária. “Você ainda vai encontrar alguns troncos daqui pra frente, mas já estamos providenciando que sejam cortados”, foi o que ele me disse antes mesmo de eu fazer qualquer comentário.
É um trabalho incessante. No norte da Califórnia e no estado do Oregon, por onde prossegui a caminhada, a manutenção ocorre já a partir da primavera, na espera dos primeiros caminhantes. Na Sierra Nevada, onde está localizado o Monte Whitney, a neve está derretendo só agora. É neste curto período de tempo, no auge do verão, que a manutenção da trilha é feita. Nesse momento estou cruzando Washington, o último estado americano no meu roteiro original da PCT, que marcaria o fim da minha jornada, na fronteira com o Canadá. A aventura, entretanto, não estará completa sem o trecho da Sierra Nevada. Eu espero rumar novamente ao sul para recomeçar o setor que ficou pra trás e completar a trilha em setembro, enquanto ainda é tempo, antes das primeiras nevascas, que normalmente ocorrem a partir de outubro. Acredito que esta seja a decisão mais sensata.
*Jeff “Speedy Gonzalez” Santos é autor do blog www.longadistancia.com.
Instagram: @distancialonga.
YouTube: /jeffsantos
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